tag:blogger.com,1999:blog-65496447306850723322024-03-05T09:47:35.761-03:00Sem desculpasKarla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.comBlogger186125tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-58340436522171234532023-12-01T21:32:00.001-03:002023-12-01T21:33:56.676-03:00sobre o peso do contraditório<p>Eu não sei dizer exatamente o que me levou para aquele peso;
provavelmente não se tratou de um único fato, acho que foi uma somatória de
coisas que envolviam uma mãe muito jovem, mudanças repentinas na vida, um
namoro que trazia sensação de conforto, muita comida, pouco movimento, novos
traumas sendo causados e antigos traumas sendo revirados, uma graduação e o
cuidado com uma filha pequena. Nessa época, eu não trabalhava; não precisava
trabalhar e mesmo assim, me sentia consumida, mas só entendi isso recentemente.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Para além de todos esses fatos, hoje, encontro uma
explicação que faz sentido para mim. Durante todo o período em que a Ana mamou
em meu peito – eu não me dava conta na época –, ela era totalmente minha,
totalmente dependente dos meus cuidados. Eu era como uma deusa, lembra? Apesar do
cansaço, apesar de viver desgrenhada, apesar de achar meu corpo horroroso,
apesar de não me reconhecer, apesar de não ter tempo, apesar de tudo tudo tudo,
eu tinha ali um pequeno ser gerado por mim, crescido de mim, nutrido por mim e
isso é muito poderoso. Enquanto ela mamava, eu estava só um pouco acima do
peso, uns quatro quilos, nada demais. Depois que a amamentação cessou e que eu
passei a ser a mãe de uma bebê que comia comida, que não se alimentava mais de
mim, acho que – inconscientemente – comecei a comer mais para tentar suprir o
vazio de não ser mais a deusa, a fonte de nutrição. Eu comia na tentativa de preencher
novamente o ventre flácido, de dar a ele forma, de fazê-lo crescer outra vez,
para me dar a sensação de que eu estava grávida, plena, recheada com uma vida
que dependesse de mim de novo. E assim, comendo comida, retomei o peso do final
da gravidez, ainda com um acréscimo. Eu não estava gestando um novo bebê; eu
estava preenchida de gordura e cocô, comendo todas as minhas angústias e as ambivalências
que me faziam sentir muito foda, sem saber, e de ter toda a ciência de que me
sentia um lixo.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Talvez todo o excesso de peso tenha sido a forma que meu
corpo encontrou de enganar meu inconsciente para que ele ainda acreditasse que
era tão incrível quanto no período em que gestou e nutriu e teve a maior
sensação de potência que poderia ter em qualquer tempo da vida. A questão é que
eu não pensava nisso naquele momento; eu não pensava em nada. Eu só era
arrastada pelas demandas todas da minha existência, que iam me levando sem que
eu soubesse para onde estava indo ou por onde passaria.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Na maior parte do tempo, não me percebia maior, mas quando
tirava fotos, me via enorme, disforme, envelhecida; não sabia quem era aquela
pessoa, me sentia um fracasso. Meus humores se alternavam entre me achar gorda
e achar que precisava emagrecer, e a certeza de que emagrecer seria impossível
e, então, aliviava a angústia com mais comida gostosa, compensando os anos de
moedas contadas. Durante todo esse período houve momentos em que fiz dietas
malucas, restritas, mas que duravam pouco, e outros em que eu só comia. Nunca comi
compulsivamente, mas me alimentava muito mal, me nutria pouco e quase nunca me
movimentava. O ciclo era retroalimentado diariamente: comida, culpa, inércia, ansiedade,
comida...<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Não quero que isso seja uma ode a nada, mas eu estava gorda
e infeliz e sequer me dava conta de como me sentia de verdade; só ia levando. Não
quero também que a maternidade seja a protagonista do que escrevo. Quero escrever
acerca do que gerar fez comigo, com meu corpo, e como me afetou em relação a
quem eu era antes de engravidar e depois de ter me tornado mãe. Como eu me
enxergava antes e como essa compreensão foi sendo revista, editada e elaborada
ao longo de todos esses anos.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">A onda de feminismo e de aceitação do corpo foi um evento
bem mais recente na minha vida, coisa de sei lá, dez anos para cá, e foi um dos
motivos mais importantes para que eu pudesse me enxergar em outras mulheres
comuns, para que conseguisse ver beleza nelas e daí percebesse que eu também era
bonita. Sentia-me segura. Não tinha vergonha do meu corpo, mas não me sentia
confortável nele. A princípio, eu o via, mas não me via nele; mais tarde, eu me
reconheci tanto naquele corpo que me habituei a ele, a ponto de aceitá-lo, em
termos.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">O feminismo me ajudou muito com isso, mas nem ele foi capaz
de me salvar das arapucas do patriarcado. Me relacionei com muitas pessoas e
até me casei, assim, de papel passado, com um homem que quis ficar comigo, que
me escolheu – em uma fase na qual eu ainda tinha o sonho dourado do casamento e
de todas as idiotices que os filmes americanos e as novelas nos fazem
acreditar. Pensei que não poderia abrir mão da proposta porque aquilo era uma
oportunidade (!), uma chance de mostrar para o mundo e para mim mesma que eu era
digna de ser amada, apesar de gorda e com a barriga feia (sempre carregando o
peso daquela barriga comigo). Conseguem perceber aqui as ambivalências?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">O casamento não deu certo por inúmeras razões e se
transformou em outra coisa: família por escolha – a relação de amizade é muito mais
feliz. Fato é que depois do matrimônio, voltei a me relacionar com homens com
os quais me sentia ainda mais livre. Eu transava com a luz acesa, usava biquínis
de fio-dental, tomava banhos de mar pelada. Eu não me importava com o que
pensavam de mim; se me tomariam como uma mulher sem noção do ridículo ou se
fariam qualquer outro juízo parecido. A sensação era ótima, tanto que escrevi a
respeito e postei uma foto minha pelada aqui -> <a href="https://karlakoerich.blogspot.com/2020/11/sobre-o-corpo.html" target="_blank">sobre o corpo</a> e era genuína a maneira que me sentia naquele momento, mas ela continuou se
modificando.<o:p></o:p></p>
<div style="border-bottom: solid windowtext 1.0pt; border: none; mso-border-bottom-alt: solid windowtext .75pt; mso-element: para-border-div; padding: 0cm 0cm 1pt;">
<p class="MsoNormal" style="border: none; mso-border-bottom-alt: solid windowtext .75pt; mso-padding-alt: 0cm 0cm 1.0pt 0cm; padding: 0cm;">Retomando a linha do tempo, dos
meus dezenove anos para o ano da foto que acabei de mencionar, passaram-se
dezessete, a idade da filha adolescente, que queria se distanciar de mim a todo
custo para que pudesse se ver sem que eu fosse uma sombra de projeções sobre
ela. Eu era a mãe culpada – como todas as outras –, que tinha receio de ser
rejeitada pela filha, que deixava limites serem extrapolados por medo e que
depois tentava recolocá-los de maneira tirânica. Era a mãe onerada, descompensada,
perdida, que se via em fim de linha quanto ao que fazer, como agir, como ser
mãe? Como não errar? Como acertar sempre? Como não traumatizar? Como eu poderia
querer tanto em relação ao segundo eu que, finalmente, eu havia entendido, pela
dor, que era um outro? De vontade independente e diversa. Eu mal sabia de mim,
juro. Nesse ínterim, nós duas, juntas e mesmo separadas, éramos uma grande amálgama
de angústias, desejos, frustrações e ânsias.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="border: none; mso-border-bottom-alt: solid windowtext .75pt; mso-padding-alt: 0cm 0cm 1.0pt 0cm; padding: 0cm;"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="border: none; mso-border-bottom-alt: solid windowtext .75pt; mso-padding-alt: 0cm 0cm 1.0pt 0cm; padding: 0cm;">(continua...)<o:p></o:p></p>
</div>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-41123272938890081932023-11-29T12:56:00.000-03:002023-11-29T12:56:04.123-03:00sobre o leite, o peito e a barriga<p> Depois do parto, percebi que a vida seria cada vez mais
ambivalente. Ao mesmo tempo em que me sentia felicíssima por ver minha filha se
desenvolvendo bem, via a mim mesma abandonada; me abandonei por resignação de
perceber que nunca mais seria a mesma, por falta de tempo até para lavar os
cabelos. Me deixei porque a dedicação tinha que ser a ela; eu tinha medo de ir
ao banheiro e de voltar e ela ter morrido, caído, quebrado. Cortei meus cabelos
para ter mais tempo. Em mim, só notava os absorventes de seios encharcados e o
cheiro de leite azedo. Amamentando, eu logo perdi os quase vinte quilos que
havia engordado na gravidez.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Parei de amamentar a Ana quando ela tinha um ano e meio. Aos
seis meses houve a introdução alimentar e, depois disso, ao longo do tempo a
alimentação foi substituindo meu leite. Meu peito era feito de chupeta, usado na
hora da manha, assim como foi usado como cala-boca de neném inúmeras vezes em
qualquer lugar que estivéssemos. Bebê começa a chorar, mete o peito na boca.
Era o calmante, já que ela não usou chupeta de plástico. Eu era a chupeta dela.
Quando pequena, sempre dormíamos juntas, eu dando o peito a ela até que caísse
no sono, isso quando eu não desfalecia junto. Para mim, amamentar foi um grande
prazer, mas os seios que antes precisavam ser intercalados para que um não
ficasse mais cheio e dolorido do que o outro, começaram a não se encher mais de
leite como antes. Estavam sendo deixados de lado aos poucos.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Então, conheci meu primeiro namorado pós-maternidade e
queria poder restituir algo de mim que não tivesse a ver com ser mãe, com ser a
mãe que usa sutiã de amamentação e que tem sempre uma golfada de vômito seco na
roupa. Fui ao médico e disse que queria parar de amamentar, já era hora. Tomei
um remédio que secou o restante de leite que eu produzia. Naquela época, as
minhas condições financeiras começaram a ficar melhores e eu comecei a usar um
carro como meio de transporte. Minha locomoção antes se dava a pé ou de ônibus.
Não sei se em função dessa mudança, que tornou minha vida ainda mais sedentária
– já que eu não praticava nenhum tipo de atividade física e que isso nunca
havia sido um hábito em minha vida – paulatinamente, comecei a ganhar peso.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Quando a Ana tinha cerca de quatro ou cinco anos, eu estava
pesando mais ou menos o quanto pesei no final da minha gestação. Algum tempo
depois, o peso ultrapassava o final da gravidez, ou seja, não havia mais um
bebê dentro de mim; eu não estava grávida, mas estava ainda maior do que quando
havia. Esse ganho de peso não foi prontamente notado porque eu ainda estava
abandonada por mim. Durante o transcorrer dos anos, fui me acostumando, a
contragosto, ao que tinha se tornado meu corpo, sem perceber que ele estava
crescendo. O fato de conseguir me relacionar afetivamente de novo fez com que
isso passasse batido. Sabe o casal que quando se conhece está magro e depois
engordam juntos? Foi isso que aconteceu comigo.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">A relação mascarou o fato de que todas as vezes que eu
olhava para o meu ventre mole, flácido e cheio de estrias, pensava estar “arruinada
para sempre”; tinha vontade de chorar, sentia uma tristeza profunda, mas
tentava dizer a mim mesma: “sua barriga foi a casa da Ana, sua filha que você
tanto ama”. Sim, mas eu também amava a minha barriga de antes e o fato dela ter
sido casa da minha filha, não diminuía o sentimento de “puta que pariu, nunca
mais serei a mesma” que eu sentia todas as vezes que me via no espelho.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Ainda assim, ter um namorado após a maternidade foi
importante para me validar novamente como mulher porque eu, com vinte e um anos,
era uma menina com um bebê de quase dois e uma barriga feia. Quem seria o cara
de mesma idade que namoraria uma mãe e que ainda tivesse a minha barriga
horrenda? – sim, eu pensava isso, então, quando surgiu uma pessoa que conseguia
me ver inteiramente, para além do meu corpo e do meu segundo eu, pude me sentir
desejada e foi quando, pela primeira vez, depois de tanto tempo, voltei a me
sentir bonita.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>(continua...) <o:p></o:p></p>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-86890339958274678622023-11-27T21:55:00.002-03:002023-11-30T07:30:47.685-03:00sobre parir, nascer e morrer para nascer de novo<p>Quando eu engravidei, tinha só dezoito anos. Naquela época
os hormônios estavam borbulhando e eu ainda não tinha consciência de que todo o
amor que buscava não viria tendo o sexo como uma moeda de troca. Eram muitas as
variáveis: os hormônios, a falta de amor, a busca desesperada e inconsciente
por afeto, aceitação; mas não é sobre essa busca que quero escrever neste
momento.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Hoje quero escrever sobre como pari um bebê e sobre como
pari a mim mesma depois de vinte anos. Durante a gestação, enquanto meu corpo
produzia um ser inteirinho dentro do meu útero, eu o vi se modificar de uma
forma incontrolável. Quando minhas primeiras estrias apareceram, ainda aos onze
anos nos quadris, isso foi atribuído ao estirão de crescimento da idade, porque
cresci em altura, mas era muito esguia.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">As estrias se espalharam, ao longo dos anos, pelos seios,
nádegas, coxas; por todas as partes que poderiam ser objetificadas por um homem
e que eu cresci ouvindo que contavam negativamente nos quesitos de beleza
feminina. Havia muitas estrias, como se a minha pele fosse uma lagoa calma e
transparente refletindo a luz solar em um pequeno balanço de suas águas. Elas
estavam ali, eu as via igualmente na minha mãe; meu corpo era igual ao dela. Tínhamos
as mesmas formas e eu não a achava bonita; não me achava bonita. Ouvia as
pessoas a elogiarem e então conseguia ver beleza nela e daí em mim.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">De volta à gravidez, quando a barriga começou a ficar mais
evidente, lá pelos seis meses apareceu a primeira estria, assim, sozinha, na
região inferior da barriga. Me lembro de ter chorado muito porque sabia que ela
não seria a única; sabia que a única parte desejável e intacta do meu corpo
seria maculada pela maternidade antes mesmo que ela começasse de fato. Chorei do
mesmo modo que chorei quando menstruei pela primeira vez; porque sentiria dores
todos os meses, porque precisaria usar um absorvente estranho entre as pernas,
porque meu crescimento seria mais lento dali em diante, porque eu poderia
engravidar caso transasse sem prevenção, porque, enfim, havia me tornado uma “mocinha”,
uma mulher.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Esse primeiro luto vivi entre absorventes ensanguentados e
cólicas; entre seios inchados e doloridos e oscilações de humor. O luto de
deixar de ser uma menina para, literalmente, de um dia para o outro, precisar
me acostumar com uma nova realidade que se impunha sem pedir qualquer licença e
sem que eu tivesse qualquer escolha de poder negá-la. Era isso.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Do mesmo modo, uma vez que o bebê estivesse dentro da
barriga e pronto para nascer, isso se daria de qualquer jeito. No prazo x, em
que a gestação dura 285 semanas, o que equivale a 26 meses – sim, eu sei que
não é isso, mas também não são nove meses –, a criança tem que sair. A Ana saiu
de mim de maneira diferente da que imaginei, por razões que eu nunca desejei
ter que passar, mas mais uma vez, isso se deu à revelia do meu controle, contrariamente
aos meus planos infantis de maternidade ideal.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Ela nasceu por uma cesariana. Minha barriga já estava
completamente arruinada pelas estrias, mas naquele momento, depois das lágrimas
derramadas pelo aparecimento da primeira, as demais não pareciam tão
importantes. Eu estava preocupada em não morrer; eu tinha certeza de que
morreria. Nunca tinha feito uma cirurgia na vida e, de repente, na última consulta
com o obstetra, fico sabendo que teria que fazer uma cesariana no outro dia.
