terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Sobre as coisas em que não acredito II

Depois de um tempo na onda católica, não sei por que razão, minha mãe resolveu apelar para o espiritismo. Ainda era algo meio concomitante; um pouco na igreja, na missa de domingo, fazendo uma novena e me obrigando a rezar o terço com ela de vez em quando (lembro até hoje do salve rainha) e, um pouco de palestra no centro espírita, um passe maroto, uma aguinha fluidificada.

Eu gostava do centro espírita e uma das primeiras razões para gostar de lá é que falavam sobre coisas mais palpáveis, como ser caridoso com o vizinho e saber perdoar, o que era bem diferente de ficar falando sobre os coríntios, filisteus e sei lá mais quem... no tempo em que galera só vivia à base de pão, vinho, linho e sandália no estilo gladiadora. Gostava muito, também, porque essa temática me mantinha acordada durante quase toda a palestra, ao contrário da missa que me dava um sono horroroso!

E daí que havia a temática da reencarnação que, para mim, na época, esclarecia muitos pontos que estavam obscuros e que insistiam em encontrar somente explicação divina - Deus quis, Deus escreve certo por linhas tortas, vontade de Deus, essa merda toda - para tudo de ruim que havia no mundo. Morreu cedo porque em outra vida fez coisas que o prejudicaram; nasceu deficiente porque sofreu um acidente em outra vida ou fez algo de ruim para alguém e agora está pagando nessa vida. Se encontrar alguém que não for com a cara é carma; qualquer problema de família é justificado como expiação e todas essas coisas. Okay, até que na minha cabeça de dez, doze, quatorze anos, aquilo fazia sentido e eu adorava o Chico Xavier (!!!), achava ele um cara incrível, ainda acho na verdade, e isso independente de qualquer fator religioso, porque fosse ele um médium de verdade ou não, a vida que teve, todo o trabalho social que ele fez, todas as pessoas a quem ajudou com os livros que escreveu... acho que o lance dele era a caridade de uma forma muito bonita, altruísta, humana, enfim, ele era uma figura admirável sem qualquer dúvida.

E também havia os romances espíritas que eu a-m-a-v-a!!! Lia vários e ficava naquela ilusão bonita que a religião nos proporciona... lia as histórias das gurias que eram uma fodidas nessa vida, mas que em vidas passadas foram nobres, ricas, lindas e maravilhosas, mas aí, dava um problema no carma delas e elas tinham que se lascar um pouco para compensar e poderem evoluir, sabe como é deus, né? O safadinho dava com uma mão e tirava com a outra, então eu acreditava que se a nossa vida não era muito boa, devia ser uma compensação de algo errado no passado ou que se estava muito difícil agora, em algum momento haveria uma retificação por parte de deus e tudo ficaria bem.

Não quero chegar aqui e só descer a lenha no espiritismo porque, apesar de não fazer mais sentido para mim, não tenho como negar que essa foi a religião a me mostrar o valor da caridade, do perdão, de fazer o bem sem olhar a quem, de saber que somos todos iguais, menos os negros, porque de acordo com o Alan Kardec os negros não são como nós, brancos privilegiados. Bom, quando descobri que ele pensava assim, e que isso estava escrito na porra dos livros que ele escreveu, mandei o Kardec se foder e decidi que, né? Não podia estar certo o negócio. De qualquer forma, lembro com veemência que, apesar desse senhor ter sido um eugenista imbecil, todos os espíritas que conheci ao longo da minha vida não propagavam esse tipo de imbecilidade, dando um mérito realmente positivo para a doutrina, a despeito de seu criador.

Ainda assim, essa descoberta só se deu quando eu já tinha uns vinte e poucos anos, de maneira que me desgostei da coisa, mas também não me sentia desamparada religiosamente. Estava passando por um período de questionamentos e somando às crenças que eu tinha na sorte, me considerava ainda uma pessoa bastante crédula e otimista em relação à vida, ao mundo, porque é isso que as crenças nos proporcionam, conforto, sensação de que em algum momento as coisas farão sentido, seremos recompensados por tudo e alguém vai nos salvar.

