domingo, 10 de janeiro de 2021

sobre os encontros




no encontro, passamos os dois pela mesma porta, cada um vindo de um lado diferente dela. eu no meu mundo - dentro -, você no seu mundo - fora. não só porque vem de fora, mas porque não sou eu. é só no pequeno espaço da soleira da porta que se dá a reunião, sempre breve. você toca na aldrava da minha porta e eu permito que entre. vem, senta aqui comigo. olha só como é a vida que levo. o que é que quer ver? eu mostro. vê o amontoado de coisas que posso te mostrar; tudo meio confuso, meio misturado, meio raso, meio fundo.

olha aqui, no espelho, enquanto me fode, enquanto molhamos a cama de suor, enquanto o encontro não acaba. olha todas as demais dimensões e camadas que se dão ainda na piscina infantil, com a água batendo nos joelhos, clara; ainda consigo ver meus pés, é seguro. na fossa das Marianas ninguém se arrisca a mergulhar. molhar a cabeça pode ser perigoso. aqueles peixes horrorosos e brilhantes estão lá embaixo, como vagalumes do mar. tem certo encanto nisso, não tem? nossos pequenos demônios que carregam a feiúra dos nossos males, mas que têm sobre suas cabeças uma lanterninha cintilante mostrando que a despeito de serem feios e amedrontadores, têm que ser vistos e, no fim das contas, são menos piores do que imaginávamos que fossem.

tem certo encanto na surpresa aterrorizante da apnéia. por quanto tempo você suporta ficar sem ar? até onde consegue ir sem se afogar? ninguém quer ficar azul no encontro. só queremos passar pela porta, tê-lo. convido que entre em mim, no meu mundo. se joga, então, até onde conseguir. te encontro no meio termo, no meio do caminho, onde ainda conseguimos ver a nós mesmos sem perder a claridade do sol. sem que a água fique turva pela falta de luz, pela profundidade. sem que possas conhecer a sombra que só pode ver quem vai mais fundo no salto.

 

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