Assim, sem qualquer preparo emocional, como seria se a minha bolsa tivesse
rompido a qualquer tempo, mas teria sido por vontade da Ana, pelo tempo certo
de nascer, pela vontade dela que ela sequer sabia que tinha; teria sido pelo
meu corpo avisando que funciona perfeitamente e que a encomenda estava pronta
para ser entregue. Mas não foi.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Ela veio. Mas antes dela chegar, já falei que achei que ia
morrer? Estava tão nervosa que sequer senti a agulha enorme da anestesia
entrando nas minhas costas. Logo estava deitada na maca estreita enquanto não
sentia qualquer dor, mas sentia que mexiam na minha barriga. Eu olhava praquela
luz branca que vinha do teto. Ela refletia a minha barriga aberta, mostrando
tudo o que o lençol azul na minha frente me impedia de ver. Olhei para outra
direção e sentia como se o médico estivesse sentado sobre o meu peito. Não tinha
forças para puxar o ar e encher os pulmões. Me queixei à equipe, disse que não
conseguia respirar. Colocaram uma máscara de oxigênio sobre meu rosto. Me senti
ligeiramente menos pior. Os médicos estavam ouvindo rádio, a narração do que parecia
ser um jogo de futebol. Eu nem gosto de futebol; eu não queria que meu parto
parecesse a coisa mais corriqueira da vida como pareceu a eles; mais um parto. Era
o meu parto, mas ali, com dezenove anos, não tive qualquer ingerência sobre ele,
sobre nada.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">A única coisa sobre a qual pude opinar naquele momento foi
sobre a beleza de um ser que acabara de ser parido. Quando retiraram a Ana de
dentro de mim e a trouxeram para perto do meu rosto para que eu a visse, disse:
“como ela é feia”. Eu disse a uma neonata coberta de sebo e sangue que ela era
feia, tamanha a minha sordidez materna.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Quando me levaram para o quarto, fui orientada a não falar
porque falar me daria gases; algo a ver com a anestesia. A vulnerabilidade
começou por sequer conseguir me levantar da cama para ir ao banheiro. A enfermeira
deixou no quarto uma “comadre”, um penico de aço inoxidável, que gelado no
contato com a pele, me lembrou mais uma vez de que eu não tinha escolha. A
anestesia passaria e eu sentiria dor. Eu sentiria dor e não poderia me
recuperar dela descansando. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Eu havia acabado de passar por um processo de mitose e não
era mais uma só; agora eu era duas e o buraco por onde saiu a segunda era
grande, profundo e doía; mesmo assim, eu tinha que cuidar da segunda eu, da que
saiu de mim, porque sem mim, ela sucumbiria. Às vezes é nessa hora que nasce a
mãe porque ela enfia a sua dor física do corte de sete camadas de pele no cu
pra começar o intensivo da maternidade em tempo real, com o segundo eu se esgoelando
de fome porque é assim que é. A vida já nasce demandando porque se não demanda,
morre.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Mas antes que começasse a chorar, ela estava calma. Foi assim
que chegou no quarto. Estava limpa e vestida; tinha luvinhas nas mãos para
proteger o rostinho das unhas afiadas e finas que tinha e que já haviam deixado
inofensivos riscos naquela pelinha. Eu pude olhá-la com tranquilidade e me
apaixonei imediatamente. Os hormônios fizeram o seu papel. Eu a achei linda! Fiquei
embasbacada com a beleza dela; fiquei orgulhosa de mim mesma por ter feito uma
filha bonita. Ela ainda estava amassada da viagem, ainda tinha “cara de joelho”,
mas era o joelho que meu corpo havia produzido sem que eu tivesse qualquer
controle sobre qual seria o seu grau de perfeição; e ela era perfeita.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Nos primeiros dias, andava curvada e o plano de manter o
bebê no berço sempre que possível, logo passou para “ela vai dormir comigo na
cama de solteiro porque dói demais levantar cinco vezes por madrugada”. Logo
eu, que sempre tive o sono tão pesado, neurei com a possibilidade de dormir e
esmagar minha filha durante a noite. O sono ficou leve, atento, vigilante.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Com mais de um mês do parto, minha barriga ainda parecia
carregar um bebê dentro dela. Era o corpo se reacomodando. Ventre inchado e
murcho ao mesmo tempo. Não tão pleno quanto aos nove meses, não tão plano
quanto antes da gestação. Olhava para o espelho e não me reconhecia. Não era a
Karla de antes da gravidez, tampouco a Karla grávida; era uma terceira: a Karla
mãe recém-formada; mãe recém-nascida, saída da maternidade junto com o neném,
com o segundo eu. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Depois da aflição com as mudanças na barriga que não me
levariam a nenhum lugar visto que eram uma realidade imutável impressa no meu
corpo, passei a notar mais meus seios que se tornaram fonte de alimento e
saciedade do meu neném. Sempre tive os seios fartos, que produzindo leite
ficaram ainda mais volumosos, com veias azuis protuberantes, mamilos mais
escuros e maiores. Eu já tinha nutrido meu segundo eu dentro de mim, enquanto
ainda éramos duas em uma. Agora meu corpo produzia alimento para fora, para garantir
a existência do que já não fazia mais parte de mim, mas ainda era eu por
extensão.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Ana mamava como um pequeno bezerro e gozava de satisfação
revirando os olhinhos até desfalecer em meu braço. Eu gozava de satisfação de
alimentar minha filha de mim. De ver que o humano sustenta a si mesmo de si
mesmo; que eu a alimentava e me retroalimentava. Eu não sabia então, mas agora
sei que me sentia invencível, me sentia como deus. Criando a vida e sendo capaz
de sustentá-la. Apaixonada pela própria criação.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Minha libido se voltou inteira para mim fora de mim. Não me
preocupei mais comigo. Era ela o foco. Eu era a mãe com a barriga meio murcha e
cheia de estrias, a terceira versão de mim mesma, e ainda tinha só dezenove
anos.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal">(Continua...)<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-9868876126845699852023-09-07T19:42:00.003-03:002023-09-07T19:42:57.393-03:00Sobre o Marte<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgKatQ2u0Qhf_XqZma6vENVouP2nnna8WyTFMK1sIpWnBIDQWCTB81bbqDq4jNXzW6i3NeV5EmRXeVZlg3idoEiHdd0EiBmDkvTfRQ-aH54fht6f7_kYzL1tJNqkDQNesyMOtDOCvlS53kdtR-3s9iY1CK9NxqW9pISyjsK-kqHhm1fTVrcWdmSCn3nlg/s4032/20200723_085921-EDIT.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="4032" data-original-width="3024" height="480" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgKatQ2u0Qhf_XqZma6vENVouP2nnna8WyTFMK1sIpWnBIDQWCTB81bbqDq4jNXzW6i3NeV5EmRXeVZlg3idoEiHdd0EiBmDkvTfRQ-aH54fht6f7_kYzL1tJNqkDQNesyMOtDOCvlS53kdtR-3s9iY1CK9NxqW9pISyjsK-kqHhm1fTVrcWdmSCn3nlg/w361-h480/20200723_085921-EDIT.jpg" width="361" /></a></div><br />Foi ontem e ontem eu estava sentindo tantas coisas e vendo
tantas outras dentro da minha cabeça... cheguei a pensar em escrever, mas
rapidamente desisti da ideia porque, como sempre, faz tempo que não escrevo e
mesmo sabendo o tanto que você significa pra mim achei que não tivesse nada a
dizer. Achei que estava oca; mas deve ser porque estou já que você ocupava
tantos espaços na minha vida... como pode? Era só um gato, só que não. Era o
Marte. Preto, lindo, corpulento. Meu nego, meu príncipe. Ontem à tarde, achava
que via você pela casa, como uma sombrinha de amor.<p></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Foram 13 anos. O gato preto viveu por 13 anos; será que isso
quer dizer alguma coisa no mundo das superstições? Ele e a Marta são os animais
mais longevos que tive até aqui. Eles cresceram junto com a Ana e junto comigo
também porque naquela época eu tinha 26 anos e hoje tenho 39. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Pensar que não verei mais seus olhinhos semicerrados sobre a
minha cama, que não verei mais as suas patinhas fininhas que sustentavam seu
corpanzil macio desmunhecadas como se você fosse um urso fofo deitado no tapete
da sala tomando o sol da manhã. Pensar nisso me faz querer não pensar que você
existiu um dia. Pode parecer cruel, mas é só porque a dor está bem aqui no meio
da minha cara. Vai passar e eu vou lembrar de você com todo o amor que merece
ser lembrado.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">“nossa, que gatão!”, “nunca vi um gato grande assim!”, era assim
que se referiam a você. Cara de bravo, mas um doce. Era só não encostar na
barriga. Sabe que eu tive a prova de que a vida continua mesmo quando ela para,
no momento em que eu falava de você pra Thaís, aqui em casa. Falei sobre
esperar até o final de semana pra ver como você reagiria, mas enquanto eu
nutria alguma esperança sobre a sua volta, a veterinária tentava me ligar pra
avisar que você tinha morrido.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Sim, você morreu. Ela disse que veio a óbito, mas acho essa
expressão horrível. Técnica, de necrotério. Também não gosto de “faleceu”;
parece que não exprime a morte na totalidade, no sentido finito que a palavra
traz. Eu acho que a morte não deve ser suavizada na sua expressão porque ela
não pode ser diferente do que é, infelizmente. Como não há retorno, quando ouvi
a notícia no telefone imediatamente voltei a chorar porque já tinha passado o
dia todo chorando por sua causa e a minha análise foi inteiramente dedicada a
você algumas horas antes, quando a torneira se manteve aberta por quase uma
hora inteira.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Como estava me esvaindo em lágrimas e calçando o tênis pra
te encontrar, tua tia me abraçou tão forte que eu senti que se ela pudesse,
tiraria de mim a dor e o sofrimento com a notícia. Senti meu corpo apertado,
mas não adiantava. Pegamos trânsito por causa da véspera do feriado. Chegamos e
a veterinária demorou uns minutos para aparecer e quando apareceu, queria
decerto me dar alguma explicação, mas eu só queria ver meu filho. Nada do que
ela falasse faria qualquer diferença, então só queria vê-lo.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Quando te trouxeram embrulhadinho em uma cobertinha branca,
que nem um neném, na hora me lembrei do ditado que se espalhou nas redes
sociais que diz que “se fosse pra não pegar gato no colo, deus não os teria
feito do tamanho de bebês” e eu peguei o meu bebê velho no colo pela última
vez. Já dava pra sentir que era disforme, que estava frio, mais pesado, todo
molinho como se não houvesse nem um osso no corpinho, nada que segurasse sua
cabecinha nem que tivesse força pra fechar seus olhos amarelos. Era você, mas
você já tinha ido embora.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Na hora do almoço fiquei com você no meu colo por vinte
minutos, enquanto se mantinha imóvel, dopado de remédios para dor, com as
patinhas frias escondidas na minha mão direita e a cabecinha recostada no meu
braço esquerdo. Você não ronronou, mas a energia que dá vida ao corpo ainda
fazia parecer que tinha ossos e músculos por debaixo da pelagem já toda
avacalhada; a lateral do corpinho e as duas patinhas dianteiras raspadas pra
facilitar a aplicação dos remédios, do soro. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Eu não queria que você morresse sozinho no hospital, mas não
pude evitar que esse fosse o seu fim e, por isso, peço perdão porque deve ser
muito triste morrer sozinho em um hospital, mesmo pra um bichinho. Eu falhei
com você, meu filho, mas ainda tentei dar alguma mostra de respeito por sua
passagem tão maravilhosa por essa merda de mundo que, certamente, foi um pouco
melhor porque você existiu.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Trouxe você pra casa. Queria que seus irmãos pudessem se
despedir de você. Que pudessem sentir seu cheirinho por baixo do odor de
hospital. Que pudessem sentir que você voltou, mas que já não estava mais aqui.
Eles têm a lógica deles que certamente não condiz nada com a lógica que eu
criei humanizando todos eles, humanizando seu corpinho como se houvesse algum
tipo de consciência e que eu pudesse saber o que você estava pensando mesmo
depois de não existir mais.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Eu tirei fotos de você dentro da caixa em que veio porque
quero criar novas tradições que são muito velhas. As pessoas faziam isso até o
início do século XX, quando em algum ponto desses cem anos decidiram tirar a
morte de casa e nos afastar dela. Você morreu no hospital, mas voltou pra casa
porque é a sua casa o último lugar em que você vai estar – mesmo não sendo,
porque o último lugar é a geladeira do crematório para depois ir ao forno do
crematório e virar cinzas. As cinzas serão trazidas para casa, então aqui
realmente será a última parada.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Veja, você vai morar em uma vitrine de medicamentos junto
com seus outros irmãos, Raquete e Pretinha. Acho que não posso continuar
colocando cacarecos lá dentro porque em algum momento haverá mais urnas lá. Até
a minha, receio.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Tirei fotos, coloquei sobra a sua pancinha flácida uma
florzinha que a Thaís trouxe pra mim; foi muito propícia e significativa. Ontem,
até rezei pra São Francisco de Assis mesmo sendo ateia; achei que mal não
faria. Uma das partes da oração dizia sobre “ajudar a nossa batalha, eliminando
as enfermidades e o sofrimento deste animal”. Parece que a oração fez efeito
porque você não está mais sofrendo.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Eu senti seu cheirinho no meu quarto o dia todo e estou
tentando me distrair pra não pensar que agora você só existe aqui dentro, mas
vai continuar existindo enquanto eu me lembrar e eu nunca vou me esquecer.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Quando a gatinha do namorado da Ana e dela morreu, eles
ficaram muitíssimo tristes e eu disse a ela que os bichinhos não vivem tanto
quanto nós porque, se vivessem, não teríamos a chance de ter tantos deles. O
raciocínio é que depois que um bichinho morre a gente abre vaga para que outro
entre em nossa vida; só que isso não é uma substituição do animalzinho
anterior, é a escala de amor aumentando desde que o primeiro deles entrou na
nossa vida. É uma oportunidade de experimentar o amor incondicional de um animalzinho
e, pensando só no amor, esquecemos de que eles terão uma vida mais curta do que
a nossa e de que nossos corações serão quebrados em mil pedaços quando a hora
chega, mas que depois tudo será colado de novo, com amor e pelos no meio das
rachaduras, assim que um novo gatinho adentra as nossas vidas.<o:p></o:p></p>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-52029387658109864572023-05-01T20:23:00.001-03:002023-05-03T15:31:35.453-03:00sobre o trabalho <p></p><p><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">a melhor forma de começar é
dizendo que não gosto de trabalhar. não gosto de ser obrigada a cumprir uma
função em troca de ter dinheiro para poder manter a minha vida. não acho que o
trabalho enobrece ou dignifica ninguém; não acho que o trabalho liberta; não
acho que o que me falta é encontrar algo que eu ame fazer para que, então, eu
ame o meu trabalho.<o:p></o:p></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-width: 0px; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; orphans: 2; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-decoration-thickness: initial; widows: 2; word-spacing: 0px;"><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">a gente nasce dentro de um
sistema econômico que tomamos de maneira naturalizada e que, junto de preceitos
religiosos, nos fazem acreditar que é normal e esperado que gastemos metade das
nossas vidas trabalhando para poder ter uma existência minimamente digna. veja,
estou falando isso do alto do meu emprego como servidora pública, estável, que
recebe um salário razoável frente a, sei lá, 80% da população brasileira. do
conforto da minha casa, fazendo, às vezes, mais do que três refeições diárias,
tendo acesso à análise e a um plano de saúde, morando a menos de dois
quilômetros do lugar em que trabalho, eu digo que não gosto de trabalhar.<o:p></o:p></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-width: 0px; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; orphans: 2; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-decoration-thickness: initial; widows: 2; word-spacing: 0px;"><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">eu vou, faço o que tem de ser
feito, cumpro minhas funções, atendo às minhas demandas, recebo meu salário por
isso e não espero ter nenhum tipo de realização profissional porque eu não
gosto de trabalhar. meu trabalho é apenas o meio pelo qual eu posso manter a
minha vida para fazer as coisas que eu quero fazer, o que inclui pouca coisa,
como dormir, me alienar nas redes sociais, assistir um filme ou uma série ou
fazer absolutamente nada. eu gosto de fazer nada, eu gosto de não ter
compromissos, obrigações, atividades programadas. eu gosto de fazer nada e não
gosto de trabalhar.<o:p></o:p></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-width: 0px; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; orphans: 2; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-decoration-thickness: initial; widows: 2; word-spacing: 0px;"><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">e escrevo isso sem nenhum tipo
de vergonha por assumir que não gosto de ser sobrecarregada, que não gosto de
ter mil missões pra cumprir, que não gosto do esquema escroto de produtividade
que o neoliberalismo joga na roda como se o que medisse o seu valor como pessoa
fosse não só o quanto você ganha, mas o quanto você trabalha; se bem que...
