segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

sobre o que a gente quer

noite passada eu sonhei com a minha vizinha que tem o meu nome; na verdade, sou eu que tenho o nome dela porque ela é mais velha do que eu; mas na verdade verdadeira, tenho esse nome porque é o nome do meu pai, mas ele quis enfeitar e trocou o C pelo K; suponho que tenha sido pra combinar com o sobrenome. e ao primeiro nome, juntou-se a minha avó materna inteira: Cristina Fernandez. sou também ela, a quem nunca conheci. sou toda a família paterna da minha mãe, Philipovsky, e sou toda a família paterna do meu pai, Koerich. apesar de ser a minha avó materna inteira, ela provavelmente também era toda a família do pai dela, Fernandez. os homens tomam todos os espaços, não é mesmo? até nos nossos nomes... que triste é isso, pensei agora.

apesar de a minha filha ter somente os meus sobrenomes, basta uns passos pra trás pra ver que não são meus, são de homens. não foram mulheres legadas adiante, foram filhas de homens, netas de homens. que bosta. o texto não era sobre isso, mas fica a reflexão em meio à minha náusea. em meio à tensão pré-menstruação, em meio aos seios explodindo de inchaço e sensibilidade, em meio à angústia mensal de existir e não tenho nem uma boceta de um sobrenome que tenha como origem uma mulher. você nasce com uma boceta, sofre a vida toda por inúmeras questãs em razão de ter uma boceta e no fim das contas o seu sobrenome é de um homem! veja, nada contra eles, apesar de ter muito contra. gosto muito deles e inclusive anseio por me relacionar com o gênero, mas foda-se porque isso não vai dar em lugar algum.

voltando ao meu sonho com a vizinha de mesmo nome. no meu sonho havia uma casa - como quase sempre há -, a dela. e havia também a minha; mas a dela era invejável no meu padrão onírico. ocupava um longo terreno e tinha os ambientes conjugados e ao mesmo tempo bem segmentados. tudo amplo, bonito, sofisticado, mas acolhedor. nessa casa tão bela aos meus olhos, ela tinha um quarto que me permitiu visitar. não era um quarto propriamente; era uma biblioteca/ateliê/estúdio/escritório (enquanto escrevo, a azia me consome), tinha um pé direito alto, estantes de livros dispostas no meio do espaço, inúmeros quadros e ilustrações e fotos de diversos tamanhos pelas paredes. no meio de tudo havia um cavalete e agora não me lembro o que ele apoiava, se havia nele um quadro ou não...

eu ficava maravilhada como todo o lugar exalava vida, ordem e cotidiano. parecia que ali dentro tudo fazia sentido. eu invejava a casa dela e sabia que na minha casa havia um espaço assim como o dela, mas o meu não estava tão bem acabado e presente como o dela; não tinha toda a história que o quarto dela tinha; o meu espaço era um rascunho, um devir, um vir a ser do espaço que já era o dela. mas sabe o que eu vejo? não estou falando dela; falo na verdade de mim, porque ela sou eu amanhã. ela é a minha aspiração. e eu vejo no quarto como quero estar depois, no futuro. no aconchego daquele quarto na minha casa, que também sou eu, tudo eu, sempre eu e sobre mim.

no fim do sonho, em algum momento aleatório, eu ia pra casa acompanhada de um pedreiro gato, um homenzarrão do tipo bruto sensível, com quem eu caminhava pela rua de braços dados, contemplando um céu cor-de-rosa alaranjado cujo sol se punha ao fundo em um cenário atribulado de movimento e de vida se dando por toda a parte, caótica. mas ali estávamos nós dois, tão entretidos um com a presença do outro. me senti amparada, segura. o que isso pode querer dizer? me diz aí, você que observa, que interpreta, que analisa. dorme de novo. sonha mais, joga pra fora o que deseja. deixa estar. sim, tô falando com você, Karla.

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