quando desci do carro foi que percebi que o havia estacionado muito longe da calçada, para variar. eu já estava um minuto atrasada, mas minha falta de habilidade precisava ser corrigida. entrei no carro novamente e manobrei - ele continuou mal parado, mas estava um pouco menos no meio da rua - eu disse foda-se e fui adiante. achei que não tinha tempo a perder, mas receio tê-lo perdido de qualquer forma, já lá, sentadinha na cadeira de couro sintético que grudava nas minhas costas por causa do calor.
eu falei, falei e falei mais um pouco do quanto tinha se desvanecido aquela figura da minha mente - um mês atrás, quando comecei em uma sessão solitária pré-natal e sem qualquer efeito positivo, queria saber por que diabos depois de mais de seis meses de fósforo queimado, eu continuava insistindo no que existia somente na minha cabeça? falei de pai e de mãe, chorei sob a máscara - o que é um verdadeiro horror, e não cheguei no que achava que me consumia.
então, hoje, já me consumia por outra figura, uma que há muito me atormenta: eu mesma. não está fora, Karla, está dentro, como sempre. entenda esta merda de uma vez por todas! saí da sessão tão frustrada quanto entrei e foi só a segunda. acho que não gosto do meu analista. interaja comigo, por favor, me provoque! em quarenta e cinco minutos só consegui sentir angústia e alguma paz de leve observando as nuvens rosadas pela janela aberta. o som dos pássaros junto ao som da vida acontecendo pela rua era de alguma forma reconfortante. ainda na poltrona de napa vagabunda, recostei a cabeça sobre ela, quase contemplando minha perda de tempo enquanto pensava em tudo e em nada juntos.
na frente do prédio acendi um cigarro que parecia não querer estar aceso. fumei-o a contragosto, não meu, mas do próprio cigarro. entrei no carro e não quis voltar para casa. não gosto de não querer voltar pra casa. dirigi pacientemente enquanto os automóveis se enfileiravam à minha frente. a noite estava finalmente surgindo e fitei a lua. não estava grande nem nada. era apenas um pequeno pedaço dela. um pequeno pedaço brilhante e amarelo. a lua parecia a unha do polegar de um violeiro, daqueles que fumam cigarros de palha à beira do lago em noites de lua como esta. acrescento à noite o som das cigarras e dos pernilongos confiados que nos comem as pernas enquanto os esconjuramos.
mais um dia passou. já é sábado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário