quarta-feira, 13 de julho de 2016

Sobre viver pelas beiradas

Eu nunca pensei em suicídio; não a sério. Bom, talvez tenha pensado quando era adolescente, naquela ânsia de querer tudo; mas depois de adulta, não. É até engraçado, porque já me imaginei morrendo de diversas maneiras, mas nenhuma delas era por minha própria obra. E no que mais penso em todas essas situações de visualizar a morte é o momento exato da passagem: o fechar os olhos pra existência; isso me assusta muito!

O gosto que tenho pelos temas suicídio/morte é em virtude de tentar entendê-los; tentar compreender o que leva alguém a isso, mas nunca seria capaz de descobrir completamente e, na verdade, nem interessa. O que interessa a mim é que tenho muito, muitíssimo medo da morte e, eis a razão: não acredito em deus. Não acredito em céu, inferno, paraíso, purgatório, reencarnação e nem nada. Daí que, não acreditando em nada disso, acredito muito é que esta é a única vida que tenho, a única oportunidade que possuo de viver e de fazer qualquer coisa que eu queira e que eu não queira também. Gostaria de acreditar que quando morremos, a nossa consciência permanece, vai pra algum lugar, um outro plano, queria que eu fosse pra sempre, mas o máximo que consigo é pensar que vou me decompor e voltarei a fazer parte de um todo maior, vou estar espalhada pelo universo, e enquanto alguém lembrar de mim, estarei viva.

Sempre que eu estava mal, sempre que rolava alguma merda na minha vida, eu ficava tristíssima, mas não pensava que a solução fosse a morte. Eu sempre queria dormir (porque dormir sempre foi, e ainda é, a minha fuga) e acordar sem os meus problemas. Queria dormir e acordar me sentindo melhor, feliz, disposta, de boa. Eu queria dormir, só isso. Nunca quis morrer; eu queria ficar bem; só queria ser capaz de aproveitar a minha vida da melhor forma que eu acho possível. E olha, nem é algo de outro mundo, o que não quer dizer que seja fácil, mas são coisas que dependem exclusivamente de mim. Sabe aquela coisa de tarefa diária? A vida é uma porra de uma tarefa diária. Ela é safada!

Na minha vida perfeita, eu teria total controle das minhas emoções, seria equilibrada, serena, leria muitos livrinhos, faria meditação, estaria bem com todas as pessoas que me rodeiam e viajaria de vez em quando. É singelinho, né? Na minha vida perfeita, eu me conheceria profundamente e não deixaria que nada, nem ninguém - inclusive eu mesma -, me tirasse a sensatez.

Tem coisas que são muitos fáceis pra mim e muito difíceis pra você, e vice-versa. Okay. Sendo assim, a gente tem que SEMPRE estar exercitando as nossas debilidades, as nossas falhas. Em algum momento, se a gente tiver bastante paciência, a coisa depois de tanto pegar no tranco, pode virar automática, sabe? Eu não cheguei ainda nesse patamar...

Ninguém é totalmente fodido cem por cento do tempo. Eu gosto muito dos preceitos budistas. Acho que eles trazem a gente pro aqui e agora. Dão uma chacoalhada na gente. Não sou seguidora, mas deveria, de fato, levar à risca algumas coisas e uma delas, talvez a mais importante pra mim nesses tempos, seja a consciência da impermanência. A gente não dura pra sempre; nada dura pra sempre, e isso quer dizer que nem a nossa dor e o nosso sofrimento são eternos.

Viver é muito punk, mas também é muito bom, porque depois que uma dor qualquer passa ou diminui, na maioria das vezes é que a gente percebe que não deveria ter se afetado tanto com aquilo. É claro que há dores e dores, mas eu acredito muito que as coisas passam, mesmo que nos momentos de desespero a gente tenha a impressão de que aquilo vai ser pra sempre, não vai; nada é. Quando a gente termina com um namorado filho-da-puta, por exemplo? Na hora é aquele sofrimento, a dor, o fundo poço; depois que passa um tempo, a gente vê que rolou mesmo foi uma limpa na nossa vida! Claro que quando a gente perde alguém muito querido, a dor nunca vai embora, mas quem sabe não é o caso de mudar a perspectiva um pouco, e pensar que foi um privilégio poder conviver com aquela pessoa por x tempo? Claro, isso depois de curtir bem o luto, o que é muito importante. Botar pra fora mesmo, chorar, se descabelar, ficar com raiva, com culpa, com tudo o que tem direito, porque a morte é uma coisa doida que deixa a gente sem saber como agir mesmo.

