quarta-feira, 20 de junho de 2018

Sobre perder um animalzinho de estimação (in memoriam de Raquete)

Desde muito pequena, tenho a lembrança de termos bichinhos de estimação em casa. Enquanto meus pais ainda eram casados, lembro de uma cadelinha vira-latas, a Chiquita, que prenhe, deu à luz vários cachorrinhos, os quais batizamos todos com nomes de paquitas da Xuxa. Sim, a Xuxa estava bem presente em nossas vidas naquela época. Não me lembro ao certo, mas os nomes eram algo como Miúcha, Pituxa, Catuxa... coisas do gênero. Também me lembro com carinho de um gatinho siamês que encontramos na praia e trouxemos para casa. Achávamos que era fêmea; o nome que lhe demos? Xuxa, óbvio. Quando, depois, descobrimos que era um macho, não foi difícil mudar o nome para Xuxo.

O fim da Chiquita, não me lembro com certeza, mas acho que foi atropelada. Os filhotinhos todos devem ter sido adotados. O Xuxo ficou com meu pai, mesmo depois da separação dele e da minha mãe. Olha, o bichano era bem tratado. Ainda consigo vê-lo se esfregando pelas pernas do meu pai, enquanto ele colocava um pires cor de âmbar, cheio de atum, sobre o tapete da cozinha. Às vezes Xuxo saía, ficava dias sem aparecer e, quando voltava para casa, estava todo estropiado. Meu pai inventava histórias; dizia que ele tinha ido namorar, azarar as gatinhas, e sempre acabava brigando com os outros machos. Claro que ele fazia isso mesmo, mas as histórias humanizavam o gato de um jeito que os passeios com as gatinhas eram feitos em carros dirigidos pelo Xuxo, e eu imaginava as cenas todas...

Quando meus pais se separaram e fomos morar em um apartamento, tivemos um hamster. O que ele tinha de pequeno, tinha de arteiro. Fugia da gaiola com frequência e uma vez chegou a roer o fio do telefone que passava por trás da estante da sala. Seu fim foi triste, pois, em uma de suas escapulidas, ele caiu no fosso da escada, três andares abaixo. Soubemos quando chegamos em casa e o zelador do prédio perguntou à nossa mãe se tínhamos um hamster. Ao menos, ele teve um velório muito legal, com direito a passeio no helicóptero de brinquedo do meu irmão, içado em um saco de lixo preto.

Mas para além desses bichinhos, a esmagadora maioria deles veio para as nossas vidas quando nos mudamos para Macapá. Lá, tivemos tantos gatos, tantos cachorros, tantos outros bichos que não consigo contar. Naquela época (anos 90), muito diferente de hoje, em que se pensa em castração, em alimentar os animais apenas com ração adequada, em mantê-los em casa... os tempos eram muito outros.

Seguramente, tivemos uns vinte cachorros e mais de trinta gatos enquanto moramos lá. Tivemos mais gatos porque as fêmeas reproduziam a cada passeio na rua. Lembro da Fofa, uma siamesa sem-vergonha, que emprenhou umas três vezes enquanto estava conosco. Os filhotinhos vinham sempre pretinhos e, no fim das contas, acabávamos ficando com a maioria deles. Sempre tínhamos gatinhos em casa. Os gatos dificilmente morriam diante dos nossos olhos. Eles sumiam. Presumíamos que morriam porque não voltavam mais. Como sempre moramos em casas e os bichanos não eram castrados, esse fim era meio evidente, mas talvez não fosse para nós naquele tempo.

Os cachorros, muitas vezes morriam ainda filhotes, com parvovirose. Os pobrezinhos se esvaiam em merda sanguinolenta, daquela que cheira à ceifadora. Eles definhavam em poucos dias e, geralmente, era envoltos à essa poça de fezes, que eles não conseguiam conter, que davam seu último suspiro canino, sob os nossos olhares cheios de lágrimas. Ainda assim, a morte era mais natural, porque eram tantos bichos, que amávamos tanto, mas aos quais não nos apegávamos como hoje.

Claro, nessa estrada havia alguns favoritos, mais marcantes, como o Benji, que era um poodle de cor encardida que compramos em Curitiba em uma viagem que fizemos em 1994. O cachorro foi nosso xodó pelo tempo em que esteve conosco. Era meigo, querido, parecia uma ovelhinha. Mas um dia, eu não fechei o portão da nossa casa direito e ele fugiu. Um homem que passava lá pela frente, perguntou se eu tinha um cachorro bege e eu disse que sim. Então ele me disse que o cachorro tinha sido atropelado na esquina. Eu saí correndo, desesperada, chorando... E quando cheguei ali, ele estava todo molinho, com o focinho preto cheio de terra, sujinho... e morto. Foi a primeira vez que me senti responsável por tirar a vida de alguém, não por tê-lo atropelado, mas por não fechar o portão direito, por não ter sido cautelosa, por não tê-lo visto fugir. Que dor pra uma menina de dez anos. À noite, eu chorava chamando por ele, num misto de culpa e saudade.

