sábado, 25 de fevereiro de 2023

sobre ser matéria de si mesma

na universidade, aflorou-se meu espírito escritor. primeiro com textos curtos e escatológicos, depois com desabafos existenciais aqui mesmo, neste blog, quando ele foi criado.

é importante dizer que o momento em que fui uma leitora mais voraz em minha vida foi no início da adolescência, entre os 11 e os 12 anos. naquela época, eu lia 50 páginas por noite dos romances espíritas que minha mãe comprava. aquela papagaiada toda foi como as histórias da Cinderela e da Branca de Neve, com muitos toques de reencarnações e vida de princesa intercalada com pobreza e doenças. essas histórias eram realmente ricas! uma hora você era uma menina desgraçada e tuberculosa à beira da morte, na outra você estava de camarote relembrando vidas passadas em que foi uma cigana ou uma nobre rica e invejada. havia também vinganças, assassinatos... a galera pagava pelos seus pecados e eu me divertia com tudo aquilo, introjetando no inconsciente que todas as merdas que nos acontecem têm razão de ser, mas que se formos bons, tudo dá certo no final. ahammm.

falo isso porque, tirando esse tempo em que a leitura era puro prazer, na universidade e depois dela, não voltei a ler muito. eu lia os textos das disciplinas; lia os livros que era mandada ler, mas meio que era isso, não ia além, não sentia tesão em ler, não sei se porque minha vida estava passando por mudanças profundas naquele momento ou porque eu era apenas uma vagabunda, uma fraude ou simplesmente a aluna de letras que menos leu em toda a história apenas porque não estava a fim.

no mestrado eu li muito, li bastante, mas nada que fosse de fruição. (nota mental escrita: escrever sobre como foi o mestrado. resumo para o leitor: foi um inferno do caralho)

nunca saberemos... na época eu não sabia, mas hoje sei por que não leio muito (no ano passado foram apenas dois livros inteiros, a metade de mais um e meia dúzia de páginas de um terceiro), porque sou viciada em redes sociais e podcasts. minha vida é basicamente estar abduzida pela porra de um retângulo de plástico e vidro que está acabando com a minha sanidade mental e com qualquer vontade de viver uma realidade que não me dá pulsos de dopamina a cada milésimo de segundo, o que torna a minha existência e qualquer tipo de leitura uma tarefa árdua e desinteressante. - ainda assim, tô trabalhando nisso; na leitura e em formas de tornar a existência mais interessante. lembre-se de que às vezes o escritor carrega nas tintas para melhores efeitos literários. é tudo mentira, ou não.

de igual maneira, o smartphone e o meu descontrole em relação a ele acabam com qualquer traço de criatividade que possa haver para eu escrever. me sinto burra, vazia, murcha, acabada. por passar tanto tempo no telefone e ouvindo alguma coisa a todo momento - tenho ficado cada vez menos em silêncio comigo mesma -, minha vida parece um looping de nada com porra nenhuma. todos os dias são muito parecidos e isso não é um problema em si, já que o resumão da vida é que ela é essa merda mesmo, o problema é que não tenho tido nem a sensibilidade de perceber a minha merda particular sobre a qual sempre gostei de escrever a respeito.

eu sempre fui meu melhor e único assunto, do modo mais narcisista e aberto que consigo ser porque quando escrevo sobre mim, lá no fundo sei que também escrevo sobre você, sobre nós, sobre como pode ser difícil e também divertido estar vivo; estar aqui, escrevendo e reclamando, escrevendo e abrindo, escrevendo e expondo porque eu sei que não sou a senhora diferentona. admite aí também que às vezes é foda, que você se sente um bosta sem qualquer controle sobre a sua vida... e descambamos pra bad vibe... desculpa, é o meu jeitinho. amanhã já é hoje e hoje é sábado! dia de ficar no telefone sem peso na consciência porque é pra isso que servem os finais de semana, pra gente se anestesiar de todo o resto. parece que vai dar praia!

sobre metatextos

sabe aquela coisa em que você é muito bom e que você gosta muito de fazer? aquele "talento" especial, aquele "dom"? Pois é, também não sei. não nasci com ele. a coisa com a qual mais me identifico e sinto prazer em fazer é escrever, mas nem de longe isso quer dizer que as palavras jorrem pelos meus dedos. eu não sou como os escritores iluminados que, com cinco anos já escreviam suas primeiras palavras, com 12 já tinham escrito várias historinhas e com 17 já tinha ganhado um concurso de contos. "ah, a escrita sempre esteve na minha vida...". na minha, não.

não é como se eu fosse um prodígio, mas não tinha dificuldades para me expressar. mentira, a palavra não é bem expressar, está mais para facilidade de falar diante de muitas pessoas. eu não tinha vergonha, mas isso não tem a ver com a escrita, só que tem, sim. acho que escrevia bem só porque escrevia como falava, e não me refiro ao tipo de linguagem empregada, mas à fluidez do texto.

acho que começar a escrever mesmo, só comecei no terceiro ano do ensino médio. naquela época, tínhamos uma aula que era voltada para redação, aquela do vestibular. toda semana, deveríamos escrever uma sobre os temas que a professora indicava. eu nunca sabia o que escrever nessas redações. minha tática era a de começar falando sobre a necessidade de escrever um texto a respeito do tema x ou y. floreava, não aprofundava, era perfeito na época e parece que funciona ainda hoje.

De algum jeito essa tosquice me norteava; era como virar a chave na ignição e, de repente, eu estava dirigindo sem saber muito bem para onde, mas costumava dar certo. na época em que eu fiz o enem, em 2001, nós recebíamos uma cartinha que mostrava o nosso desempenho em todas as disciplinas e na redação. as minhas notas, no geral, ficaram no patamar da mediocridade e tudo bem, mas a nota da redação era bem acima da média geral; foi ali que eu percebi que era boa em alguma coisa sem fazer muita força pra isso.

de toda forma, não escrevia regularmente; não era um hábito. no começo da adolescência tive um diário, no qual escrevia eventualmente. acho que na época das agendas eu fazia algumas delas de diário também, mas nunca foi uma constante. escrever era só algo fácil de fazer quando precisava ser feito, até que entrei na universidade - de letras! 

(abre-se aqui um grande parêntese para explicar que a minha escolha não foi um "chamado" nem nada parecido. levando em conta que não me sentia confiante para prestar um novo vestibular depois de ficar mais de um ano sem estudar qualquer coisa, fiz letras porque era o curso mais barato da universidade, o que eu poderia pagar, e sem a necessidade de fazer uma prova, visto que consegui entrar pelo meu histórico escolar. na época, eu tinha 20 anos e uma filha de um ano e pouco e uma rede de apoio que me permitia assistir às aulas nas quintas e sextas-feiras à noite e nos sábados, de manhã e à tarde - o curso tinha uma grade de horários diferente de todos os outros daquele lugar)

... como eu ia dizendo, quando eu comecei a cursar letras, houve a oferta de uma oficina de produção textual na qual me inscrevi. no primeiro dia, escrevemos um texto cujo tema não me recordo, mas no final da aula, a professora me chamou e disse que eu não precisava fazer aquela oficina porque já escrevia muito bem. mais uma vez, me senti encaixada e parecia que eu pertencia ao texto, ao meu texto, a mim mesma.

obrigada, Enem; obrigada, professora Mônica, por terem sido os primeiros incentivadores desta que vos escreve.

continua...