opa! não, o que importa realmente é só o quanto você ganha porque se importasse
o quanto você trabalha, qualquer repositor de estoque do mercado e qualquer
uber seriam supervalorizados por todo o trabalho que executam.<o:p></o:p></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-width: 0px; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; orphans: 2; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-decoration-thickness: initial; widows: 2; word-spacing: 0px;"><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">podendo soar hipócrita, de cima
da minha cama, no dia do trabalhadoR e não do trabalho, eu digo que é
absolutamente injusto que eu viva da forma que eu vivo enquanto a esmagadora
maioria da população não teve, não tem e não terá a maior parte das
oportunidades que eu tive, a despeito de todas as dificuldades pelas quais eu
possa ter passado. e não acho que se trate de mérito; eu não tenho mais mérito
do que uma mulher que viva em qualquer periferia porque eu me
"esforcei" mais do que ela; a gente simplesmente não saiu do mesmo
lugar pra poder fazer esse tipo de comparação esdrúxula.<o:p></o:p></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-width: 0px; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; orphans: 2; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-decoration-thickness: initial; widows: 2; word-spacing: 0px;"><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">eu não acho que eu mereço mais
o que eu tenho do que qualquer outra pessoa que não tenha nada e me entristece
muito saber que a realidade é essa e que a gente não tem como fugir dela. você
só consegue “fugir” do sistema se você, olha só, tiver dinheiro pra criar as
suas próprias regras, mas daí você já está dentro dele. E quando você está
dentro, é muito fácil falar que “quem quer dá um jeito, quem não quer arranja
desculpa”. Pra casa de satanás com esse papo! <o:p></o:p></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-width: 0px; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; orphans: 2; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-decoration-thickness: initial; widows: 2; word-spacing: 0px;"><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">no ano passado, me aproximei
das ideias do comunismo e realmente acho que ele seja o mundo ideal. um mundo
em que os meios de produção fossem geridos pela classe trabalhadora e no qual
todas as pessoas tivessem acesso ao mínimo necessário para uma vida digna. Que
todos tivessem casa, comida e trabalho, mas não um trabalho que os consumisse e
os tornasse escravos, um trabalho que fosse apenas o suficiente para manter uma
pequena parcela do "todo social" funcionando, que as pessoas fossem
remuneradas por isso, e que pudessem viver suas vidas em uma plenitude que não
se resumisse a guardar dinheiro e ter mais coisas. <o:p></o:p></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-width: 0px; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; orphans: 2; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-decoration-thickness: initial; widows: 2; word-spacing: 0px;"><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">que as pessoas pudessem ser
reconhecidas por seus talentos e habilidades e até mesmo por sua mediocridade,
porque ninguém precisa se provar o tempo todo pra valer alguma coisa; pelo
menos eu acho que não deveria ser assim. vejam, estou tirando todo esse
idealismo diretamente do meu cu e sem nenhum tipo de embasamento teórico, porque
apesar do interesse que manifestei pelas ideias comunistas, eu nada li a
respeito e ainda assim concordo 100% com a ideia de revolução, com a ideia de
expropriação dos meios de produção.<o:p></o:p></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-width: 0px; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; orphans: 2; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-decoration-thickness: initial; widows: 2; word-spacing: 0px;"><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">o mundo não precisa de
bilionários arrombados; o mundo precisa de trabalhadores organizados. quanto
mais o capitalismo nos faz acreditar que o bom é ser empreendedor - quando na
verdade você só está abrindo mão de direitos trabalhistas e se submetendo a
cargas de trabalho cada vez mais extenuantes e ganhos cada vez menores -, mais
acreditamos que o bom é trabalhar enquanto os outros dormem e ter crises de
pânico, de ansiedade, sensação de fracasso e por aí vai porque, afinal de
contas, todo mundo conhece o caso do fulano que enriqueceu do zero porque se
esforçou pra caralho, porque teve foco, força e fé e quando você vai ver o cara
era só um filho da puta que criou um esquema de pirâmide e arrancou milhões de
gente que anseia ficar rica sem ter trabalho; e dá pra culpá-las? <o:p></o:p></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-width: 0px; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; orphans: 2; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-decoration-thickness: initial; widows: 2; word-spacing: 0px;"><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">acho que elas não gostam de
trabalhar, como eu =), mas não acho que por isso elas devam se foder e ser
roubadas por bandidos que se aproveitam da ingenuidade ou mesmo da burrice
dessas pessoas. o problema não está nelas. o problema está nelas acharem
realmente que um dia ficarão tão ricas que não precisarão mais trabalhar e nem
se preocupar com o futuro. todo mundo que quer ganhar muito dinheiro, quer isso
porque quer poder ter condições de aproveitar a vida porque sabe que ela não
deveria se resumir a trabalhar para não morrer de fome e simplesmente não existir
a opção de não trabalhar; a vida deveria ser uma experiência rica pra todos,
não só pra quem pode pagar por ela.<o:p></o:p></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-width: 0px; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; orphans: 2; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-decoration-thickness: initial; widows: 2; word-spacing: 0px;"><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">dito isso, vamos ao básico do
que eu aprendi assistindo a muitos vídeos de camaradas comunistas (já tô me
achando a militante, mesmo sem nunca ter me organizado). quem produz toda a
riqueza que nós vemos por aí é a classe trabalhadora. qual riqueza? - você pode
me perguntar - riqueza não é tipo dinheiro? veja, no caso a riqueza à qual me
refiro é absolutamente tudo que existe ao nosso redor. da casa onde você mora,
à roupa que você veste, passando pela comida que você come e o telefone que
você usa, tudo, absolutamente tudo isso eu chamo de riqueza (que me perdoem os
teóricos porque provavelmente eu esteja usando o conceito de maneira talvez
desvirtuada, mas eu tenho um ponto).<o:p></o:p></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-width: 0px; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; orphans: 2; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-decoration-thickness: initial; widows: 2; word-spacing: 0px;"><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">então, essa bagulhada toda é
riqueza e riqueza produzida pela classe trabalhadora. você acha que foi a dona
Mag****ne Luiça que construiu a primeira loja da marca? que projetou, minerou,
produziu, encaixotou, transportou e vendeu o primeiro alfinete da loja dela? e
isso se aplica a qualquer outra mercadoria ou bem durável/não durável. por mais
que a gente escute que "se o Elão Nusk não tivesse tido a genial ideia da
porra do carro elétrico, ele nunca poderia ter sido feito", pois bela
bosta ele ter a ideia, ele poderia ter as ideias mais geniais da face da terra;
ainda assim, ele é só uma alma sebosa no planeta e, sozinho, ele nunca poderia
ter feito o carro elétrico. o carro dele é produzido a partir de uma
longuíssima cadeia de produção, que começa lá na casa do caralho, com
trabalhadores muito especializados e precarizados trabalhando em minas de
ferro, de lítio e essas coisas todas. pensa só em quantas centenas, senão
milhares de pessoas, fazem parte dessa rede até que o carro esteja acabado e
cheiroso na concessionária, pronto pra se dirigir sozinho, bater numa árvore,
explodir, matar seus ocupantes e ouvir do corno do dono da empresa que o
problema eram as pessoas que ocupavam o carro e não o carro em si, apesar de
esses acidentes acontecerem com frequência...<o:p></o:p></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-width: 0px; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; orphans: 2; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-decoration-thickness: initial; widows: 2; word-spacing: 0px;"><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">isso é só um exemplo de que o
carro não foi produzido pelo bilionário cuzão; ele foi produzidos por todos
esses trabalhadores que, mesmo consumindo valiosas horas na labuta, deixando de
estar com seus familiares ou coçando o saco simplesmente porque poderiam, estão
ali, sendo mal remunerados e enchendo o cu do dono do tuinter de dinheiro;
dinheiro que ele não daria conta de gastar nem que quisesse porque são muitos
bilhões e que ele sequer trabalhou para acumular - ele “ganhou” esse dinheiro
explorando a mão de obra dessas pessoas.<o:p></o:p></span></p>
<p><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">“ah, mas se ele não tivesse
investido, essas pessoas não teriam emprego...”, sim, se ele não tivesse
investido, ele não teria o carro elétrico. Ele não faz um favor ao pagar esses
trabalhadores, pois são esses trabalhadores que propiciam a concretização do
projeto genial desse cara. “ah, mas se você ganha pouco, o capitalismo te dá a
opção de procurar outro emprego”. Claro, é sempre uma opção largar um subemprego,
que às vezes não garante nem o mercado do mês pra conseguir outra “excelente”
vaga, que talvez fique mais uma hora de distância da casa da pessoa, que talvez
exija que ela seja PJ, que não pague horas extras, mas que a pessoa ganhe 200
reais a mais. Vai ter corno aí dizendo que com esse “aumento” já dava até pra
investir em ações, hein!<o:p></o:p></span></p>
<p><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">A gente precisa ter o mínimo de
autocrítica pra saber que o fato de termos uma casa financiada, um jeep
renegade, um iphone 13 e meia dúzia de idas à Disney não tornam ninguém rico.
Se liga, porra! Mesmo que você tenha uma “empresa”, se ache o patrão, me conta
aí, se você parar de trabalhar hoje, por quanto tempo você consegue manter o
padrão de que vida que tem? Já diz o sábio professor Alysson Mascaro (muitíssimo
recomendado), você é só um pobre premium. Mesmo que ganhe 10, 20, 50 mil por
mês; se você recebe salário, então deveria estar na hora de você se mobilizar.<o:p></o:p></span></p>
<p><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">“ah, mas não tem como mudar a
realidade, sempre foi assim, vou cuidar do meu e foda-se o coletivo!” é,
colega, realmente é muito fácil olhar só pro próprio rabo quando o sistema está
a todo momento querendo enfiar uma trolha enorme no nosso cu, mas se você está
lendo isso, são grandes as chances de que você tenha mais do que a maior parte da
população tem e isso é desumano.<o:p></o:p></span></p>
<p><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">Eu sei que o comunismo não tem o
objetivo de fazer justiça social, tem o objetivo de tomar os meios de produção –
que não são a porra do seu carro, nem a sua casa de praia, Enzo, fica
sossegado! – e instituir a ditadura do proletariado, que somos quase todos nós.
Mesmo não sendo o fim a justiça social, acaba que ela se dá quando todas as
pessoas têm casa, comida, educação, saúde, emprego, lazer e tempo de qualidade
sem precisar ser expoliado por um trabalho, sem precisar ser aficcionado pela
ideia de ficar rico e acumular coisas.<o:p></o:p></span></p>
<p><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">Eu sei que pode parecer
impensável uma realidade diferente da que vivemos, mas se toda essa massa de
pessoas se unisse com esse objetivo, não seriam alguns milhares de bilionários
que nos parariam. Eu sei que é difícil acreditar que o capitalismo não existia
até algum tempo atrás, porque haverá gente dizendo que Adão e Ivo já eram
capitalistas e investiam na bolsa do paraíso.<o:p></o:p></span></p>
<p><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">Ainda assim, eu vejo que o
desemprego despencaria se as cargas de trabalho fossem reduzidas, mais ou menos
assim, de acordo com o curso de economia em que me graduei na UNICU. vejam: se
antes, uma vaga era ocupada por uma pessoa que trabalha 8h, ela poderia ser
ocupada por duas pessoas trabalhando 4h e sem redução de salário! "ah, mas
de onde vai sair o dinheiro, Karla?" do lucro da empresa, caralho! as
empresas não deveriam existir pra dar lucro pros donos; elas deveriam existir
para garantir que a sociedade pudesse suprir a sua demanda pelo serviço/produto
que ela oferta, garantindo meios de vida dignos para os seus trabalhadores. Agora
imaginem isso em larga escala... <o:p></o:p></span></p>
<p><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">Imagina poder trabalhar apenas 4h
diárias e ter meios o bastante para prover a sua vida e, olha que absurdo,
ainda poder vivê-la de verdade! Se você quisesse trabalhar mais, você poderia,
mas não seria necessário. Você poderia cuidar do jardim, ficar com a família,
beber com os amigos no bar, ler um livro, tricotar, fazer um passeio, dormir,
fazer a porra que você quisesse fazer sem pensar que está devendo o cartão de
crédito, o financiamento da casa, o tratamento de saúde da sua vó. Sem se
preocupar com o seu trabalho porque ele fica lá no prédio em que você trabalha
e você não precisa carregá-lo para todos os lados; sem precisar pensar em produtividade
porque você viveria uma realidade em que é uma pessoa, com individualidade e
desejos e não uma peça de engrenagem que é totalmente substituível e que só
serve para encher o rabo de uns poucos com dinheiro. Fora toda questão
ambiental, caso não vivêssemos de explorar os recursos naturais indefinidamente
e a qualquer custo.<o:p></o:p></span></p>
<p><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">Pode ser utópico? Pode sim, mas
se isso aqui tiver servido minimamente para que alguém coloque em dúvida uma
crença cristalizada, e se questione sobre qualquer tipo de possibilidade para
além do que está dado, já terá valido. <o:p></o:p></span></p>
<p><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">Trabalhadores do mundo, uni-vos!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p><br /><p></p>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-24888333103107273792023-02-25T01:27:00.003-03:002023-04-08T23:50:27.195-03:00sobre ser matéria de si mesma<p>na universidade, aflorou-se meu espírito escritor. primeiro com textos curtos e escatológicos, depois com desabafos existenciais aqui mesmo, neste blog, quando ele foi criado.</p><p>é importante dizer que o momento em que fui uma leitora mais voraz em minha vida foi no início da adolescência, entre os 11 e os 12 anos. naquela época, eu lia 50 páginas por noite dos romances espíritas que minha mãe comprava. aquela papagaiada toda foi como as histórias da Cinderela e da Branca de Neve, com muitos toques de reencarnações e vida de princesa intercalada com pobreza e doenças. essas histórias eram realmente ricas! uma hora você era uma menina desgraçada e tuberculosa à beira da morte, na outra você estava de camarote relembrando vidas passadas em que foi uma cigana ou uma nobre rica e invejada. havia também vinganças, assassinatos... a galera pagava pelos seus pecados e eu me divertia com tudo aquilo, introjetando no inconsciente que todas as merdas que nos acontecem têm razão de ser, mas que se formos bons, tudo dá certo no final. ahammm.</p><p>falo isso porque, tirando esse tempo em que a leitura era puro prazer, na universidade e depois dela, não voltei a ler muito. eu lia os textos das disciplinas; lia os livros que era mandada ler, mas meio que era isso, não ia além, não sentia tesão em ler, não sei se porque minha vida estava passando por mudanças profundas naquele momento ou porque eu era apenas uma vagabunda, uma fraude ou simplesmente a aluna de letras que menos leu em toda a história apenas porque não estava a fim.</p><p>no mestrado eu li muito, li bastante, mas nada que fosse de fruição. (nota mental escrita: escrever sobre como foi o mestrado. resumo para o leitor: foi um inferno do caralho)</p><p>nunca saberemos... na época eu não sabia, mas hoje sei por que não leio muito (no ano passado foram apenas dois livros inteiros, a metade de mais um e meia dúzia de páginas de um terceiro), porque sou viciada em redes sociais e podcasts. minha vida é basicamente estar abduzida pela porra de um retângulo de plástico e vidro que está acabando com a minha sanidade mental e com qualquer vontade de viver uma realidade que não me dá pulsos de dopamina a cada milésimo de segundo, o que torna a minha existência e qualquer tipo de leitura uma tarefa árdua e desinteressante. - ainda assim, tô trabalhando nisso; na leitura e em formas de tornar a existência mais interessante. lembre-se de que às vezes o escritor carrega nas tintas para melhores efeitos literários. é tudo mentira, ou não.</p><p>de igual maneira, o smartphone e o meu descontrole em relação a ele acabam com qualquer traço de criatividade que possa haver para eu escrever. me sinto burra, vazia, murcha, acabada. por passar tanto tempo no telefone e ouvindo alguma coisa a todo momento - tenho ficado cada vez menos em silêncio comigo mesma -, minha vida parece um looping de nada com porra nenhuma. todos os dias são muito parecidos e isso não é um problema em si, já que o resumão da vida é que ela é essa merda mesmo, o problema é que não tenho tido nem a sensibilidade de perceber a minha merda particular sobre a qual sempre gostei de escrever a respeito.