Tantos foram os animaizinhos que tínhamos, que os que iam morrendo, íamos enterrando no quintal de uma das casas em que moramos. Era um verdadeiro Pet Cemetery, e acabei de perceber que talvez a minha simpatia por cemitérios tenha surgido pelo que tínhamos em casa mesmo. Eu gostava muito de ir no quintal, pisar sobre as folhas secas, sentir o sol passando pelos galhos das árvores... e ver que sob algumas pedras e cruzes de madeira improvisadas, estavam nossos falecidos bichinhos. Tinha a mesma sensação de paz que tenho nos cemitérios de pessoas.

Muitos foram os animaizinhos que passaram pela minha vida. A gata Laica, uma frajola corpulenta que acabamos doando para o depósito das lojas Brasileiras da cidade, porque ela era ótima em caçar ratos. Sempre podíamos visitá-la e ela era muito bem tratada. A cadela vira-latas, Susi, que frustrada por nunca ter sido mãe, adotava os gatinhos bebês da nossa gata e deixava que eles mamassem nela até que ela produziu leite. A cadela era um verdadeiro doce de carência e afetividade. O ganso cinza, Mutley, que dormia na cama junto o meu irmão, que vinha quando o chamávamos, como um cachorrinho, mas que um dia sumiu... acreditamos que ele tenha sido usado em algum ritual. O huskie siberiano, Zowie, que meu irmão encontrou perambulando pela rua e que trouxe para casa. O cachorro era demais; o único problema é que ele odiava nossos gatos, o que vale uma história à parte só para contar o causo em que ele tentou matar um de nossos gatinhos. A cadela Laica, uma pastor alemão traumatizada, que passou a vida toda apanhando com cabo de vassoura enquanto vivia acorrentada. Ela veio para nossa casa já adulta e era bastante violenta, menos com o meu irmão e, aos poucos foi ficando nossa amiguinha, só precisava de carinho, mas nem ela sabia disso. Em um ataque de raiva, ela matou uma cadelinha muito meiguinha e amorosa que sempre dormia na cabeça da minha mãe, em seu travesseiro, a Minnie. A pequenina pretinha fora ingenuamente mexer na tigela de comida da Laica... Um bichano do qual não me recordo o nome, mas que supomos que havia morrido por conta de seu desaparecimento, até que depois de uns três meses, ele resolveu aparecer no forro da nossa casa. O saudosíssimo Bethoven, um vira-latas baixinho, comprido, amarelo, de saco reluzente e simpatissímo. O fofo Puggle, um cachorro desses que vemos em vídeos de bichinhos muito maltratados, mas que são recuperados, sabe? O Puggle era só pele, ossos e unhas. Ele não tinha pelos no corpinho; era coberto de feridas das patas à cabeça e andava todo arcado, magro como se tivesse sido chupado. Ele começou a dormir no pátio da casa em que morávamos e eu me aproximei dele, vi que era manso e consegui com um primo um remédio injetável, subcutâneo, que eu mesma aplicava nele. As feridas aos poucos secaram, caíram e o pelinho começou a crescer. Nós o adotamos, o alimentamos e só depois que ele estava refeito, foi que vimos se tratar de um poodle. O amadinho nos foi roubado em uma de suas fugidinhas de casa. O gato Baby, um maravilhoso angorá tigrado e branco que, muito territorialista, mijava nos móveis da casa, em jatos, quando ficava puto conosco.

Enfim, entre tantos e tantos outros bichinhos que tive; entre a alegria de suas chegadas e a tristeza com suas partidas, fazia muitos anos que eu não perdia um amiguinho, aliás, mais do que isso, um filho de patas. Animais de estimação são seres que estimamos, que amamos, a quem damos valor, a quem nos afeiçoamos e que nos despertam muitos sentimentos, mas essencialmente o amor. Se você é capaz de criar laços com um bichinho, acredite, você é capaz de amar. Quando destroem, bagunçam ou fazem muito barulho, sim, odiamos, praguejamos, brigamos, ficamos com raiva; é normal. A gente trata como filhos e daí queremos que eles se comportem como humanos, mas não são. Ainda assim, a cada cabeçada de amor, a cada piscadinha de carinho, a cada motorzinho ligado, a cada ninho feito sobre nós na cama, nos derretemos, desculpamos tudo, pedimos desculpas pelas broncas e ficamos prontos para a próxima aprontação. Quando ficam doentes, ficamos loucos de preocupação e quando estão bem, tudo bem, estamos todos em paz.