Estou escrevendo isso aqui porque escrever o texto sobre o meu pai e sobre a minha própria depressão, fez com que eu recebesse diversas mensagens e eu vi, na verdade só comprovei o que eu já sabia, que é: todo mundo sofre, por mais que pareça que vivamos felizes o tempo todo no Facebook, todos nós sofremos perdas, temos ataques, nos frustramos, nos medicamos, nos sentimos sozinhos; todos temos problemas. Eu não julgo o meu pai pela escolha que ele fez, mas se eu soubesse, na época, da situação dele, eu teria feito todo o possível pra que ele pudesse enxergar que a vida vale a pena. Sinto muita falta dele aqui, hoje. Gostaria muito de tê-lo conhecido melhor, de poder ter dito a ele que eu o amava e que eu entendia a sua doença; mas eu nunca pude.

Esse buraco que a morte dele deixou em mim, é um buraco que eu não gostaria de deixar na vida da minha filha, porque eu sei o quanto de dúvidas e inseguranças isso poderia trazer a ela. Eu sei o quanto a morte por si só nos abala, mais ainda quando se trata de um suicídio. Pensando nela, eu procuro pensar mais em mim, e me tratar melhor, me cuidar, porque a única coisa que posso deixar a ela, além da educação e dos valores blá blá blá é que ela tenha em mente que viver é uma luta, que nem sempre a gente está bem, que a felicidade são realmente alguns momentos no meio de tantos outros, mas que nem por isso a gente deve desistir.

A questão é: se você tem um diagnóstico, busque ajuda médica, faça terapia, tome seus remédios, não desista do tratamento. Procure sempre alguém pra conversar, isso pode fazer uma diferença enorme. Se você tem um crença que te traz conforto e paz, agarre-se nela. Reze, medite, faça a sua parte. Quando a gente tá na merda, a cabeça fica confusa, cheia de cocô. Às vezes, a gente só precisa ser ouvido e ter a sensação de que a gente importa, de que a gente faz alguma diferença, e a gente faz.
Eu sempre digo que sou habitada por vários eus, recomendo a leitura de um texto que escrevi chamado Legião. Nele, dou voz a dois desses eus: o Torpe e o Razoável. O Torpe é aquele espírito-de-porco que não quer nada com nada; funciona na lei do menor esforço e tá sempre pronto pra me levar pro buraco. O Razoável é como o nome já diz; ele tenta me mostrar o lado certo e bom das coisas; me coloca pra cima e diz que eu sou capaz.

Nos momentos ruins, o Torpe tá sempre lá me avacalhando e berrando muito mais alto do que qualquer outra parte de mim. Minhas outras criaturas ficam quietinhas, de cabeça baixa, concordando com o que o escrotão diz. Quem fica mal com isso? Eu, Karla. Mas percebo também que quando meus lados mais racionais conseguem se impor, me sinto melhor, capaz, viva! É como se o Torpe tivesse saído pra comprar cigarros e não fosse voltar mais. É ótimo! Mas, é algo que eu preciso trabalhar todos os dias. Preciso continuamente regar a minha vontade, a minha força, a minha potência de existir.

No fim das contas, acho que dá certo. Compensa a gente sofrer, porque quando a gente é capaz de olhar o sofrimento de fora, a gente percebe que está vivendo de verdade, que está dando a cara a tapa; que está lutando pra viver. Não quero viver pelas beiradas da vida, quero me enfiar nela com tudo o que tenho direito. Quero ter a certeza de que quando a minha hora chegar, eu terei feito tudo o que pude pra fazê-la valer a pena.