</p><p>eu sempre fui meu melhor e único assunto, do modo mais narcisista e aberto que consigo ser porque quando escrevo sobre mim, lá no fundo sei que também escrevo sobre você, sobre nós, sobre como pode ser difícil e também divertido estar vivo; estar aqui, escrevendo e reclamando, escrevendo e abrindo, escrevendo e expondo porque eu sei que não sou a senhora diferentona. admite aí também que às vezes é foda, que você se sente um bosta sem qualquer controle sobre a sua vida... e descambamos pra bad vibe... desculpa, é o meu jeitinho. amanhã já é hoje e hoje é sábado! dia de ficar no telefone sem peso na consciência porque é pra isso que servem os finais de semana, pra gente se anestesiar de todo o resto. parece que vai dar praia!</p>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-3710272056694479192023-02-25T00:40:00.000-03:002023-02-25T00:40:39.307-03:00sobre metatextos<p>sabe aquela coisa em que você é muito bom e que você gosta muito de fazer? aquele "talento" especial, aquele "dom"? Pois é, também não sei. não nasci com ele. a coisa com a qual mais me identifico e sinto prazer em fazer é escrever, mas nem de longe isso quer dizer que as palavras jorrem pelos meus dedos. eu não sou como os escritores iluminados que, com cinco anos já escreviam suas primeiras palavras, com 12 já tinham escrito várias historinhas e com 17 já tinha ganhado um concurso de contos. "ah, a escrita sempre esteve na minha vida...". na minha, não.</p><p>não é como se eu fosse um prodígio, mas não tinha dificuldades para me expressar. mentira, a palavra não é bem expressar, está mais para facilidade de falar diante de muitas pessoas. eu não tinha vergonha, mas isso não tem a ver com a escrita, só que tem, sim. acho que escrevia bem só porque escrevia como falava, e não me refiro ao tipo de linguagem empregada, mas à fluidez do texto.</p><p>acho que começar a escrever mesmo, só comecei no terceiro ano do ensino médio. naquela época, tínhamos uma aula que era voltada para redação, aquela do vestibular. toda semana, deveríamos escrever uma sobre os temas que a professora indicava. eu nunca sabia o que escrever nessas redações. minha tática era a de começar falando sobre a necessidade de escrever um texto a respeito do tema x ou y. floreava, não aprofundava, era perfeito na época e parece que funciona ainda hoje.</p><p>De algum jeito essa tosquice me norteava; era como virar a chave na ignição e, de repente, eu estava dirigindo sem saber muito bem para onde, mas costumava dar certo. na época em que eu fiz o enem, em 2001, nós recebíamos uma cartinha que mostrava o nosso desempenho em todas as disciplinas e na redação. as minhas notas, no geral, ficaram no patamar da mediocridade e tudo bem, mas a nota da redação era bem acima da média geral; foi ali que eu percebi que era boa em alguma coisa sem fazer muita força pra isso.</p><p>de toda forma, não escrevia regularmente; não era um hábito. no começo da adolescência tive um diário, no qual escrevia eventualmente. acho que na época das agendas eu fazia algumas delas de diário também, mas nunca foi uma constante. escrever era só algo fácil de fazer quando precisava ser feito, até que entrei na universidade - de letras! </p><p>(abre-se aqui um grande parêntese para explicar que a minha escolha não foi um "chamado" nem nada parecido. levando em conta que não me sentia confiante para prestar um novo vestibular depois de ficar mais de um ano sem estudar qualquer coisa, fiz letras porque era o curso mais barato da universidade, o que eu poderia pagar, e sem a necessidade de fazer uma prova, visto que consegui entrar pelo meu histórico escolar. na época, eu tinha 20 anos e uma filha de um ano e pouco e uma rede de apoio que me permitia assistir às aulas nas quintas e sextas-feiras à noite e nos sábados, de manhã e à tarde - o curso tinha uma grade de horários diferente de todos os outros daquele lugar)</p><p>... como eu ia dizendo, quando eu comecei a cursar letras, houve a oferta de uma oficina de produção textual na qual me inscrevi. no primeiro dia, escrevemos um texto cujo tema não me recordo, mas no final da aula, a professora me chamou e disse que eu não precisava fazer aquela oficina porque já escrevia muito bem. mais uma vez, me senti encaixada e parecia que eu pertencia ao texto, ao meu texto, a mim mesma.</p><p>obrigada, Enem; obrigada, professora Mônica, por terem sido os primeiros incentivadores desta que vos escreve.</p><p>continua...</p>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-32156348949530280572022-08-22T22:47:00.003-03:002022-08-23T06:36:41.312-03:00sobre morrer de raiva<span style="font-family: courier;">foi no mês passado e eu quis esperar um tempo a mais para escrever a respeito porque achei que poderia estar comemorando antes da certeza, daí poderia ser punida por alguma ironia da vida, mas agora, tenho segurança de que não morrerei de raiva - mas talvez morra, vai saber...</span><div><span style="font-family: courier;"><br /></span></div><div><span style="font-family: courier;">a gente fala em sentir raiva e pensa no quê? olhos faiscantes, cara retraída, perdigotos expelidos aos berros; é uma emoção genuína, primal, daquelas que nos levam de volta aos cinco anos de idade cada vez que algo não sai como planejamos ou quando somos contrariados em nossos desejos. sentir raiva e frustração se jogando no chão, batendo o pé, esperneando, fazendo birra. </span></div><div><span style="font-family: courier;"><br /></span></div><div><span style="font-family: courier;">quando a gente cresce, vai aprendendo a enfiar a raiva no cu. a gente aprende a não demonstrar a maioria das coisas que sente, daí viram isso, "coisas", sentimentos e emoções inomináveis diante dos quais não sabemos como agir, e é então que aparece o nosso pequeno eu, aquele que é ainda um animalzinho no processo de castração, que ainda está se moldando ao que a sociedade espera dele.</span></div><div><span style="font-family: courier;"><br /></span></div><div><span style="font-family: courier;">quando somos pequenos nos deixamos levar pelas emoções e eu me deixei levar quando, naquele dia, parei o carro no meio da rua, a caminho do trabalho, para ver o que parecia ser um sagüi sobre o asfalto, mas entre a via e o chão batido. ele estava com a cara voltada para o chão, com as maõzinhas espalmadas ao lado da cabeça, os pezinhos esticados junto com a cauda que media metade do seu tamanho e estava toda armada, como uma pinha fofa.</span></div><div><span style="font-family: courier;"><br /></span></div><div><span style="font-family: courier;">ele não se mexia; à primeira vista, parecia estar morto. eu, então, o cutuquei e percebi que ele inspirou profundamente; tinha vida ali! eu já estava nervosa e não sabia o que fazer. eu queria pegá-lo, mas tinha medo de sentir em minhas mãos que aquele pequeno corpinho poderia estar todo quebrado por dentro. tive receio de que se desconjuntasse, se esparramasse, que eu não pudesse contê-lo. Por sorte, havia um pano de praia no porta-malas do carro. Dobrei-o e fui com ele nas mãos tentar pegar o sagüi, que não mostrou nenhuma resistência. Coloquei-o em meu colo e fui para o estacionamento do meu trabalho que era apenas uns poucos metros à frente. eu falava para o macaco: "vai ficar tudo bem, amiguinho".</span></div><div><span style="font-family: courier;"><br /></span></div><div><span style="font-family: courier;">segue, então, uma parte que não será detalhada, mas que envolve a ida a três lugares diferentes até que chegássemos a<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br />o quarto lugar, esse sim, apto a receber o animal.</span></div><div><span style="font-family: courier;"><br /></span></div><div><span style="font-family: courier;">durante o período em que estive com o pequeno, apesar de haver um pano entre nós, eu fiquei com ele por cerca de três horas. em mais ou menos metade desse tempo, ele ficou no meu colo enquanto eu dirigia. acordado o tempo todo, ele emitia uns silvos que me davam medo porque eu não sabia se eram de dor ou um pedido de ajuda para os seus. ele não tinha forças para andar, mas em alguns momentos parecia que estava tentando ficar em pé, dando impulso com suas perninhas. durante a outra metade do tempo, ele fez a viagem dentro de uma caixa de papelão - com alguns furos para que ele pudesse respirar -, junto com o pano de praia. às vezes, ele arranhava a caixa querendo sair; noutras, ficava em silêncio.</span></div><div><span style="font-family: courier;"><br /></span></div><div><span style="font-family: courier;">eu toquei seu pelo muito macio algumas vezes. tanto a pelagem fofa quanto a cara de coitado me lembraram a Chico, minha gata. pude vê-la nos olhinhos dele, tão assustadoramente humanos. ele parecia um pequeno adulto no meu colo. via sua boquinha entreaberta e conseguia enxergar seus mini mini dentes. o bichinho era uma obra perfeita e tão vulnerável diante da sua fortuna. a sorte dele poderia ter sido também a minha. meu destino e minha vida poderiam ter sido selados por aquele bichinho indefeso e adorável porque eu havia me solidarizado com ele.</span></div><div><span style="font-family: courier;"><br /></span></div><div><span style="font-family: courier;">em duas da três paradas que mencionei antes, comecei a perceber que meu bom gesto poderia ter consequências não calculadas. no primeiro lugar, quando viram o sagüi já disseram que eu deveria ter cuidado porque animais silvestres são vetores de doenças, e eu carregando a criatura no colo como se fosse um bebê reborn. eu estava tão fora de mim, no misto de defensora de animais e de senhora compadecida com a dor alheia, que sequer havia me lembrado de que se tratava de um animal silvestre - silvestre como se está praticamente no quintal da universidade? - eu pensei, em um lampejo de imbecilidade... </span></div><div><span style="font-family: courier;"><br /></span></div><div><span style="font-family: courier;">entre um lugar e outro fui me dando conta de que tinha agido de maneira impulsiva mas que, no momento em que o resgatei, me tornei responsável por ele. me senti a porra da raposa do pequeno príncipe. eu poderia ter sido uma escrota e tê-lo jogado em qualquer canto porque, né, foda-se! ele não era problema meu, mas eu o havia tornado meu problema quando o peguei. como eu iria viver bem comigo mesma se não tivesse ajudado aquele sagüi, ou pior, se o tivesse tirado da cara no asfalto com o intuito de fazer algo por ele, mas tivesse desistido no meio do caminho porque não havia nenhum filho da puta disposto a fazer alguma coisa por aquela vida que parecia tão insignificante aos olhos de todo o resto da gente?!</span></div><div><span style="font-family: courier;"><br /></span></div><div><span style="font-family: courier;">as pessoas pelas quais eu passei me fizeram sentir medo e culpa por tentar ajudar o animal que, até aquele momento, eu achava que poderia ter sido atropelado (abre-se aqui um parêntese para dizer que não, não havia me ocorrido que se um bichinho daquele tamanho e porte tivesse sido atropelado eu sequer seria capaz de identificar a que espécie ele pertencia), até que uma dessas pessoas disse que ele poderia ter levado um choque e caído do poste, pois era comum que recebessem ligações pedindo ajuda por essa razão. foi quando notei que isso fazia total sentido, pois ele estava no chão bem abaixo da linha do fio de luz do poste da rua em que o peguei.</span></div><div><span style="font-family: courier;"><br /></span></div><div><span style="font-family: courier;">depois de toda a romaria para conseguir encontrar um lugar que pudesse acolhê-lo adequadamente, chegamos ao parque estadual que recebia animais silvestres que precisassem de atendimento veterinário. a minha preocupação ao deixá-lo era de saber se, caso ele ficasse bom, seria devolvido para a mesma rua em que eu o havia encontrado porque estava preocupada com a família dele, e pensei que se ele voltasse apenas à natureza, tipo aquela natureza do parque, não seria a mesma vizinhança à que ele estava acostumado. pensei nos vínculos familiares do macaco; me senti uma filha da puta por tê-lo tirado de lá e por, talvez, ser a responsável por ele nunca mais ver a família dele. dito isso, o senhor que o recebeu me assegurou de que os animais recuperados sempre eram devolvidos aos lugares em que tinham sido encontrados; isso me deixou com menos peso na consciência. </span></div><div><span style="font-family: courier;"><br /></span></div><div><span style="font-family: courier;">deixei-o lá, me despedi, desejei que ficasse bem, mas senti enorme alívio por ter me livrado do fardo peludo. tinha cumprido minha missão. depois de cerca de 40 quilômetros percorridos no processo, me senti sugada pelos pensamentos todos que o macaco me suscitou. pensei muito nele, mas pensei também muito em mim. benevolência, culpa, remorso, raiva, angústia e mais um monte de outros sentimentos e sensações passaram pela minha cabeça e pelos meus intestinos. que tipo de pessoa eu era? uma boa pessoa burra? uma pessoa boa impulsiva? uma pessoa irresponsável? que diabo de pessoa se coloca em risco sem nem se dar conta de que está fazendo isso? honestamente, acho que qualquer pessoa um pouco mais desatenta para os perigos racionais estaria sujeita ao mesmo risco que eu.</span></div><div><span style="font-family: courier;"><br /></span></div><div><span style="font-family: courier;">e por que eu falo tanto de riscos, perigos e o caralho? porque no final da tarde daquele dia, eu recebi uma ligação do parque avisando que o sagüi havia morrido e pedindo que eu buscasse um centro de saúde para tomar a vacina antirrábica porque eu havia tido contato direto com o animal e havia a possibilidade dele ter morrido com raiva; não em decorrência dela porque parecia que a causa da morte tinha sido a queda mesmo, mas ele poderia estar contaminado com o vírus. uma amostra de sangue dele havia sido enviada para testagem, mas o resultado só sairia em 15 dias (!). a ligação foi lá pelas 18h15, momento em que comecei a entrar em pânico. eu disse que não havia sido nem mordida, nem lambida, nem arranhada, nem nada pelo macaco. eu disse que o macaco não tinha nenhum machucado, nem tinha qualquer secreção saindo de seu corpo. ele não babava e nem estava agressivo, mas a sujeita que falou comigo disse que eu deveria procurar o centro de saúde por precaução.</span></div><div><span style="font-family: courier;"><br /></span></div><div><span style="font-family: courier;">a partir daquele instante, comecei a buscar no google informações sobre a transmissão de raiva, sobre os horários de atendimento dos postos de saúde. liguei para minha sobrinha que trabalha na área da saúde e mandei mensagem desesperada para um amigo que é médico. eram quase 19h quando saí de casa rumo ao pronto-socorro na tentativa de tomar a vacina porque o destino do macaco já havia sido selado e o meu ainda parecia atrelado ao dele.</span></div><div><span style="font-family: courier;"><br /></span></div><div><span style="font-family: courier;">depois de perder tempo no pronto-socorro pela lotação e por não haver a vacina lá; depois de conversar com a minha sobrinha e com o meu amigo, e de ter sido tranquilizada por eles, a melhor ideia era voltar para casa e procurar o hospital certo na manhã seguinte. naquele noite, não dormi direito pensando que o vírus da raiva poderia já estar se espalhando pelo meu corpo. procurando pelos sintomas da doença era um grande ironia saber que eu tinha a maior parte deles: mal-estar geral, náusea, inquietude, sensação de angústia e irritabilidade, mas esses são sintomas que a população em geral tem nos dias de hoje pelo simples fato de estarmos todos vivos nessa porra de país.</span></div><div><span style="font-family: courier;"><br /></span></div><div><span style="font-family: courier;">me senti confusa, triste, angustiada de pensar que eu poderia morrer, acabar, encerrar minha existência, virar adubo - e tudo isso de uma forma horrível! - espumando, enraivecida, até que entrasse em coma e finalmente fosse embora em alguns dias... pensei que ficaria tensa durante todo o período em que o vírus poderia estar incubado em mim, se preparando para me atacar, para me obrigar a mostrar o meu lado mais grotesco e eu senti raiva de mim por talvez ter me contaminado com raiva. que inferno! vida filha da puta querendo me foder até na hora de me matar, eu pensei. você sabe quantas pessoas se recuperaram da raiva depois de tê-la contraído? somente cinco pessoas no mundo inteiro! na porra do mundo inteiro e é bem óbvio que eu não faria parte dessa estatística porque pior do que morrer de raiva é sobreviver a ela, já que essas pessoas ficaram com sequelas. pelo menos essa sorte eu teria, de morrer de uma vez.</span></div><div><span style="font-family: courier;"><br /></span></div><div><span style="font-family: courier;">no outro dia, cedo, eu já estava na sala de espera do hospital para ser atendida, para ser vacinada, eu achava. Sabrina é o nome da enfermeira que prestou meu primeiro atendimento. ela foi muito atenciosa e humana, dizendo que eu poderia "acalmar meu coração" porque o simples contato com o pelo do animal, sem haver lesões em mucosas ou coisa parecida, não seria o suficiente para me contaminar, mesmo que o macaco tivesse raiva. saí de lá mais tranquila, mas não totalmente confiante. cada vez que meu telefone tocava, eu atendia pensando que seria alguém do centro e zoonoses dizendo que o macaco tinha raiva e ter raiva me enchia de medo.</span></div><div><span style="font-family: courier;"><br /></span></div><div><span style="font-family: courier;">tinha medo de morrer contra a minha vontade, medo de morrer só por ter sido boa, só por ter sido compassiva, me senti injustiçada antecipadamente, para logo em seguida pensar que a vida não é justa, que na verdade certas coisas só são como são e ponto. depois que acontecem a gente pode se perguntar por que, mas se culpar não muda acontecimentos, fatos que se sucedem apenas porque estamos vivos e, vivendo, estamos sujeitos a qualquer coisa do mundo. está tudo posto, todas as possibilidades estão diariamente à nossa frente, mas na maior parte das vezes, a gente nem se dá conta disso porque está seguindo a cartilha, fazendo o planejado, cumprindo o cronograma.</span></div><div><span style="font-family: courier;"><br /></span></div><div><span style="font-family: courier;">curioso é que justamente no dia em que eu saí pouquinha coisa da minha rotina, tomando café da manhã na padaria - coisa que faço quase nunca -, foi quando eu passei pela rua precisamente naquela hora e prestei atenção a algo que parecia destoar do caminho. naquele dia, eu desviei do meu caminho. mas quando é que a gente não desvia, não é? mesmo o dia mais monótono e parecido com todos os dias anteriores a ele é apenas isso, parecido. algo sempre muda; estamos sempre desviando, como adultos ou como crianças, por amor ou com raiva, o caminho é o desvio.</span></div><div><span style="font-family: courier;"><br /></span></div><div><span style="font-family: courier;"><br /></span></div><div> <a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiRiDKgIUciiEFQkyxb15pX3oOtnNcThepP7DhjxW_OE_dkgyTYPD52MHAQh2n7LSfbyJdn_uiSPqKI8SP97pjmaDoooLRLHyqOOzriT0Uv268GwmB0v3YFHZC2Ge-xAPPZ0ZbPAdHyS3J38FhLgu021Zerm3meYeuZCngFKFBZjFMRtwO60jAMegM/s4032/20220712_101648.jpg" style="font-family: courier; margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="4032" data-original-width="3024" height="459" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiRiDKgIUciiEFQkyxb15pX3oOtnNcThepP7DhjxW_OE_dkgyTYPD52MHAQh2n7LSfbyJdn_uiSPqKI8SP97pjmaDoooLRLHyqOOzriT0Uv268GwmB0v3YFHZC2Ge-xAPPZ0ZbPAdHyS3J38FhLgu021Zerm3meYeuZCngFKFBZjFMRtwO60jAMegM/w344-h459/20220712_101648.jpg" width="344" /></a></div>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-73736815366934093382022-02-24T22:49:00.001-03:002022-02-24T23:12:22.705-03:00sobre o que é mais importante<p><span style="font-family: courier;">Cheguei. Quando saí da casa do Danilo até senti a brisa mais
