quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

sobre a praia

                                              

eu não gostava de lá a princípio. sentia-me bagunçada. vulnerável ao sol, ao vento, à areia. pra quê tanta areia? no último final de semana, vi um homem fazendo um castelo formado por uns tantos baldes das pequeninas esferas molhadas e gostei. senti vontade de fazer um com as mãos, sem ferramentas que lhe dessem forma. queria que fosse todo por minha obra, mas pensei que, para isso, deveria estar mais perto do mar, longe da areia fofa e com a areia compactada à mão. eu me sentaria sobre ela e trabalharia construindo meu castelo. não tão perto, para que as ondas não o levassem enquanto ainda estivesse inconcluso. queria poder contemplá-lo, e me imaginar dentro dele; porto-seguro instável.

a praia, esse lugar bravio onde as pessoas vão. nela sentem toda a sorte de natureza. os quatro elementos. o calor do sol, a brisa do ar, o sal da água e a terra que não é firme; é macia, é seca e molhada, quente e gelada. você fica dentro e fora. sobre e sob. são muitas sensações e quase todas à nossa revelia. a praia é uma experiência de desprendimento. de frescor em dias escaldantes. de imaginação em dias encobertos. de apreciação da luz e do som assustador e nunca repetido das ondas. da brisa salgada que cola na pele junto com a areia que empana os corpos. a praia é uma grande experiência de pessoas à moda milanesa. alguns, as crianças especialmente, alegram-se de se refestelar sobre seu chão; outros, como eu, não apreciam o contato inquietante com o que há lá em muito maior quantidade do que se poderia contar. quantos grão será que há? serão passíveis de contagem? incômodos que são, jamais me daria ao trabalho infinito, mas me pergunto.

da mesma forma, me pergunto como funciona o mar. por que não nos invade? por que não nos toma enquanto estamos virados para ele, fitando-o com olhos embasbacados de admiração? por que não se vinga de nós? eu me vingaria, todos os dias. arrastaria vários para o fundo. se fosse o mar, eu afogaria a todos que viessem brincar em minhas ondas. só porque eu poderia; só porque eu teria esse poder selvagem.

o sol faz isso. age implacável sobre quem está abaixo dele, na praia. agiu sobre mim. "insolei". o corpo todo, mas um pouco da sua quentura se alojou mais vigorosamente na parte posterior de minhas coxas. o ardor ainda persiste, embora menos intenso. senti seu calor como pedras quentes cozendo minha pele; como se se amalgamasse ao meu couro, ao mesmo tempo em que ele se desfaz no inferno vermelho localizado. dói. digo que jamais voltarei à praia e que toda a areia que há nela poderia ser substituída pelo porcelanato que está presente no chão das casas burguesas. é muito chique, fresco, limpo. eu não sou chique, fresca, limpa. mas assim me vingaria dela.

tiraria um pouco de sua beleza primitiva e colocaria no lugar um pedra sintética, lisa, brilhante, chique, fresca e limpa. que tipo de pessoa uma atitude como essa me tornaria? o tipo do qual o sol se vinga, torrando.

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