No dia 31 de maio, depois de muito meditar sobre o assunto, eu fui encontrar com uma moça que tinha três filhotes de gata para adotar um deles. Quando chegamos lá, Ana, Nathalia e eu, achamos os três fofos, lindos, uma graça e eu cheguei a pensar em adotar os dois machinhos e deixar a fêmea porque a intenção inicial era de levar um machinho. Indecisão total, e as duas me dizem: por que não levar os três? Naquele ímpeto, impulso louco, carregamos os três, cada uma levando um no colo. No carro, aquele coral louco e viemos para casa.

Quando chegamos, os colocamos de frente com os três residentes adultos, Marte, Marta e Pretinha. Aquele pandemônio. Marte, o rei da casa, rosnava de um jeito que parecia querer falar em protesto contra os novos moradores. Rosnava tanto que até se engasgava. Pretinha vazou para o escritório e Marta também fazia aquele cara de poucos amigos jogando as orelhas para trás. Okay, me arrependi. Péssima ideia. Eles estavam aqui, mas ainda não eram parte da família, sabe? E nem eu queria que a família já consolidada se estressasse desnecessariamente. Mas o Danilo não demorou nadinha pra se apaixonar por eles, pela peraltice e por eles verem um brinquedo em tudo que encontravam pelo caminho. No outro dia, iríamos passar o feriado fora, então separamos os chanos entre bebês e adultos, enchemos várias tigelas de comida, água e caixas de areia limpas e fomos. Na volta, estavam todos bem, ufa!

Os bebês ainda não tinham nomes oficiais, mas a Ana já chamava um dos meninos de Juninho, nome que eu achava horroroso. Juninho mais tarde se tornou Raquete, porque era o maior dos irmãos, com patas enormes, como raquetes. O outro menino é o Presto. Sabe o mago do desenho Caverna do Dragão? Aquele que se vestia de verde e era todo atrapalhado, então, é o chaninho. Mais tímido, na dele, meio bocozinho, mas um doce. A menina virou Paleta, pela profusão de cores, branca, cinza e laranja; ela é a menorzinha, a mais queridinha.

Os três eram imparáveis! Em duas semanas, quebraram um copo, três caveiras de resina da nossa coleção, uma tigela de cerâmica, cheia de sementes de abóbora; comeram um bolo de chocolate roubado - que lhes rendeu uma bela diarreia -, roubavam ovos das caixas, jogavam no chão e os comiam crus! Bebiam muitíssima água o tempo todo, desfiaram nossas calças, nossas mantas, nossos sofás e nossas camas e só sossegavam enquanto comiam e quando dormiam aninhados uns nos outros. Nos outros intervalos, eram miados, muita arte e fofura junta!

O Raquete era um furacão. Na hora da comida, era ele quem puxava o coral do desespero da fome, com um miado de sirene que no início me agoniava, mas que eu fui achando engraçado. Ele era a fome em forma de gato, um verdadeiro aspirador de comida, não importa o que fosse. Se a gente se aproximasse da ilha da cozinha, ele escalava nossas pernas, fincando as unhinhas de agulha na nossa pele até sangrar. Um dia, em menos de uma hora, em subiu pelas minhas pernas cinco vezes. Sangrei  em todas elas. Fiquei puta! Ainda tenho as feridas dos arranhões que ele nunca mais vai me dar.

Ele era o mais vivaz, o mais esperto, o mais arteiro, era o mais genuíno espírito livre que essa casa já viu nos últimos tempos. Raquete, meu filhinho lindo, eu queria muito muito muito poder voltar no tempo, ou pelo menos queria poder te enterrar em um cemitério indígena pra que você voltasse pra gente como um gatinho zumbi, eu juro que não me importaria. Eu sinto muito, muitíssimo pela sua passagem ter sido tão curta entre a gente. Eu queria muito te ver crescer e virar um gatão peludo e lindo que eu tenho certeza que você seria.

Enquanto eu estava escrevendo isso, o moço do crematório trouxe as suas cinzas. Elas estão aqui do meu lado agora, como eu gostaria que você estivesse. Me perdoe por ser humana e falha. Eu fiz meu melhor e tenho certeza de que você, mesmo brevemente, foi tão feliz com os seus irmãozinhos, quanto qualquer gatinho seria. Vou plantar suas cinzas em um vaso bem bonito, junto com sementinhas de boca de leão e você ainda vai florescer para nós, para deixar a nossa vida mais bonita.