forte, mas na medida em que fui andando, aquele suor seco voltou a me molhar o
corpo, como um grude tropical, a brea. Cheguei e servi-me de um copo gelado de
água; um copo de inox, daqueles muito comuns no meu tempo de infância, mas esse
é mais baixo, mais gordinho, não tinha a função de servir bebida, mas sim de
guardar a pasta e escova de dentes da Ana. Estava no box do seu banheiro, com o
fundo encardido de lodo de banheiro; lodinho de baba, de vapor de água, de
restinhos de coisas de banho. Depois que ela foi embora, eu quis limpar o
banheiro e dei nova função ao copo. Lavei-o bem; inox não pega cheiro nem gosto
de nada e agora é meu favorito. Ele serve 300ml; eu medi.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: courier;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: courier;">Cheguei e vim aqui escrever. Tirei toda a roupa, e agora o
sutiã porque me aperta. Não queria me esquecer e nem conectei a internet no
computador; vim aqui antes porque não queria me esquecer, eu já disse. Vou começar
do começo do dia então.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: courier;">Quando estávamos tomando café da manhã, vi na rede social
que a Rússia havia invadido a Ucrânia e disse: está vendo?! a gente fica
transando e não sabe o que tá acontecendo no mundo! E daí comecei a ler e ouvir
e a me entupir com as notícias. Você foi embora e eu até trabalhei durante a
manhã. Enquanto almoçava, ouvia o jornal. Passei o restante da tarde na drogadição
digital e, ao mesmo tempo em que limpava as caixas de areia dos gatos, ouvia um
cara dizer que desde a Segunda Guerra não havia uma invasão como essa a um
país. Percebi que o desinfetante estava acabando e também tive a sensação de
que ele se embananou um pouco em relação ao que falava. Senti vergonha por ele
e pensei em todos os outros países que estão em guerra neste exato momento – e eu
nem sou boa ou entendida de geopolítica –, mas que não fazem parte da Europa,
talvez por isso sejam desimportantes para os noticiários, ou talvez porque eles
não tenham armas de destruição em massa ou talvez porque não sei, como disse,
não sou boa no assunto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: courier;">Apesar da apreensão criada pela mídia, parece que a Terceira
Guerra tem poucas chances de acontecer, acho que o mercado reagiria mal (sério,
Karla?) – e Danilo tinha me convidado pra ir à casa dele. Eu devia a visita e
disse que iria às 18h. já passava do horário e, depois de lavar a louça,
coloquei minha calça nova – costurada especialmente para mim e muitíssimo bem-feita
e acabada – e saí de casa com o saco de areia suja dos gatos e a chave do
carro. Coloquei a areia no contêiner e olhei para o carro. Já era final da
tarde e pensei que seria uma boa ideia ir a pé até lá; movimentaria o corpinho
amorfo. Olhei para a chave, olhei para o carro, pensei com meus botões, falei
com 32 habitantes de mim e decidi fazer o diferente: resolvi ir andando,
bravamente andando. De chinelo, com sutiã apertado, calça nova, bolsa transversal
no peito, fone nos ouvidos e notícias da invasão russa comendo a minha mente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: courier;">Vou andando e desviando de alguns cocôs de cachorro pelo
caminho; chego à rodovia e me sinto importante porque os carros param para que
eu atravesse. Corto o caminho passando por cima de uma cerca de metal caída no
chão; passo pelas capelas funerárias e vejo que não tem ninguém sendo velado
naquele momento. Atravesso a rua novamente e ando pela frente do cemitério que
tanto gosto. Vou passando por mais umas duas ou três ruas até que entro na rua
que vai dar no prédio dele, lááá em cima. Vou andando e olhando para o chão. Evito
ficar olhando para frente na intenção de enganar meu cérebro; acho que se ele
não vir a altura do diabo da rua vai me fazer cansar menos. Descubro que meu
cérebro é muitíssimo esperto e que não haveria nenhuma chance de ele não
perceber o quão íngreme é aquela ruela do inferno. Paro no meio do caminho para
pegar um ar. A máscara já está pendurada na orelha esquerda; respiro pela boca
e tenho a impressão de que vou morrer. Sigo. Quando finalmente chego ao topo,
apoio-me num muro amarelo queimado arfando. Sinto o suor escorrer pela bunda e
por todos os poros do meu corpo. Depois de uns bons segundos, dou mais uns
passos e chego ao portão. Digito a senha, a porta abre, entro. Depois, faço a
mesma coisa de novo. Aperto o botão do elevador, entro nele e chego no andar. Coloco
a mão na maçaneta e a porta estava aberta. Chamo pelo Danilo e ninguém
responde, só os gatos. Procuro o controle do ar condicionado e busco com os olhos
um galão de água na cozinha, mas não encontro. Procuro um filtro na torneira da
lavanderia, nada também. Fico puta porque todas as vezes que chego lá, nunca
tem água mineral, porra! <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: courier;">Mando mensagem perguntando onde está, ele diz que se
esqueceu de mim e escreve: “Bethânia”. Reclamo que vim a pé, que não tem água e
digo que não vou mais lá. Penso que já que estava toda derretida mesmo, ia
gastar a luz dele colocando o ar-condicionado no mínimo e assistir, por que
não, um pouco mais de jornal e ficar mais por dentro da invasão russa – porque
alienação “informativa” nunca é demais. Tiro minha calça suada e a coloco sobre
o encosto da cadeira. Pego uma toalha para colocar no sofá dele e poder me
sentar com a minha bunda suada sobre o novo tecido – que não é suede, mas é
muito bonito. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: courier;">Me alieno mais um tanto nas redes sociais e converso um
pouco com você, que me sugere dar uma olhada na geladeira. Excelente ideia! Faço
um sanduíche com manteiga, mussarela de búfala e presunto defumado. Abro um
energético e encontro na despensa um saco de stroopwafel de canela – nunca tinha
comido e acho muito bom. Como os quatro que havia, mas no último já vejo que não
gostaria mais de comer aquilo em muitos meses. Decido, então, assistir ao
último episódio de uma série curta, engraçada e desgraçada. Quando faltavam
menos de dez minutos para que ela acabasse, a porta se abre e o Danilo aparece
cheio de sacolas junto com uma moça e ele não me vê de cara. Eu me assusto de
ver que não era a Thaís junto com ele e me sinto levemente constrangida por
estar de camiseta e calcinha na casa do meu ex-marido enquanto ele chega
acompanhado e eu estou no sofá assistindo tv.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: courier;">Ha ha ha aqui e acolá, coloco a calça enquanto digo que a
havia tirado porque a rua dele era muito íngreme e tinha feito minha bunda suar,
sendo que qualquer calor faz a minha bunda e todo o resto suar. Ele me pergunta
de você e eu digo que nos veremos logo mais. Eu acabo a série um pouco indignada
com o final que ela tem, dou um beijo na moça, despedindo-me e me desculpando
pelo suor, pego uns pedaços fininhos da carne que estava no forno e eu nem
sabia, dou um beijo no Danilo e vou-me embora.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: courier;">Fico impressionada como descer a rua é muito mais rápido do
que subi-la, apesar de também demandar um pouco de atenção e nenhuma pressa. Vou
caminhando tranquila e passando pela frente do cemitério de novo. Olho lá para
dentro e vejo que, mais adiante, o portão ainda está aberto. Fico animada e
resolvo entrar, só para dar um passeio rápido. Vejo que o passeio não vai mesmo
poder se alongar porque estou de chinelos e porque, durante a noite, as baratas
estão por toda a parte ali. Vejo até um pequeno conluio com quatro juntas;
talvez estejam armando para me atacar, mas eu não lhes dou intimidade. Continuo
andando, meio marchando, com medo que uma delas suba pelos meus pés. Sinto-me
um pouco importante como quando atravesso a rodovia, porque parece que abrem
caminho para que eu passe; são muitas. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: courier;">Enquanto cuido para não as pisar, converso com as lápides,
falando sozinha. Falo para os moradores do cemitério o que está acontecendo
fora dali porque acho que eles não ficam muito por dentro das notícias. Passo em
frente à lápide de uma mocinha que nascera em 1997 e que morrera no ano
passado; penso como era jovenzinha, mas não sou capaz de fazer as contas para
descobrir quantos anos tinha... no meio da conversa, penso que a guerra é mais
um meio de ir parar ali. Acho que é melhor ir embora por causa das baratas e
voltar em um fim de tarde, quando elas estejam escondidas e eu possa ver bem
as lápides e descobrir as “famosas”, penso. As “importantes”, penso. As “históricas”,
penso. Daí me corrijo, porque para quem ficou, quem morreu era importante ou
histórico ou famoso praquela pessoa. Saio do cemitério e passo de novo pelas
capelas funerárias. Agora há um velório tímido acontecendo e um homem sozinho
está sentado no banco em frente a ela. Ele olha para o vazio e parece
consternado. De novo, penso na guerra, no cemitério, na morte que se evita a
todo custo, mas na vida que também pouco vale, ou que não vale nada. Sinto por
ele, sinto por todos que não puderam escolher fazer parte ou não do momento que
estão vivendo, do momento que nós todos estamos vivendo, que o mundo está vivendo,
daí, por um segundo, penso que uma guerra de proporções atômicas, que acabasse com
a gente de uma vez por todas, talvez não fosse tão ruim assim.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: courier;">Volto-me para mim e sigo. Passo novamente pela cerca caída e
penso que a atriz de fleabag sempre se dá mal nas séries que ela escreve. Caminho
mais um pouco e logo chego em casa. Sinto saudades da Ana. Escrevo. Vou tomar
banho e te espero. Chega de notícias por hoje.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-family: courier;"> </span></o:p></p>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-60261367506820745902022-02-01T12:20:00.003-03:002022-02-01T12:20:56.267-03:00sobre despedidas, luto e elaborações<p>minha cabeça está explodindo. é depois de amanhã e eu vou junto, vou te levar, vou te deixar lá, mas é depois de amanhã que você vai embora. eu falei que queria que você fosse um passarinho e aprendesse a voar... bom, tô abrindo a gaiola, tô abrindo mão do controle, não que eu tivesse muita escolha... não é um favor que estou te fazendo, é só a vida chamando, mesmo que não seja da maneira que eu esperava porque também a vida caga muito pro que a gente espera dela... agora estou tendo que lidar com tantas coisas aqui dentro... com o ninho que vai se esvaziar e que vou precisar preencher de mim mesma. fui muito besta de achar que seria fácil, que eu estava preparada pra isso, mas é porque a gente nunca está preparado pra morte. é, sim, é uma morte. enquanto você crescia e mudava de fases - e eu já disse isso antes -, enquanto você deixava de ser um bebê pra se tornar uma criança, quando passava de criança a menina, de menina a menino, de menino a adolescente experimentadora... em todas essas fases, era como se tirassem uma pessoa e colocassem outra no lugar dela, porque um dia você já não era mais o meu neném, mas ainda era lá dentro, só a aparência ia mudando e você ia criando camadas, novos contornos de si, novas formas de ser mais um pouco, de se tornar e foi se tornando, se modificando... eu sentia que te tiravam de mim, mas colocavam outra no lugar e eu não notava porque você continuava aqui, debaixo da minha asa de galinha cacarejante, mesmo quando você já estava percebendo que as suas asas batiam nas paredes de casa, que estava ficando pequena pra você porque o limite da ave é o céu; só esqueceram de falar isso pra mãe dos pintinhos, passarinhos, avezinhas - me coloquei como galinha porque me parece mais maternal do que uma passarinha qualquer, abstraiam a mistura dos seres de penas.</p><p>daí vem a morte, porque um pedaço meu vai indo pela vida. foi ela que foi mudando você, mas fui eu que cuidei de você enquanto ela te mudava diante dos meus olhos cotidianos que não se apercebiam de que esse dia iria chegar. o dia em que você vai voar sozinha e que eu vou me encher de vazio de não te ter mais aqui. dia em que vou me encher de culpa porque se você falhar diante da vida - e você vai, porque ninguém consegue ser um sucesso o tempo todo -, isso vai mostrar pro mundo que eu não fui uma boa mãe, que eu te criei errado, que eu não dei tudo o que poderia ter dado, que eu não fiz tudo o que poderia ter feito, que eu sou um fracasso na tarefa mais difícil de todas que é criar um ser humano e há bilhões deles por todos os lados, criados e se criando. a gente se ajeita como pode e eu preciso aceitar que não poderia ser perfeita, porque nunca fui perfeita em nada, nada. nunca fui o destaque de porra nenhuma, daí o normal é que também não fosse uma mãe perfeita. eu fui a mãe possível. fui a mãe que deu pra ser porque apesar da grande responsabilidade do papel, eu não sou só mãe; tenho outros papéis. sou uma pessoa e foi assim que consegui dessacralizar a minha mãe. vi que a minha mãe tomou decisões na vida primeiro considerando-se uma mulher e depois levando em conta o papel de mãe; depois levando em conta que, na bagagem, sempre levaria dois filhos.</p><p>ser a mãe possível é ser a mãe que faz merda, mas que está sempre tentando acertar. claro, a menos que você seja uma psicopata, você nunca vai foder o mental dos seus filhos de propósito. essas coisas são acidentes de percurso; são coisas que acontecem quando a gente trabalha com o que tem, com as ferramentas de que dispõe, dando o amor que a gente recebeu ou não. eu sou a mãe possível que há quase 16 anos em terapia tenta não reproduzir o padrão da minha própria mãe, embora me veja igual a ela em tantos momentos e procure me distanciar disso; isso é um pouco como enxugar gelo porque ela está em mim, por mais que eu negue, por mais que eu tente ir pra longe. a gente se separa no físico, mas no campo subjetivo é um pouco mais difícil. a questão é que agora se trata do meu papel de mãe.</p><p>nesse papel, junto com todos os outros, fico com a sensação de que não fui muito boa em nenhum deles. me desmereço por um lado e me acho muito foda por outro. será que um dia você vai perceber que eu fui muito foda dentro das minhas possibilidades de ser foda? ou será que você vai me culpar pra sempre por todas as faltas e traumas e questãs que existiram, existem e existirão? é muita responsabilidade... é como se no momento em que for pra vida, não só você, mas eu também serei colocada à prova. a vida manda as questões, dizendo: vamos ver se a Karla foi uma boa mãe ou uma mãe de merda? e se você falhar, isso atestará minha incapacidade como mãe. bom, incapaz ou capaz, consegui fazer você chegar até aqui... e, não, isso não é o suficiente, mas nunca nada é o suficiente, então dá pra eu ficar em paz, mesmo lutando contra a ambivalência da maternidade, a ambivalência do amor, a ambivalência minha e a sua em relação a mim.</p><p>talvez confiar em você, no seu potencial e em toda a sua capacidade de adaptação seja difícil porque eu acho que não consegui te ajudar a desenvolver tudo isso satisfatoriamente. tenho medo de não ter te preparado, por isso tenho receio de te soltar. tenho medo que você fracasse porque isso seria sinal do meu fracasso e sei que isso é muito egocêntrico, mas é como me sinto. acontece que agora é que vem a oportunidade de ver na prática você sendo você, com o que pôde aprender comigo ou não, com o que pôde aprender com tudo o que já viveu; é a oportunidade de ver o que você vai ser capaz de fazer com quem você é, do jeito que é, que está. existem tantos jeitos e maneiras... são tantos os caminhos e quantas as escolhas... que você faça as melhores escolhas, que tenha as melhores experiências, isso é o que eu desejo. que você sempre se lembre que decidir por algo é abrir mão de todo o resto. e que escolher ou não escolher tem consequências, tudo tem. ainda assim, que você se lembre de que decisões podem ser revistas, que acordos podem ser mudados; que apesar de não saber como a vida vai te tratar, não tenho dúvidas da sua bondade, da sua sensibilidade, do seu talento, da sua entrega e da sua inteligência. não permita que te desrespeitem, que te machuquem... olhe sempre pra você primeiro; os outros vêm depois. isso não é ser egoísta; às vezes, isso só quer dizer que você não é otária. vai dar tudo certo, mesmo que de vez em quando dê errado. a vida é safada mesmo e tá sempre brincando com a gente, do jeitinho estúpido e prosaico que só ela tem. com o tempo, você vai se familiarizando.</p><p>no mais e pra sempre, te amo.