terça-feira, 29 de setembro de 2009

Eu tenho uma pereba de estimação, e você?

Tinha uma pereba de estimação; estava há tanto tempo na minha perna, que já fazia parte dela. Ficava na coxa esquerda, do lado de fora da perna. Quando apareceu, ela parecia uma picadinha de mosquito, era um pontinho vermelho, que eu achava que logo iria sumir. O diabo é que ela coçava, e era uma coceirinha tão boa que eu não conseguia resistir.


Coçava de leve, sem enfiar as unhas de jeito, mas a danada só aumentava. Era uma coceira prazerosa, que chegava de mansinho, e não demorava muito pra eu sentir umas fisgadinhas na perna: era a pereba pedindo mais coceira.

Quanto mais eu coçava, mais eu gostava de coçar, e fui me dando conta de que a cada dia, o pontinho ia crescendo um pouco, e ia tomando uma forma engraçada, vermelho e em relevo nas bordas, e no centro ele continuava com a cor da minha pele, meio que parecia o contorno de uma ameba, era arredondado, mas irregular.

Minha pereba-ameba crescia a olhos vistos! E eu tinha orgulho dela, porque apesar de deixar minha perninha feia, ela me distraia bastante, e coçar é tão relaxante! O trecho até rimou para que o leitor possa ver o quanto a pereba me inspirou!

Ela chegou ao tamanho de uma moeda de um real, era uma pereba adulta!

Uma vez procurei uma dermatologista, que me disse que perebas assim exigem uma biópsia, já que as doenças de pele são muito parecidas, eu precisaria de uma para saber o que realmente me assolava, mas a tal biópsia não poderia ser feita naquela hora; exigiria outra consulta, noutro dia.

Até marquei, mas a pereba sumiu. Acabei nem voltando na médica, já que não havia mais pereba para ter um pedacinho seu a ser extirpado. Minha sorte é que ela voltou, instalou-se no mesmo lugar e está sadia como nunca!

Eu a acarinho várias vezes ao dia: quando acordamos eu logo dou-lhe uma coçadinha, e ela sossega. Mas quando faz muito calor, ou quando ela se sente sufocada pela roupa que a cobre, ela me fisga, e então, eu coço. À noite, com os lençóis roçando-a, ela também reclama, e eu a coço dormindo, veja só! O bom é que a coceira é algo instintivo no ser humano, e por isso eu nem preciso pensar muito sobre o que fazer.

Há dias em que a coceira é intensa, e eu penso em largar a mania de coçar a pereba para que ela vá embora, pois várias vezes ela quase se foi porque eu me recusava a lhe dar atenção – sim, se você não coçar sua perebinha de estimação com dedicação e afinco é provável que ela suma de despeito!

Mas quando eu sucumbo à vontade, como alguém que está de dieta e ataca uma barra de chocolates, tenho quase orgasmos múltiplos proporcionados por uma simples pereba! São as sensações mui agradáveis que uma doençazinha ou outra podem nos trazer.

E fica a questão: coçar ou não coçar? Depois de ter minha perebinha de estimação, acho que consigo entender por que os homens sentem tanta satisfação ao coçarem suas bolinhas!

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Na rua, por aí, na vida

Acordei com um guardinha me cutucando com o cacetete, ele batia de leve nas minhas costas e dizia: “Vai andando, vagabundo! Lugar de mendigo não é aqui!”. Eu nem olhei pra ele, porque sabe como é, “vagabundo” não tem muita voz, mas eu já fui gente, feito vocês; já tive trabalho, mulher, família...
Às vezes a vida da gente toma um rumo que ninguém sabe porque tomou, e nem culpo Deus porque não foi ele que me deu a bebida na mão. Bebida é uma coisa séria... Lembro que quando eu trabalhava, não ganhava muito, mas pra cachacinha eu sempre tinha um trocado, e quando não tinha, nem esquentava que os amigos da birita pagavam pra mim num dia, e eu pagava pra eles noutro.
O bar ficava perto do trabalho, que não ficava muito longe de casa. De vez em quando a mulher aparecia lá e me enchia de cascudos na frente de todo mundo. Eu amava ela demais, daí nem fazia nada, nunca relei um dedo nela! Deus é testemunha! Mas ela perdeu pra branquinha... que não me dava cascudo, e fazia eu esquecer da vida de merda que eu levava.
A bebida me fez perder o emprego, a mulher, os amigos tudo foram-se embora. O pessoal gosta de cachaceiro que faz social, só no fim de semana, e comigo era todo dia! Toda hora... não tem que agüente isso, mas eu só descobri depois que tinha perdido tudo.
Me afundei de vez quando ela me botou pra fora. Minha finada mãezinha não podia me ajudar; meu pai tava num asilo, porque meus irmãos jogaram ele lá, e se eles jogaram meu pai num asilo, imagina se eles iam pelo menos se dar o trabalho de fazer a mesma coisa comigo?
Filho eu não tive, e agradeço. Viver não é fácil, inda mais com vício, inda mais sem um horizonte pra apreciar... eu não ia querer envergonhar meu filho do jeito que eu me envergonho sozinho. Viver na rua é ainda mais difícil do que só viver. A gente acostuma a pedir esmola, e a gastar o que ganha com cachaça, mas pelo menos eu não uso nada de droga ruim.
A gente aprende a não ligar pra higiene, a mijar em qualquer canto, a pedir banheiro pra lavar o rosto e tomar um banho de gato; a gente aprende a viver só com uma roupa; a dormir no relento, no banco de uma praça, se cobrindo com papelão... daí é que a gente vai ficando invisível pra todo mundo, e com isso a gente não acostuma! Eu sei que eu fedo, mas eu continuo existindo, meu fedor prova isso! Não adianta fechar o vidro do carro ou passar reto na rua, porque eu continuo existindo, e marcando meu território onde eu posso, porque a rua não é de ninguém.
Na rua não tem camaradagem, não! Tem os pilantras que ficam tentando roubar você. Só tive um amigo na rua, o Mequetrefe, era um cachorro que fedia tanto quanto eu, acho que por isso ele veio atrás de mim, uma vez que eu tava passando perto do mercado público, nunca mais a gente se largou. Aquele era amigo! Passava fome junto comigo, e por isso, às vezes eu não tomava uma pra dar uma comida qualquer pra ele. A gente dividia lanche de padaria, resto de comida de restaurante, até lixo a gente comia quando a coisa apertava.
No dia que ele morreu... (pausa)... no dia que ele foi atropelado por um caminhão... (pausa)... eu chorei muito! Ele tava andando no cantinho da rua, mas o caminhão não teve pena! Deu nele, passou por cima do bichinho, ele nem viu nada! Foi direto pro paraíso dos animais, e eu espero que ele teja bem feliz lá, do mesmo jeito que eu espero ir pra lá logo, porque aqui, nós dois somos invisível.
Mas eu acho que eu vou pro inferno, já que eu sou bêbado, vagabundo, larguei a vida boa que Deus tinha me dado, e nunca mais quis voltar pra ela por causa da cachaça... Nem sei se é desculpa minha de medo de olhar pra trás... Começar tudo de novo dá muito trabalho... e a cachaça é tão boa...