O nomezinho está errado, mas este era o Raquetinho, para sempre em nossos corações =~~

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Sobre ser/estar viciada em um telefone

Não sei bem quando foi que o telefone, que hoje é muito mais do que isso, se tornou uma praga na minha vida. Antes dele ser um smartphone, o legal era ter um super plano para poder falar com todo mundo e mandar muitos sms. Eu era mais feliz nessa época... Quando comprei meu primeiro smartphone foi pra não ficar pra trás, vejam só. Na transição entre os telefones que não faziam mais do que ligações e mandavam mensagens para os que tinham tantos recursos que não permitiam que as baterias durassem mais do que um dia, eu me perdi.

A obsolescência programada bombou na minha vida naquele tempo. Se por acaso, você não souber o que é isso, eu explico: a obsolescência programada é uma ferramenta que o sistema capitalista desenvolveu para garantir que as pessoas nunca parem de consumir. Para isso, a indústria produz produtos que duram cada vez menos e, com a ajuda da propaganda, criam a ilusão de que você precisa de um novo telefone (ou qualquer outra coisa) porque o novo modelo tem mais recursos do que o anterior e a tela do seu telefone quebrou mesmo, e você sabe que só uma tela nova é quase o preço de um aparelho novo, então é melhor trocar... daí você vê as pessoas mais descoladas do instagramzzz usando alguma coisa nova e você também quer aquela coisa nova porque, né? Ter é poder! Mas isso é assunto para outro post. Pra encerrar isso, apenas recomendo que assistam a este vídeo sobre o assunto: A história secreta da obsolescência programada.

Ainda assim, o mercado está aí pra nos fazer querer o objeto e isso já é bem ruim, considerando as consequências do nosso consumo desenfreado para o planeta, mas a cagada não para nisso. Ela é muito maior, porque não basta ter o smartphone, você tem que participar de todas as redes sociais que mantêm você com a cara na tela 24/7.

Antes, eu tinha o facebookson, o twitterson e o instagramzzz no meu telefone. Era viciada nessas porras todas; passava o dia todo malhando o dedo no feed. Lia um livro? Não. Dava uma faxinada na casa? Não. Meditava? Não. Caminhadinha no final da tarde? Porra nenhuma! Era só em função dessas merdas. Lendo gente que só falava besteira, vendo foto de felicidade de mentira e eu também estava no meio disso, querendo mostrar um pouquinho do quanto eu era feliz e de como a minha vida era boa; só tinha um detalhe: eu não estava vivendo a minha vida. Tava na porra do telefone!

Tirei do meu telefone o facebookson, o twitterson - que me divertia muito por causa dos baphões - e o instagramzzz. Mas de vez em quando ainda espio coisas nessas redes, o que me faz pensar que a adicção é mesmo uma parada sem cura. Principalmente porque você não deixa de ter um vício, você apenas o troca por outro. No meu caso, Youtubz e portais de notícias. E eu continuo na merda!!! Não tenho controle da minha vida. Acesso os portais de notícias - globo e uol - pelo menos três ou quatro vezes por dia -, faço vários quizzes do buzzfeed - sim, eu sou essa pessoa que sustenta aquele bando de gente que cria um "conteúdo" de merda... e o Youtubz... nossa! Minha vida é assistir vídeos enquanto lavo a louça, enquanto vou ao banheiro, enquanto faço qualquer coisa.

Eu não consigo mais ficar sozinha comigo mesma sem ter o telefone do meu lado pra me "preencher", sendo que eu só me sinto cada vez mais vazia. Fico ansiosa quando não estou vendo algum vídeo ou lendo alguma notícia. Mas me pergunta se eu tento aplacar a ansiedade fazendo alguma coisa útil? Não. Sabe o que eu faço? Eu como. Eu penso nas coisas que eu deveria fazer por compromisso ou obrigação e daí eu como. Eu penso nas coisas que poderia fazer por prazer e daí eu como. Comer me dá um prazer que já vem instantaneamente acompanhado de culpa, de arrependimento, de vontade de desaparecer da face da terra.

Perdi o controle da minha vida. Perdi minha capacidade de discernimento quando permiti que um aparelho eletrônico virasse a válvula de escape pra eu fugir da minha vida e das minhas responsabilidades e é tão claro o mal que isso me faz que eu sequer consigo curtir plenamente os momentos em que eu estou anestesiada. Claro que não é só isso, claro que a tecnologia é também maravilhosa e facilitadora da nossa vida, mas se por acaso, você tem se sentido como eu, com uma agitação no peito, uma angústia que não passa, uma ansiedade que só para quando a tela é ligada e quando ela é desligada você procrastina suas tarefas para ligá-la de novo, então, meu amigo, você está fodido como eu.

Somos adictos da tecnologia e isso não é nenhum mérito. Por que é que é sempre mais fácil gostar do que nos faz mal do que das coisas que nos fazem bem? Não sei. Vou tentar descobrir e depois eu volto pra contar. Talvez eu ache a resposta no Goooooogle, vai saber.