</p><p><br /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhqomBXw1nNrLrviMcZbrLoUpBw0Wtzogvk7QQZgnrpFJRq0rsx_UMXZBinLoPSarRV2sLBQuJjIRDsOEGuPR_8CgmZ62V9VPTimsrXE17lFE6g88pKcppZrJ28kIpaTwEq7sVDzK0VoOARH1KhBufuMSNaxjPCa7Vgkiy_qXAN4Rye-jaKpiSuPKI=s2715" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2221" data-original-width="2715" height="407" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhqomBXw1nNrLrviMcZbrLoUpBw0Wtzogvk7QQZgnrpFJRq0rsx_UMXZBinLoPSarRV2sLBQuJjIRDsOEGuPR_8CgmZ62V9VPTimsrXE17lFE6g88pKcppZrJ28kIpaTwEq7sVDzK0VoOARH1KhBufuMSNaxjPCa7Vgkiy_qXAN4Rye-jaKpiSuPKI=w497-h407" width="497" /></a></div><br /><p><br /></p><p><br /></p>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-8352961192056144912022-01-13T10:58:00.001-03:002022-01-13T13:13:01.486-03:00sobre tirar vícios e colocar outras coisas no lugar deles<p>faz 55 dias que parei de fumar; não parece muito porque fumei durante mais de 7.500 dias da minha vida. o negócio está desbalanceado por enquanto, mas confesso que estou bem. tenho fugido de escrever sobre isso não porque está sendo difícil, é porque eu não sabia exatamente como seria estar aqui, digitando, sem um cigarro comigo. então eu digo: estou mais preocupada com o fluxo das ideias do que com o cigarro. ele me trazia um senso de continuidade, parece que tudo fluía melhor com um cigarro entre os dedos. eu já falei sobre isso em diversas ocasiões, mas o fato de eu ser asmática, sedentária e fumante não era algo que me favorecesse até então e menos ainda me favoreceria conforme os anos fossem avançando. este ano completo 38 e, apesar de perceber que estou derretendo com o passar do tempo, gosto da ideia de envelhecer - embora o que vem embutido nela (a morte) não me agrade muito.</p><p>por ter medo da morte, por não querer ficar doente, por não querer sofrer e por não querer ficar dependente de alguém em razão de uma enfermidade, já vinha considerando parar - sem fazer absolutamente nada pra isso. Continuava fumando em média um maço de cigarros por dia, tendo crises eventuais de tosse, falta de ar durante a madrugada, sentindo forte as mudanças no clima tanto pelo combo rinite/sinusite, quanto pela junção asma/cigarros, mas estava lá, abraçada nele. ai, que sempre fomos tão amigos... escrevi sobre nossa intimidade <a href="https://karlakoerich.blogspot.com/2009/08/o-amigo-mais-perigoso.html" target="_blank">aqui</a> e <a href="https://karlakoerich.blogspot.com/2011/10/parei.html" target="_blank">aqui</a>. por gentileza, considerem que o primeiro texto é de quase treze anos atrás, tempo em que eu era uma verdadeira imbecil. gosto de como ele se inicia, mas depois descamba pro senso comum de gente otária. ainda bem que os anos passaram.</p><p>tirando tudo pelo que passamos juntos e toda a consideração que tinha por ele, eu não o deixei fazendo um esforço grande e, talvez, possa dizer que trapaceei no jogo de largar o vício, uma vez que tive ajuda para isso e nem me dei conta. vejamos, no ano passado, reencontrei o amor. senti-me feliz e leve de uma forma que não imaginava ser possível. a vida foi correndo descontrolada, não porque estivesse negativamente indomável, mas porque eu só não quis segurar as rédeas pelo caminho. claro que essas coisas não acontecem sem medo, e ter iniciado a análise no começo do ano foi me dando segurança para o fato de que pouco temos controle do que é externo a nós, mas ainda estou praticando esse fato, tornando-o palpável dentro da minha realidade. bem, depois do arrebatamento feliz, senti que apesar do amor, estava sem energia, um pouco estuporada, como se tivesse um interruptor que me ligasse e que me desligasse quando na presença dele ou não.</p><p>diante da sensação instigante de estar feliz e amando e, ainda assim, não ter muita energia para as outras demandas da vida, numa consulta com meu psiquiatra, falei como me sentia e perguntei se não poderíamos fazer algo. ele aumentou a dose do meu remédio, que ainda era de início de tratamento, embora já o tomasse havia mais de um ano. aos poucos, a nova dosagem foi se colocando e dois meses depois, sem que eu atribuísse isso ao remédio, fui fumando cada vez menos (o medicamento que tomo também é usado por pessoas que querem parar de fumar, mas a minha dosagem nunca havia influenciado no vício até então). de um maço diário, passei a fumar três cigarros por dia e passava outros dois sem fumar. sem esforço, sem fissura, sem sofrimento, sem me dar conta. eu simplesmente não sentia vontade de fumar como antes.</p><p>assim estava, até que no dia 19 de novembro, meu outro vício - em redes sociais - teve uma utilidade prática na minha vida. exercitando meus dedos rolando o feed infinito na tela, vi uma postagem que dizia que a indústria tabagista usava animais - cães, gatos, camundongos, coelhos, porquinhos da índia - para fazer testes. o que fazem é basicamente tortura, como colocar uma máscara com fumaça de cigarro na cara do bichinho e fazê-lo inalar essa merda por dez horas diárias para verem o que pode causar. sabe o que pode causar? pode causar câncer, filhos da puta! milhões de imbecis como eu, fumam e sabem exatamente dos riscos que correm, então fiquei indignada de saber que torturam os bichos para descobrir os males que o cigarro pode causar! e já não sabemos?! fiquei puta com toda essa patifaria e disse que não compactuaria mais com essa merda. disse a mim mesma que não colocaria mais um cigarro na minha boca, não sem antes chorar a ponto de soluçar vendo a foto do cachorro com uma venda nos olhos e máscara no focinho inalando fumaça.</p><p>eu sei que isso pode soar muito hipócrita da minha parte, uma vez que como carne e não quero entrar nesse mérito. eu sei que pode soar extremamente individualista a minha decisão ter se baseado no fato de eu ter imaginado que poderia ser meu gatinho mais novo, o Suri, naquela situação - porque sempre imagino meus gatos em todas as situações, boas e ruins -, mas também me compadeço por todos os outros animais, apesar de ainda comê-los e, sim, somos contraditórios, precisamos aprender a lidar com isso também. a questã é que desde aquele dia, não fumo mais. já estive em várias ocasiões cercada por fumantes e fiquei bem, sem tremeliques, sem lições de moral, sem bancar a ex-fumante chata porque cada um sabe de si e, eu, sabendo de mim, estou muito melhor sem o cigarro.</p><p>falta-me agora instaurar um vício saudável, liberador de endorfinas que me torne uma pessoa ativa e tudo o que o meu recalque não permite que eu admita. consegui me livrar do cigarro, mas ainda não consegui me livrar da persona fumante; ainda acho que "perco" em aura de mistério por não fumar; minha adolescente interna ainda acha que fumar é cool, mas a Karla adulta pensa que cool é não ter enfisema pulmonar, que cool é subir escadas sem colocar os bofes para fora. enfim, muitas habitantes minhas têm opiniões diversas sobre parar de fumar e sobre deixar de ser quem eu era quando fumava e isso envolve anos e anos não só de vício, mas também de armaduras que me serviram, de atitudes que me preservaram, de momentos e situações em que o cigarro foi mesmo um amigo, mas ser adulto é fazer o que nos faz bem, mesmo que a gente não queira. mesmo que a minha adolescente tenha uma crise porque muito da nossa identidade se forjou em cima de uma carteira de cigarros e de tudo o que ela representava pra gente. </p><p>parar de fumar é também deixar ir, é calar, é adormecer, é talvez matar muitas vozes dentro de mim, vozes que só querem prazer a satisfação, vozes que não veem consequências, vozes que não se importam com o que fazem comigo porque não sabem distinguir certo e errado; isso poderia caracterizar meu id, mas serve perfeitamente para denotar um comportamento de adolescente desvairado. eu já fui essa adolescente. eu já fui a menina insegura que com um cigarro na mão adquiria superpoderes: o de ser notada, de ser segura, de ser adulta, de ser sensual e misteriosa. lindo! me serviu por muito tempo, me ajudou incontáveis vezes a me sentir melhor comigo mesma. mas o cigarro não pode me definir porque, com o passar dos anos, eu me fiz notar, me senti segura, cresci e fui interessante e sensual e todos os adjetivos positivos que me cabem não graças ao cigarro, mas apesar dele. eu fui tudo isso porque sou tudo isso. os anos me deram isso. todas as coisas boas e todos os acontecimentos majoritariamente cagados da minha vida me fizeram ser essa mulher incrivelmente foda que eu sou e o cigarro estava ali do ladinho, mas não foi por causa dele que vivi nenhuma dessas experiências. sou eu, e todas as várias da minha mente que me trouxeram até aqui. sou tantas que os outros não veem e sou muitas mais que nem conheço, mas algumas delas, deixo ir, e quando elas se vão é porque outras já surgiram e, assim, seguimos.</p><p>bebam água.</p>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-78369387514721705782021-11-04T14:17:00.000-03:002021-11-04T14:17:54.958-03:00sobre os primeiros 18 anos<p>finalmente chegamos neste dia. agora você tem a idade que eu tinha quando engravidei de você. muito longe de almejar que padrões se repitam, penso agora em como somos diferentes, em como você está sendo diferente do que fui na sua idade... e é assim que tem que ser, ainda bem. as vivências não foram iguais, mas também foram porque falar de ser mãe compreende igualmente o papel de ser filha. as mulheres que nos tornamos. eu ajudei a te forjar e você a mim. uma moldando a outra sem formas terminadas. de todas as coisas que eu disse que não faria e fiz, de todas as coisas que não fiz e disse que faria como mãe, uma tenho certeza que se manteve: a de criar você pro mundo. </p><p>nunca te quis pra mim, dentro de uma caixinha, porque a sua caixinha é muito grande. não tem bordas, muros, tampas nem limites. a sua caixinha é lá fora. vai pro mundo, filha. sei que, por enquanto, ainda estás aqui, debaixo das minhas asas, mas sei que logo esse passarinho voa; está cada vez mais perto desse dia. quando ele chegar, eu espero que você saiba que, por mais que a vida lá fora não seja nada fácil, sempre terás um ninho pra te acolher durante as tempestades. te amo. feliz 18!</p><p><br /></p>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-60993361494633606922021-09-17T17:36:00.000-03:002021-09-17T17:36:22.377-03:00sobre a reza e o sonho<p>eu não acredito muito, ou melhor, não acredito nada, mas ainda tenho um pouco de medo. alguns dos trechos me fazem sentir boba, parece até que estou contra meus princípios. ainda assim, continuo ouvindo, adaptando mentalmente para as ideias que fazem sentido para mim... e não é que venho percebendo alguns movimentos dentro do meu emaranhado? </p><p>meus sonhos estão falando comigo, talvez mais alto do que antes, e tento entendê-los. eu sou a casa, eu sou mãe com o tiro na testa, eu sou a filha pequena e o irmão cuidadoso. sou também o filhote de gato com duas carinhas e a cobra que tenta me dar o bote. </p><p>não pronta ainda, e nem sei se por isso, mas tenho tido um pouco mais de vontade de estar aqui, escrevendo. </p>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-26195716462832816612021-08-02T23:15:00.001-03:002021-08-02T23:15:48.052-03:00sobre os sons que fazemos e as viagens que sonhamossabe a postura? tenho que corrigi-la. coluna ereta, cabeça encaixada, queixo levemente pra cima, peito pra fora e barriga pra dentro. daí, deito de ladinho porque é a posição mais gostosa e confortável e fico com os ombros encolhidos, toda torta, com a cabeça mal posicionada, mais baixa do que deveria; o pescoço em ângulo ao invés de bem retinho... ui ui ui, murmuro de dor, ouço estalos de vários ossinhos, de várias partes... tento encontrar o conforto no travesseiro mexendo a cabeça, meio que me aninhando, miando baixinho enquanto te dou boa noite.<div><br /></div><div>cabeça com cabeça; não pode haver um buraco entre os travesseiros porque elas rolam pelo macio durante a noite, nos sonhos, enquanto estamos cada um no seu universo inacessível, mesmo de mãos dadas, mesmo juntos nos despedimos na hora de dormir, porque nesse momento cada um vai pra um lugar, que nunca sabemos onde fica, nem com quem vamos nos encontrar. mesmo lado a lado, nos deixamos. outro dia, pegamos um avião e fomos para a China. caminhos e caminhos para chegarmos até o aeroporto. depois, malas e guichês; escadas rolantes e salas de embarque. nos meus sonhos os aviões têm um quê de ônibus espaciais... voamos e chegamos ao destino. muitos turistas, ruas cheias e paisagens novas. eu busco por um perfume; estou sempre atrás de um cheiro a mais para a minha coleção de lembranças.</div><div><br /></div><div>o sonho acaba porque acordo. volto da minha viagem; você, da sua. dessa vez, me lembrei, mas nem sempre sei para onde fui ou o que aconteceu. fica ali, perdido na viagem inconsciente. às vezes, no meio do dia, alguma coisa corriqueira que acontece traz à tona e me recordo. é como um déjà vu. a coluna estala, a escápula dói. nos olhamos, nos cumprimentamos, perguntamos como foi a noite; o sonho impenetrável até pra gente mesmo. penso nos grunhidos que faço quando me espreguiço feito um gato; penso nos gemidos gostosos que dou quando como uma comida muito boa. </div><div><br /></div><div>nos levantamos e tomamos banho. tomamos café. nos despedimos porque é só segunda-feira ainda. suspiro quando você vai embora. volto à sala de embarque que é a minha cama, pensando que poderia viajar novamente, mas a vida urge porque é só segunda-feira ainda. último dia de férias; gemo.</div>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-85317591546150748572021-05-29T00:56:00.002-03:002021-05-29T01:30:22.829-03:00sobre a abertura do amor<p>quando era criança, e durante a adolescência também, sempre que eu tinha uma dessas crises de riso entre amigos, pela razão que fosse, se minha mãe estivesse por perto, ela dizia: "quem ri muito num dia, chora no outro". introjetei a frase em mim de tal forma que mesmo quando não havia a presença dela, eu sentia um pouco de medo e até de culpa por rir, por me divertir, por me sentir feliz. achava que o evento infeliz que me faria chorar seria na mesma proporção da felicidade. pensava lá no fundinho que não poderia ser muito feliz porque a dor viria logo em seguida.</p><p>digo agora que é muito ruim pensar desse jeito, é muito limitante acreditar por qualquer motivo que não somos dignos de alegria porque a tristeza vai tomar o seu lugar em algum ponto. é muito injusto sentir remorso porque a vida equilibra o caminho com um pouco de cada emoção. eu sou experiente com a dor, com o vazio, com a apatia, com a raiva. eu sou muito familiarizada com grandes mergulhos em mim mesma, nos quais perco a perspectiva e me afundo em tristeza e falta de sentido. sendo hoje um momento distinto, enxergo as palavras que escrevo pensando: mas já doeu tanto assim? olhando pelo vidro que agora é translúcido, talvez eu veja que não havia razões pra ter doído tanto, ainda assim, foi como me senti e não vou invalidar meu sofrimento.</p><p>fato é que sempre me entreguei mais ao que me combalia do que ao que me enternecia. criei casca, couraça, camadinhas de acidez e azedume. deixei de lado o otimismo pueril e as gargalhadas nonsense pra me tornar uma criatura de olhar niilista e conformada com as objeções que eu achava que a vida fazia a minha pessoa. ser feliz, assim, como algo perene, foi se mostrando como um cenário cada vez mais distante pra mim. ninguém é feliz o tempo todo; temos momentos de felicidade intercalados com o mecanicismo da vida, com as funções, demandas, tarefas. a gente bebe no final de semana e faz de conta que está tudo bem pra aguentar a próxima semana e assim a vida segue até acabar um dia, eu pensava.</p><p>não era absolutamente ranzinza e tenebrosa o tempo todo, desde que não tomassem como primeira impressão a minha cara que, por natureza, é mais fechada. pareço emburrada, séria, mas por debaixo de toda essa capa, das máscaras todas que tive de aprender a usar, ainda havia - e há - a menina, aquela da infância a quem abraço de vez em quando, aquela que coloco em meu colo e a quem digo que amo e que está tudo bem, que vai ficar tudo bem. às vezes, consigo enxergar em mim também a adolescente, aquela com grandes sonhos e prospecções, excitada com as promessas da vida. elas continuam todas aqui dentro, junto com muitas outras a quem já dei ouvidos em circunstâncias diferentes de todo o meu percurso.</p><p>aqui, onde me encontro agora, e isso é só mais um momento, tenho me percebido feliz, feliz, muito feliz! tenho vontade de correr pela rua gritando, arrebatada por tudo o que estou sentindo. isso vem da minha capacidade de amar, de trocar, de compartilhar, de me permitir; todas habilidades que estavam acumulando pó dentro do coração vazio e inquieto. isso tudo sou eu, mas como nunca estamos sozinhos - apesar de que, sim, estamos sozinhos o tempo todo -, as nossas potencialidades se mostram e se expandem quando estamos em relações, quando nos colocamos em relação a alguém/alguéns. eu disse <a href="https://karlakoerich.blogspot.com/2020/12/sobre-estar-aberta-ser-fodida-pela-vida.html" target="_blank">aqui</a> que estava aberta a ser fodida pela vida, desde que fosse com amor e, bom, ela tem sido muito generosa comigo. o final do verão me desabrochou pra sentir novamente. desencantei do impossível, do inalcançável.</p><p>atraquei meu barquinho em um porto-seguro muito diferente de todos os portos pelos quais já passei. é muito difícil, pra mim, elaborar em palavras, mas eu sinto. é um caldeirão com sopa densa, perfumada e parece que nele estão contidas todas as emoções e os sentimentos mais bonitos que já provei. as coisas sempre aconteceram assim comigo: quando eu menos esperava, ou quando já não esperava por mais nada, a vida vinha e me trazia presentes. eu os abria com grande entusiasmo e achava que seriam meus pra sempre, mas sempre não existe e, quando ela os tirava de mim, eu sofria agarrada às ilusões do controle. então, sem nenhum planejamento, ela me presenteou de novo e é como um ovo de páscoa recheado porque não há só uma surpresa. a delícia vem com mais delícias! a pessoa vem com uma pessoa que, por sua vez, vem com mais uma pessoa e a relação se dilata, cresce. é <i>Bárbara</i> a possibilidade de juntar as nossas malinhas e mochilinhas e colocá-las todas para viajar. tirarmos de dentro delas nossas vivências, nossas impressões, nossos sentimentos e sermos capazes de partilhar, de trocar, de dar e de receber.