Eu queria que meu pai tivesse me salvado, mas adivinhem? Não, ele não veio; ao contrário, desistiu da vida e se matou e acho que depois da morte dele, durante algum tempo tive que acreditar muito que tudo ficaria bem, que as coisas se ajeitariam porque eu já estava sofrendo pra caralho, então uma hora tudo tinha que melhorar; pensava que meu pai estava sofrendo em algum umbral e que ficaria por lá durante muito tempo, até se arrepender (haha). Cheguei a acreditar que meu pai me assombrava porque fui a uma parapsicóloga que disse que ele estava "encostado" em mim mas, hoje, felizmente, penso diferente. Antes achava que ele tinha sido egoísta por se matar, mas hoje vejo que egoísta era eu por pensar que para não fazer os outros sofrerem, ele deveria enfiar toda a dor e vazio que ele sentia embaixo do tapete, e que deveria continuar vivendo para o deleite dos outros. Só consigo ver as coisas por esse prisma porque não acredito mais em nada, além do direito inalienável que ele e qualquer ser humano tem de ser autônomo em relação à sua vida; não fosse assim, estaria até agora achando que ele foi pro inferno porque só deus é quem tem o direito de-tirar-a-vida-de-alguém-porque-foi-ele-quem-nos-fez blá blá blá vá à merda!

Hoje eu acredito que ele é energia e está por aí, por toda a parte, sendo mais uma pecinha do universo, pertencendo ao todo, inclusive estando dentro de mim, já que sou parte dele também. Acredito na energia e nas vibrações que nós emanamos, no que transmitimos aos outros e confesso que a minha não vibra sempre na melhor das sintonias, mas até que me esforço para ser melhor todos os dias, por mim mesma, pelas pessoas que eu amo, mas nunca por deus, nunca esperando uma recompensa celestial, nem sentindo mais culpa e temendo uma punição; a natureza estabeleceu na prática a lei da ação e reação e ela funciona lindamente com o que supostamente Jesus teria dito: amai-vos uns aos outros como eu vos amei. A gente pode traduzir como: ame seu coleguinha (ação) e ele também te amará (reação); seja um pau no cu com seu coleguinha (ação) e ele também será com você (reação). É prático, didático, não exige nem céu, nem inferno e todo mundo pode tentar em casa sem grandes riscos!

Até gostaria muito de acreditar que a gente não morre, que só o que morre é o corpo, que nós permanecemos... seria um grande alívio para o meu coração porque às vezes me consumo pensando em como deve ser não existir... minha consciência só sabe o que é existir, ela não conhece o vazio, o zero, o nada e, olha, dá uma pira cogitar isso, então prefiro não meditar muito a respeito, mas também prefiro não me enganar com um deus imbecil. Se há uma força criadora, nunca que ela seria como nós, cagadores de tudo... e oni-porra-nenhuma; acho que seria uma força criei-agora-se-virem-aí, enfim.

Não acredito em horóscopo diário, mas acredito em mapa astral; o meu é incrível e fala de coisas íntimas e precisas a meu respeito que, talvez, possam ser exatamente iguais a de outras milhares de pessoas, mas me reservo o direito de acreditar nisso; já que não acredito na existência de um deus, deixem que eu me iluda com a influência dos planetas na minha vida! =P

Não acredito em fantasmas, mas acredito muito que a Regan do Exorcista possa aparecer por aí para avacalhar comigo, porque apesar de não acreditar no demônio, Pazuzu era considerado um demo-demorô nas antigas e esse filme é simplesmente o melhor filme de terror já feito em todos os tempos na história do mundo e, mesmo depois de saber as falas, de ter visto o making of e tê-lo assistido incontáveis vezes, é o único filme ao qual eu assisto de boa e depois fico semanas a fio vendo a cara daquela lazarenta no escuro antes de dormir. Desculpem, o medo é um bagulho irracional e a gente só sente.

Não acredito que tubarões possam se teletransportar para águas aleatórias como de piscinas e lagoas, mas acredito que, no escuro, eles possam aparecer (junto com a Regan) para avacalhar comigo e, assim a vida vai seguindo, cheia de convicções bizarras como essa minha ou como essa sua, de ter fé num deus que existe tanto quanto uma menina endemoniada montada em um tubarão e aparecendo no meio da noite no meu quarto para não me deixar dormir.