</p><p>é recente, só que não se trata de tempo; trata-se de intensidade, de transparência, de respeito, de abertura. trata-se de carinho, de cumplicidade, de descoberta e de curiosidade pelos outros. trata-se de admiração, de honestidade e também de liberdade. eu não tenho a menor ideia de pra onde toda essa experiência vai nos levar, mas acho que ela resume o que as pessoas querem da vida no final das contas: a gente quer amar e sentir que somos amados, queridos, compreendidos, amparados junto de outras pessoas. as relações afetivas felizes reverberam para os demais âmbitos da vida e isso é fantástico! quanto mais felizes nos sentimos, mais somos capazes de amplificar todo esse amor pra tudo o que está a nossa volta e, daí, a gente se multiplica no outro, daí vale a pena.</p><p>e é isso; estou besta, apaixonada, envolvida por tudo o que vem desse presente, da surpresa despretenciosa e do tempo em que a estou vivendo. é leve, é lindo e, pode ser que seja só um momento, mas agora ele é de verdade. </p>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-75470660824722202642021-04-30T18:13:00.003-03:002021-04-30T18:18:52.152-03:00sobre o estranhamento da felicidade cálida<p>a despeito de tudo o que está acontecendo lá fora, aqui dentro parece que os habitantes estão se acomodando, sem impaciência, sem urgência. parece que se olham entre si e caminham para onde acham que é o seu lugar, sem medo de que o lugar não lhes caiba; assim estão se assentando. não se cobram, não me cobram. eu os observo e eles se veem observados, mas não se importam; seguem o caminho que acham que devem seguir. pode soar estranho, mas estou me sentindo feliz. </p><p>depois de um período soturno, angustiante e letárgico, é como se a vida tivesse voltado a um compasso acertado, daqueles que não são eternos, em que se juntam pequenos momentos febris e leves, daqueles que não queremos que passem, mas já se foram. a beleza do compasso certo é que ele mantém o caminho aberto pra que esses lampejos se repitam, e assim tem sido, desde que me deixei levar, desde que soltei a corda, desde que deixei o controle daquilo que não me cabe. é uma boa maneira de se agir e, pode soar estranho, mas estou me sentindo feliz. </p><p>e isso quer dizer muito, porque sinto como se a felicidade fosse clandestina, escondida da tristeza, das cicatrizes; é como se fosse uma traição à dor que sempre foi mais presente e mais familiar. o excesso de tristeza e de apatia, em algum momento, causam náuseas, cansaço mesmo de senti-las. a mente pensa demais e pouco age; o torpor também cansa. fico cansada de estar cansada. cansada de me sentir infeliz; então corto os laços com a dor, com parte da história. quero tecer novas redes, criar novos enlaces com tudo que queira se envolver comigo. eu quero e, pode soar estranho, mas estou me sentindo feliz.</p>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-25185751302687844022021-04-09T23:01:00.001-03:002021-04-09T23:01:10.308-03:00sobre bater e apanhar<p>essa semana eu disse ao meu analista que não gosto quando ele se atrasa pras nosssas sessões porque isso me deixa ansiosa. às vezes, eu acho que não tenho nada a dizer, mas semana a semana, tenho vomitado mais. são golfadas que saem de mim e que gosto de compartilhar com ele. disse a ele que lhe conto tudo que conto à Thaz, que temos a mesma interlocução, com a diferença de que ele é um homem me ouvindo. é claro que ele não me diz o que diria um amigo, mas falo pra ele coisas que não diria a um amigo homem, e é um tanto libertador saber que posso lhe contar qualquer coisa sem medo do que ele pensa de mim - e ele deve pensar - mas é aí que está a libertação, foda-se o que ele pensa a meu respeito porque nem eu estou ali pra agradá-lo e nem ele está ali pra me julgar; parece uma troca bastante justa. eu pago para que ele me bata subjetivamente. em toda sessão levo alguns tapas, chacoalhões. a análise te estapeia, desestabiliza, te faz ligar pontos e fazer conjunturas que você não imaginava serem possíveis. "é preciso sair da ilha para ver a ilha". isso é sempre um deleite e uma dor. há momentos em que começa como uma dor e que depois se transfiguram em alívio, em confusão, em questionamento...</p><p>dito isso, volto aos tapas, ao ato de bater e de apanhar, à sensibilidade de quem bate e de quem apanha. há, claro, dias e dias; são todos distintos e imprevisíveis, mas no geral, gosto de apanhar. não me entenda mal você que, por ventura, lê isso. gosto de apanhar, mas não deliberadamente. se você simplesmente virar a mão na minha cara, é provável que eu vire na sua de volta; mas se eu peço que me bata, então me dê o seu melhor tapa. ele pode começar tímido e ir se revelando em uma crescente de som e vermelhidão. eu gosto quando sou eu quem pede e, se sou eu que peço, isso me faz jubjugada ou dominadora? não sei dizer, talvez seja uma miscelânia e é o que somos, não é? um pouco de muitas coisas.</p><p>deixar-se vulnerável para apanhar e sentir de fato o que a dor suscita. raiva e tesão. vontade de revidar, mas de continuar no papel. me vejo no espelho refletida e me sinto linda nesse personagem, me vejo brilhando, regozijada, mas só é assim porque é o que eu quero, quando quero, na intensidade que quero, no momento em que quero, dentro do espaço da experimentação. eu me experimento. fora dali, sou mole, besta, sensível e, por vezes - muitas - também sou tudo isso no mesmo espaço. na pausa da exaltação, me faz uma massagem com as mãos leves, não me aperta, não me puxa, não me bate porque eu não gosto. eu fico roxa fácil e você pode me deixar roxa, mas só se eu pedir. olha no meu olho; eu gosto de ver. me dá "oi" e me olha, me come só assim, com os olhos e depois me come do jeito que quiser. fala o que quiser, mas não me pressiona. fala o que quiser, mas não fala o tempo todo. fica quieto, mas não pra sempre. </p><p>faz como quiser, mas também me segue; faz como quiser, mas então fica parado porque é o que eu quero. me beija e depois deixa que eu te beije. beija a minha mão e deixa que eu lamba os teus pés porque é o que eu quero, de cima abaixo. isso raramente acontece comigo, mas agora não sei como terminar o que comecei. então é isso; acabou.</p><p>p.s.: em todos os âmbitos da vida, apanhamos. a vida bate com força e sem permissão mas, quando se tratar de outra pessoa, tudo pode ser, inclusive nada, se você não quiser. consentir ou não, essa é a chave. o limite é o que se dá. não se ultrapasse.</p><p>p.s².: não sou a pessoa que bate; não gosto de bater. talvez não goste porque, apesar de bater ser exercer uma ação sobre o outro, só o faço se for obedecendo a um comando e eu não gosto de obedecer ordens; não gosto que mandem em mim. é contraditório que o que poderia ser visto como um ato de dominação sobre o outro, pra mim, seja visto como submissão e eu não tenho problemas em ser submissa, desde que isso seja a tônica do momento e não uma submissão travestida de dominação - porque sou eu quem bate, mas só bato porque você manda, então me submeto -, eita, que eu achava que tinha acabado, mas está indo longe... aí está! ao mesmo tempo em que gosto de dominar, gosto de ser subjugada, tudo junto, tudo ao mesmo tempo e na minha cabeça isso funciona muito bem; na prática também, não posso me queixar.</p>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-62502761535499078762021-03-29T23:09:00.001-03:002021-03-30T17:15:07.967-03:00sobre a morte e os sentidos<p>eu não iria escrever hoje, mas a verdade é que nunca sei quando vou querer. às vezes penso em algumas coisas que me transbordam e sei que elas só fariam algum sentido se eu as escrevesse. se fazem sentido ou não quando viram palavras, não posso afirmar com certeza - aliás, a certeza não tem feito muito parte do meu vocabulário e talvez isso seja bom, não sei é só o que sei; que não sei de nada. não saber pode parecer libertador por um lado, mas por outro é só desespero. ando sobre a linha que separa uma coisa da outra. sinto as duas ao mesmo tempo, mas ainda consigo distingui-las, o que causa um pesar na liberdade e uma leveza no desespero. a vida fica agridoce, mas acho que ela é assim mesmo a maior parte do tempo.</p><p>não tinha colocado os pés para fora de casa hoje, até que os cigarros acabaram. eles são um grande motivador de procura da rua. lá vou eu então. satisfeita em ir de livre vontade buscar por algo que acaba comigo. até quando? eu digo que serei uma pessoa melhor, mas continuo comendo cigarros. o curto passeio pela noite é gostoso. o clima está agradável depois da chuva e, na volta, sinto uma vontade passageira de ir ao cemitério, mas desisto porque já me surgia a vontade de estar aqui, escrevendo.</p><p>penso na morte e daí percebo que penso nela todos os dias e isso não é ruim. penso que preciso fazer um testamento vital porque as pessoas só escolhem quem vai ficar com o quê no caso da morte, enquanto estão vivas e, como ela tem nos rondado tão corriqueiramente, acho que é acertado pensar nos seus detalhes. ainda vou escrever algo elaborado e minucioso. um inventário de coisas que significam algo para mim e, bom, isso não quer dizer que quem continuar vivo depois de mim vai querer as minhas quinquilharias, mas é porque não quero ser esquecida, quero continuar viva mesmo depois de morta e só consigo isso se as pessoas se lembrarem de mim.</p><p>alguns pontos mais amplos: quero doar meus órgãos, o que for possível - não sei o quão estragada estarei quando ela chegar; quero ser cremada, mas ainda não sei que destino quero que deem às minhas cinzas... não sei se quero ficar na estante da sala, se quero ser dividida entre entes queridos, se quero ser jogada no mar ou em algum lugar bem bonito... pensando agora, não sei se tenho um lugar preferido onde gostaria de ter minhas cinzas espalhadas... é algo a se pensar. quero criar uma playlist com as minhas músicas favoritas para que sejam tocadas no meu velório. quero deixar uma grana reservada só para os comes e bebes desse dia. não quero ser cremada na pressa, no mesmo dia, nada disso! quero ser celebrada. quero a galera comendo pizza e dizendo enquanto choram: a Karla adorava pizza! =~~ quero ver a galera enchendo o caveirão de álcool e falando: vou sentir falta dela... =~~ quero ver a galera comendo um pudim de leite e entre uma colherada e outra reclamar: o pudim que a Karla fazia era melhor do que esse =~~ vocês vão chorar porque é claro que uma pessoa encantadora como eu fará muita falta ao planeta, mas eu quero que chorem enquanto comemoram o fato de eu ter existido um dia, sabe?</p><p>por favor, não me interpretem mal; eu não quero morrer, mas já que esse é o destino que espera por todos nós, quero que a minha despedida seja feita do meu jeito e acho que todo mundo deveria pensar nisso também, porque de alguma forma dá um norte pra quem fica e como a morte em si já é tão dura e triste, como a perda abrupta de quem a gente ama já é foda o bastante, fazer o que a pessoa queria é um gesto também de carinho, vocês não acham? eu me esqueço de que estou falando comigo mesma, mas todas as minhas inúmeras moradoras concordam comigo e isso basta.</p><p>no fim de semana passado fomos assistir ao sol nascer na praia. a última vez que tinha feito isso foi no dia do meu aniversário no ano passado, e o sol sorriu lindamente comemorando o meu nascimento, mas era um dia frio. no domingo, quando fomos, havia chovido na noite anterior e o dia que nascia estava nebuloso no horizonte. o clima estava deliciosamente ameno, quase abafado, em um início de outono. o sol não brilhou em plenitude porque as nuvens o encobriram, mas indomável que ele é, surgiu alaranjado como um olho que pisca faiscante no céu, lindo. deus é o sol e isso é uma outra conversa. como o clima estava bom, fui checar a temperatura da água que, como eu havia imaginado, estava ótima! quase morna, propícia. o mar estava do jeito que é, falando pelas ondas, com a água transparente, mas salpicado de pequenas algas. ali ficamos por um tempo, cortando as ondas, sendo levemente arrastados, mergulhando e engolindo água em momentos desavisados. ficamos por tempo o bastante para a água entrar nos ouvidos, fazer arder as narinas e começar a assar os lábios com o seu sal.</p><p>parece que quanto mais pueril, mais significativo é o momento. ir à praia e tomar um banho de mar é das coisas mais satisfatórias que pode haver pra mim. é em ocasiões como essa que coloco mais um tijolinho no muro de sentidos da vida, da minha vida. isso é o que faz sentido, estar ali, assim como agora estou aqui, fazendo registro, querendo que toda a experiência caiba no que escrevo, mas não dá. a gente vive a experiência e puf! - já foi. as minúcias evanescem, mas a sensação permanece e talvez isso seja o suficiente para manter o sentido aceso, válido, quente e possível.</p>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-4470050252424122332021-03-22T21:53:00.002-03:002021-03-22T22:01:08.565-03:00sobre não haver garantias<p>joga fora o que tinha escrito antes, apaga. tudo confuso, emaranhado. é complicado explicar a ansiedade que não é a mesma da pessoa que vive em constante estado de alerta, não é disso que tô falando. não acho que vou infartar ou morrer, mas meu coração está aos saltos dentro do peito. o estômago congelado, difícil de ligar os pontos entre as vísceras. não estão concatenando as sensações. odeio não conseguir expressar. - fala! - eu penso, mas não sei o que dizer. oscilo entre a aflição e um breve estado de plenitude. não sei se o chão se abriu sob os meus pés ou se fui eu que subi em um altíssimo prédio e me joguei, mas sinto que estou em queda livre. não sei quão perto estou de chegar ao chão de novo, mas sinto algum conforto de saber que não posso ultrapassá-lo uma vez que nele esteja; esborrachada talvez.</p><p>quem sabe seja sempre como um passeio em uma montanha-russa. você vê o brinquedo no parque e ele parece ser o mais excitante entre todos. todas as subidas, descidas, loopings e curvas. você, então, entra na fila e descobre que ela é grande, exige espera, paciência e, enquanto sua vez não chega, você fantasia e já sente toda a sorte de reviravoltas na barriga. quando você percebe que é o próximo, pode pensar em desistir da aventura ou pode escolher sentar no primeiro carrinho. vai da coragem do passageiro. enquanto você sobe bem devagar e protegido em seu assento, pensa que nunca deveria ter sentado nele, na medida em que se vê cada vez mais distante de onde seus pés pisam. eu não falei, mas nessa montanha-russa, seus pés estão suspensos; você flutua e não sabe dizer se isso é bom ou não. </p><p>a subida é lenta e gradual e você quase para quando chega no ponto mais alto, quando em um milésimo de segundo, pensa: - hm, acho que poderia ficar aqui mesmo, não quero ir adiante e, apesar de muito alto, aqui não parece tão aterrorizante... antes que finalize a linha de raciocínio, você é lançado trilhos abaixo, em toda a velocidade, ao mesmo tempo em que tem a sensação de morte e de desespero, da total falta de controle porque você só está ali - não há como fugir e tudo, tudo, tudo e qualquer coisa pode acontecer, inclusive nada. quando você consegue se entregar às engrenagens do brinquedo é que entra na brincadeira, é que se satisfaz com ela. só quando você entende que está tudo bem é que consegue gozar e aproveitar o passeio, e é só quando o passeio termina que você percebe que poderia fazê-lo de novo, mais vezes, se seu coração aguentar. </p><p>montanhas-russas têm um risco calculado; são seguras. é fácil quando você sabe que mesmo sentindo todas as emoções ali, você vai sair inteiro no final das contas. a parte não divertida da vida é saber que andamos em montanhas-russas que foram construídas por outras pessoas quaisquer. ninguém é especialista em montanhas-russas. na vida, vemos os parques de todo mundo, andamos em carrosséis sem graça nenhuma; dirigimos carrinhos-de-choque, nos assustamos nos trens-fantasmas, nos empapuçamos com algodão-doce e maçãs-do-amor, mas o que a gente quer mesmo é dar uma volta na montanha-russa. a grande questão é que não há garantia de nada. se você vai chegar intacto no final do passeio, só saberá depois que ele começar. </p>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-46146475547110842972021-03-08T09:13:00.003-03:002021-03-10T09:19:26.663-03:00sobre não ter mais desculpas<p>quando eu era criança, lá pelos nove anos, eu era bem ativa nas brincadeiras da escola. adorava correr! a gente brincava de pega-pega e tinha até uma modalidade muito peculiar, acho que criada por mim mesma: elegia um colega de sala como Jason - o Vorhees, com a máscara e o facão, dos filmes, sabe? - e a brincadeira consistia em eu sair correndo gritando por socorro porque o Jason queria me matar. corria em círculos em volta da escola, desesperada... ah, a infância, essa época de ouro em nossa vidas! jogava queimada, brincava de cabra-cega, de esconder... até que ali pelos dez anos, tive uma crise de falta de ar na casa da Luiza, isso nunca tinha acontecido antes. Minha mãe me levou no doutor Kleber e fui diagnosticada com asma. nessa época não usava bombinha nem nada, mas fazia nebulizações com berotec que me deixavam com uma tremedeira do cão!</p><p>me lembro de uma crise em que precisei ir para o hospital várias vezes no mesmo dia, por conta da falta de ar. de repente, isso virou uma autorização para eu ser uma vadia. não podia correr porque sentia falta de ar. com doze anos, me lembro de uma outra crise feia em que fiquei na cama por uns dias, tamanho o cansaço pra qualquer atividade física. o Felipe, meu irmão, me levava até no banheiro porque eu sentia falta de ar no percurso. pronto. ganhei um atestado eterno para ficar imóvel em todas as aulas de educação física durante todo o resto do meu percurso escolar. na sexta série, ao invés de jogar com meus colegas, eu era dispensada e ia pro cemitério, que ficava do lado da escola, e ficava fazendo brincadeira do compasso em cima das lápides. meu fôlego se mantinha intacto com isso.</p><p>e assim foi, da sexta série ao terceiro ano. eventualmente eu fazia alguma coisa, mas nunca era obrigada e achava ótimo. idiota que fui. com dezesseis anos comecei a fumar e aí a merda se instaurou na minha vida. eu nunca mais tive crises tão sérias, mas depois de namorar um asmático, eu, que nunca tinha usado uma bombinha, comecei a usá-la, isso já com vinte e três, vinte e quatro anos. </p><p>depois de tanto tempo sedentária, várias foram as vezes em que me inscrevi na academia, fui alguns dias e depois nunca mais. não sentia nem vergonha de abandonar; sentia um pouco de vergonha de estar ali, gorda e desajeitada no meio da galera fitness que não é lá muito receptiva, ou pelo menos não eram naquele tempo. eu odiava as músicas, as pessoas, o ambiente em si; odiava tudo, mas talvez só estivesse mesmo com ódio de mim mesma e da minha falta de persistência. tá bom, academia não era pra mim. tentei natação, e só faltava colocar os bofes pra fora na piscina. fiz yoga, que gostava muito, mas as pessoas namastê também me incomodavam. fiz pilates e super curtia, mas achava muito caro pra tão poucas vezes na semana. tentei andar de bicicleta, mas três delas foram roubadas... enfim, vejam que eu sempre arranjava uma boa desculpa pra desistir e pra continuar me odiando por isso.</p><p>bom, corta pra uns quinze anos depois e cá estamos hoje. Karla, 36 anos, fumante, asmática e sedentária. os três maiores prazeres da vida? dormir, comer e foder, nessa ordem. quem me conhece sabe que dormir é o meu maior talento, no qual sempre fui bem sucedida, mas se eu quiser chegar aos quarenta, que estão logo ali na esquina, com alguma dignidade, preciso me mexer. por essa razão, parti para mais um investimento de peso, depois de uma esteira que virou cabide, depois de um simulador de caminhada; depois de uma enorme plataforma vibratória que virou um elefante branco na despensa, desta vez, meus empreendimentos de sucesso são uma estação de musculação e uma bicicleta ergométrica que comporão minha academia em casa. três andares de casa têm que servir pra alguma coisa afinal de contas.</p><p>estou ansiosa e animada e terei até um treino personalizado porque sou uma pessoa séria que tem um personal trainer. quero informar que os tempos de vadiagem acabaram para esta pessoa. tenho objetivo de ser musa fitness? obviamente que não, e por favor, se eu me tornar a pessoa que tira fotos dos momentos de "treino" e que escreve na legenda #tapago, me deem um tiro! mas, a despeito disso, minhas grandes pretensões são de fazer a minha bunda crescer e ficar dura e me tornar uma pessoa forte, porque apesar do tamanho, sou uma franga de fraca. não quero músculos, quero tônus, disposição, mais fôlego e mais movimento para a minha vidinha linda.</p><p>o cigarro vou parar eventualmente, calma que é uma coisa de cada vez!</p><p><br /></p>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-28455587145520207302021-02-16T22:40:00.004-03:002021-02-16T22:40:45.364-03:00sobre despedidas simbólicas<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJvkpBnpeKnVEzOeIIL0smLEWBQGkjBTVgmu4DRbuNAFRFF1Ej5fjFugN1ZhK-SCY_-42E9YyWjBYjwDPw20D-YJkQqGFdzV7CZ0h4AuP2BKfkWP2MVLR-4M3EErYm7CXSum1aeI9C9xQ/s4032/20210216_174330.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="4032" data-original-width="3024" height="453" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJvkpBnpeKnVEzOeIIL0smLEWBQGkjBTVgmu4DRbuNAFRFF1Ej5fjFugN1ZhK-SCY_-42E9YyWjBYjwDPw20D-YJkQqGFdzV7CZ0h4AuP2BKfkWP2MVLR-4M3EErYm7CXSum1aeI9C9xQ/w340-h453/20210216_174330.jpg" width="340" /></a></div><p><br /></p><p>são 22h01. cheguei em casa. estou levemente embriagada. depois de quase vinte anos, enterrei meu pai. não, ele não estava mumificado e entocado no meu guarda-roupas. ele já não existe há quase vinte anos. quando ele morreu, eu era mais nova do que a Ana é hoje e eu estava a milhares de quilômetros de distância. não participei da despedida. não tive escolha; soube da morte pouco antes do enterro. eu não sabia de nada, não entendia coisa alguma.</p><p>hoje enterrei meu pai simbolicamente porque senti como se fosse. morreu sua irmã mais velha, minha tia. ela tinha 88 anos. as pessoas da família do meu pai - e também da minha mãe - vivem tanto quanto as tartarugas de Galápagos. elas insistem em continuar existindo apesar do passar dos anos. não sei se terei toda essa gana porque viver cansa muito. ela foi velada e enterrada no mesmo cemitério que meu pai. eu o visitei. fumei um cigarro com ele enquanto chorava e conversávamos mentalmente.</p><p>minha irmã me avisou que ela tinha morrido hoje de manhã e eu quis ir ao enterro por consideração ao meu pai. tia Zélia era meio que sua mãe. ele era o caçula. eu sou a caçula. descobri que "destronei" um primo do posto de neto mais novo do meu avô. pedi desculpas a ele porque não foi a minha intenção nascer e fazê-lo descer do trono. descobri que sou a sexagésima sobrinha entre os filhos de todos os tios. eram quatorze filhos. as pessoas gostavam muito de se reproduzir nos tempos passados. a sexagésima e a última. sou a caçula entre eles também, mas bela bosta. nessa família gigante, ser o mais novo nunca trouxe nenhuma vantagem, meu pai que o diga.</p><p>foi pra mim como o enterro do meu pai e eu não sabia que encontraria lá todos os meus irmãos e a Lili. acho que isso ajudou na sensação de que era dele que eu me despedia. nossa pequena família nuclear ali, junta. doeu quando eu vi uma das filhas da tia Zélia se desfazendo em lágrimas quando o caixão deixou a capela. doeu quando o caixão subiu a pequena ladeira seguido de inúmeras coroas de flores muito bonitas, mas sem todos os seus representantes. não sei porque não estavam lá, não sei se já tinham estado, não me cabe nenhum juízo apesar de fazê-lo só pra mim. me doeu ver o caixão fechado sobre a lápide esperando para ser descido. imaginei meu pai dentro dele e senti nas filhas da minha tia a angústia de saber que entram no cemitério duas pessoas, mas que só uma delas sai de lá porque a outra fica. última morada, adeus. fica a carne e segue a lembrança. senti a dor de deixar meu pai ali, apesar de aquela já ser a sua casa há tanto tempo. foi a concretização de uma morte que eu não presenciei e doeu.</p><p>me consola um pouco saber que a vista é muito bonita. gente rica é enterrada com vista pro mar. apesar do dia quente, na hora em que o caixão deixou a capela, chovia uma chuva de verão, dessas a que já estamos acostumados e, entre céu aberto e nuvens densas, apareceu um arco-íris como tem aparecido nos últimos dias, mas os que ficam o olham e o enxergam com os olhos molhados de quem vê nisso o sinal de alguma coisa. meu pai morreu no começo do inverno - mesma estação em que nasci - e chovia naquele dia também. perguntei pro Calo se no dia em que ele morreu havia muitas pessoas no velório; ele disse que sim, que não havia onde parar mais carros no estacionamento do lugar, de tantas pessoas que havia. ele era querido. que saudade, pai. descansa. </p>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-89765706019215950992021-02-16T00:05:00.000-03:002021-02-16T00:05:19.187-03:00sobre a vizinhança à noite<p>eu estava escrevendo, então só quando parei foi que notei o bebê, do prédio em frente ao meu, berrando. o choro é desesperado e imagino qual a sua demanda. sono, fome, dor, fralda suja, birra... enquanto não desenvolvemos a linguagem de maneira articulada, a atenção sempre vem por intermédio de altos decibéis, pela potência da garganta. será que gritamos e urramos em algumas situações pela falta de melhor forma de nos expressarmos? será que regredimos? ou será que só somos?</p><p>vejo a silhueta de um vizinho no mesmo prédio, emoldurada pela porta da varanda, à meia luz. as luzes do meu quarto, de onde escrevo, também estão acesas e penso se ele também me vê e elocubra qualquer coisa a meu respeito. agora ele está sentado, não sei o que faz, mas a minha curiosidade não vai além do que posso ver.</p><p>o bebê que tinha parado de chorar, voltou. ele grita como uma gata no cio; é potente. sua dor reverbera, mas tento abstrair; não há nada que eu possa fazer para apaziguá-lo. será que um colo diferente ajudaria? será que um colo diferente pioraria? não sei.</p><p>olhar pela janela me lembra de todas as vezes em que transei de luz acesa e janela aberta durante a noite, na madrugada. não foram muitas, mas não sei enumerar quantas. na ocasião mais divertida em que isso aconteceu, minha cama ficava sob a janela, como o é hoje em dia também, mas em outra morada. depois da foda, meu namorado e eu começamos a ouvir algo como aplausos e um pequeno coro que gritava do alto do prédio no outro lado da rua: mais um, mais um! sentimos algum embaraço, mas era tardio porque já havia acabado, não havia o que esconder, nem onde se esconder porque já estávamos em um lugar seguro - em casa. rimos, fechamos as cortinas e dormimos. fosse hoje, estaríamos na rede e eu teria virado uma estrela de filmes amadores contra a minha vontade. bons tempos em que a lembrança ficava emoldurada apenas por uma janela e não em uma tela sob o comando de um botão que pode recriar a ação à exaustão.</p><p>o bebê ainda chora, mas vou dormir.</p>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-51936211255897616642021-02-15T23:40:00.000-03:002021-02-15T23:40:10.776-03:00sobre o que a gente quer<p>noite passada eu sonhei com a minha vizinha que tem o meu nome; na verdade, sou eu que tenho o nome dela porque ela é mais velha do que eu; mas na verdade verdadeira, tenho esse nome porque é o nome do meu pai, mas ele quis enfeitar e trocou o C pelo K; suponho que tenha sido pra combinar com o sobrenome. e ao primeiro nome, juntou-se a minha avó materna inteira: Cristina Fernandez. sou também ela, a quem nunca conheci. sou toda a família paterna da minha mãe, Philipovsky, e sou toda a família paterna do meu pai, Koerich. apesar de ser a minha avó materna inteira, ela provavelmente também era toda a família do pai dela, Fernandez. os homens tomam todos os espaços, não é mesmo? até nos nossos nomes... que triste é isso, pensei agora.</p><p>apesar de a minha filha ter somente os meus sobrenomes, basta uns passos pra trás pra ver que não são meus, são de homens. não foram mulheres legadas adiante, foram filhas de homens, netas de homens. que bosta. o texto não era sobre isso, mas fica a reflexão em meio à minha náusea. em meio à tensão pré-menstruação, em meio aos seios explodindo de inchaço e sensibilidade, em meio à angústia mensal de existir e não tenho nem uma boceta de um sobrenome que tenha como origem uma mulher. você nasce com uma boceta, sofre a vida toda por inúmeras questãs em razão de ter uma boceta e no fim das contas o seu sobrenome é de um homem! veja, nada contra eles, apesar de ter muito contra. gosto muito deles e inclusive anseio por me relacionar com o gênero, mas foda-se porque isso não vai dar em lugar algum.</p><p>voltando ao meu sonho com a vizinha de mesmo nome. no meu sonho havia uma casa - como quase sempre há -, a dela. e havia também a minha; mas a dela era invejável no meu padrão onírico. ocupava um longo terreno e tinha os ambientes conjugados e ao mesmo tempo bem segmentados. tudo amplo, bonito, sofisticado, mas acolhedor. nessa casa tão bela aos meus olhos, ela tinha um quarto que me permitiu visitar. não era um quarto propriamente; era uma biblioteca/ateliê/estúdio/escritório (enquanto escrevo, a azia me consome), tinha um pé direito alto, estantes de livros dispostas no meio do espaço, inúmeros quadros e ilustrações e fotos de diversos tamanhos pelas paredes. no meio de tudo havia um cavalete e agora não me lembro o que ele apoiava, se havia nele um quadro ou não...</p><p>eu ficava maravilhada como todo o lugar exalava vida, ordem e cotidiano. parecia que ali dentro tudo fazia sentido. eu invejava a casa dela e sabia que na minha casa havia um espaço assim como o dela, mas o meu não estava tão bem acabado e presente como o dela; não tinha toda a história que o quarto dela tinha; o meu espaço era um rascunho, um devir, um vir a ser do espaço que já era o dela. mas sabe o que eu vejo? não estou falando dela; falo na verdade de mim, porque ela sou eu amanhã. ela é a minha aspiração. e eu vejo no quarto como quero estar depois, no futuro. no aconchego daquele quarto na minha casa, que também sou eu, tudo eu, sempre eu e sobre mim.</p><p>no fim do sonho, em algum momento aleatório, eu ia pra casa acompanhada de um pedreiro gato, um homenzarrão do tipo bruto sensível, com quem eu caminhava pela rua de braços dados, contemplando um céu cor-de-rosa alaranjado cujo sol se punha ao fundo em um cenário atribulado de movimento e de vida se dando por toda a parte, caótica. mas ali estávamos nós dois, tão entretidos um com a presença do outro. me senti amparada, segura. o que isso pode querer dizer? me diz aí, você que observa, que interpreta, que analisa. dorme de novo. sonha mais, joga pra fora o que deseja. deixa estar. sim, tô falando com você, Karla.</p>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-72139108641829607752021-02-03T02:28:00.002-03:002021-02-03T02:35:30.443-03:00sobre mais uma primeira sessão<p>estou nauseada. a porrada de hoje foi ainda maior do que a de ontem. ah, ontem não teve bem uma porrada. ontem havia plantas, cristais e cheiro bom que não me lembro qual era, mas era bom. ontem tive meu ego inflado enquanto pensava que logo estaria no divã. o caso nem é esse, foda-se quando ficarei olhando para o teto ao mesmo tempo em que vomito tudo o que preciso e me engasgo com as minhas próprias palavras.</p><p>hoje havia livros e livros e livros e até um bonequinho do Freud (?) na sala. acho que o analista é meio nerd e a sala tem cheiro de desinfetante barato ou de naftalina, não sei ao certo. vi Freud e vi Lacan. será que ele empresta os livros dele? a primeira impressão entre eles foi a de que eu queria o primeiro date, o de ontem, e sei exatamente o que tô fazendo aqui comparando o analista a um cara do tinder... as possibilidades são infinitas e a gente sempre pode encontrar um melhor, então pra quê sossegar no primeiro? que diabos! eu gostei do primeiro, mas o segundo, ele me machucou de verdade, então acho que vou ficar com ele.</p><p>o primeiro parece mais fácil, mais bonito, mais apresentável e não me refiro à pessoa - que fique claro, mas a todo o contexto. eu poderia ficar com ele porque parece mais conveniente, mas eu gosto mesmo do que me fere, do que me desestabiliza. foi demais pra mim, denso. foi uma enxurrada de coisas e tô me secando até agora, que inferno!</p><p>ontem, saí da sessão quase feliz. hoje, depois de chorar sob a máscara mais uma vez - graças à minha mãe - saí da sessão triste, doída e agora tô chorando de novo porque a gente acha que o problema são as relações de agora, mas oh, que grande surpresa pra mim, descobri, falei e comecei a chorar: o lance é a minha mãe e eu pequena, lá atrás. fui desmascarada por mim mesma na frente do grilo falante. minha mãe me dilacerando de novo e eu nem sabia do que precisava, mas era de amor. minha criança ali, fodida, e eu vejo que eu sou uma fraude, que todas as minhas grandes certezas sobre o que eu poderia esperar dela e que estão bem aqui no meu consciente, gritando comigo, podem até funcionar pra Karla de 36 anos, mas pra Karlinha, praquela menina, não querem dizer nada porque a sensação de falta, de abandono e de necessidade de aprovação e validação ainda estão aqui.</p><p>meu buraco é minha mãe e nem sequer tocamos no meu pai. durante muito tempo eu busquei nos caras o amor do meu pai e só encontrei nada. minhas faltas, meus vazios, eu achava que era o meu pai que eu queria e talvez seja, também seja. eu queria os dois e agora soluço chorando porque me veio à cabeça uma das visões mais significativas que já tive quando fumei salvia. nela, eu era pequena e meus pais vinham, cada um segurando uma de minhas mãos e caminhávamos felizes sob um céu amarelo. era algo como uma cúpula amarela, uma bolha e nós estávamos lá dentro. eu estava ali com meus amores primordiais, protegida, amparada, segura. eu era amada; na minha visão eles me amavam, eles amavam aquela criança. era o ideal de amor. era felicidade, era plenitude, era tudo o que aquela criança precisava. isso aconteceu há quase dez anos e voltou, emergiu em mim hoje. não que eu tivesse esquecido, é que hoje fez mais sentido do que nunca. eu sempre usei os alucinógenos esperando ter uma expansão de consciência, buscando entender o que tinha de mais profundo e escondido em mim e esteve ali o tempo todo desde então, eu só não entendia, mas agora eu vejo.</p><p>acabei de me jogar; vou experimentar então e ver o quão fundo eu consigo ir. desejem-me sorte porque eu sei que vai doer, mas vai me desenrolar, vai me deixar livre e eu vou poder transitar melhor entre o meu raso e as minhas profundezas, como eu sempre quis.</p><p><br /></p><p><br /></p>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6549644730685072332.post-90458287028058745062021-02-01T19:08:00.000-03:002021-02-01T19:08:22.665-03:00sobre a primeira sessão<p>lá dentro a impressão já fora ótima. interlocutor que interage. não sei qual é o princípio da psicanálise que diz que o analista deve ouvir. isso se aplica? existe de fato? usei a expressão "de fato" muitas vezes durante a sessão e me senti repetitiva e então me policiei. isso quer dizer que as coisas que eu falei ocorreram como foram narradas por mim? eu as cristalizei pela minha perspectiva e as deixei estáticas, chapadas como uma pintura rupestre sem graça?</p><p>ele me provocou; eu gostei. isso é um fato. quero análise com um grilo falante. quero uma consciência fora de mim, me cutucando com a vara curtíssima, me ferindo, me abrindo. saí de lá vibrante, quase feliz. não encontro a música que quero ouvir porque não sei qual é. parece que me limitei e ouço, ouço, ouço, mas não é o que quero escutar, não é a música que corresponde a como me sinto. quando eu canto junto com a música, me sinto potente, afinada, mimetizada; quando canto sozinha, sou só uma voz desafinada, perdida no meu próprio ritmo.</p><p>é como buscar o que comer quando não se sabe do que tem fome. você come o mundo, o regurgita e continua insatisfeito. quero me satisfazer. quero entender o desejo, o meu desejo, por que o desejo para daí poder gozar.</p>Karla Koerichhttp://www.blogger.com/profile/08848589912497056525noreply@blogger.com0