quarta-feira, 26 de outubro de 2011
sábado, 22 de outubro de 2011
Sobre ser mãe (vídeo)
Espero que vocês consigam entender tudo, porque eu chorei no meio do caminho...
http://www.youtube.com/watch?v=EoeWwQEIUs0
http://www.youtube.com/watch?v=EoeWwQEIUs0
Kobrasol: diversão, a gente vê por aqui
Pouco antes da uma da manhã, estava eu sentada aqui, olhando pras paredes, quando decidi que teria uma noite feliz. Troquei de roupa ouvindo The time of my life, peguei uns trocados e saí, lépida e fagueira pelo bairro, disposta a bater papo com quem aparecesse. O problema é que fui andando, e não via ninguém. Rua deserta, esquina, nem uma alma; andei em direção à praça do vovô. Cheiro de maconha, barzinho aberto, comprei uma Coca. Continuei andando, passei pela avenida central e fui em direção ao prédio onde morei. Ninguém. Que coisa! Quando a gente quer conversar com alguém, nunca aparece um sujeito! Até que indo, indo, indo, vejo mais à frente um grupo de travestis. Passei por elas, pelo outro lado da rua, pensei um pouco e voltei. É aqui que vou começar a conversa!
Abordei-as com um "oi!" e elas "oi!" pra mim. E a loira virou pra morena e disse: "Ela parece aquela amapô que eu te falei". Daí, então, perguntei seus nomes. A loira, de 29 anos, olhos verdes, esguia, bonita e espevitada se chamava Bruna; a mais alta e mais nova, com 21 anos, era a Talita e a Gabriela estava tentando chegar num cliente quando eu perguntei a idade delas, então não sei quantos anos tinha, mas ela parecia ser a mais velha.
Elas me perguntaram o que eu fazia sozinha na rua àquela hora, e eu disse que estava passeando. Perguntaram onde estava o meu marido (hahaha) e eu disse que não tinha um, daí começaram o discurso da maneira mais engraçada que eu já vi. "Isso aí, não tem marido, não! Homem só serve pra incomodar." "Tem que usar e jogar no lixo, que nem latinha de refrigerante!". Eu ri.
Bruna tomava uma cerveja com canudinho e ficava se esfregando em uma placa, como se estivesse dançando . Adorei ela! A Talita era "casada" e o marido dela ficava do outro lado da rua, meio escondido pra não espantar a freguesia. Eu perguntei se ele não se incomodava dela estar ali, ao que ela me respondeu que não. Óbvio que não se incomodava, né Karla? Se ele se incomodasse, não deixaria ela fazer ponto enquanto ele comprava balinhas de canela pra depois nos oferecer gentilmente.
Gabriela era a mais ocupada de todas, pois cada carro que parava, ela ia ver se conseguia ganhar algum cliente, e olhe que pararam muitos carros! Um carinha passou do outro lado da rua, a pé, e a Bruna gritava, chamando-o, "Oh, tem cu mas também tem pombinha", apontando pra mim. Eu ria e ria mais um pouco! Perguntei a ela se o fato de eu ficar ali não as atrapalhava, e ela disse que não; só se fosse homem, porque segundo ela, se fosse um homem, os clientes não parariam, pensando que seriam roubados.
Fui chamada de "visita" por elas e a Talita provocava Bruna porque ela tinha um problema de dicção com os "erres". Curiosa que sou, perguntei quanto custava um programa. Oitenta reais no motel, cinquenta no carro e o boquete variava entre vinte e trinta reais, dependendo da cara do cliente. Disseram que os caras com os carros mais simples são os que pagam melhor, porque os que têm carros mais chiques só andam com cartões de crédito. Disseram que dormiam o dia todo pra aguentar à noite.
Despedi-me daquela esquina com cheiro adocicado dizendo que ia à padaria, mas que voltaria logo.
E foi na padaria que eu conheci o Seu Juca; um senhor negro que usava um terno puído, tinha olhos inocentes e gestos de abstêmio, apesar de nem um cheiro de bebida. Ele estava sentado na calçada e me pediu um real e cinquenta pra tomar um café. Dei-lhe dois reais e sentei ao seu lado. Perguntei o seu nome, disse o meu e começamos a conversar. Ele me perguntou de onde eu era; disse que daqui mesmo. Ele falou que conhecia o Kobrasol desde a época em que o Mc Donalds ainda nem existia, era um campo de futebol, e acho que foi nessa mesma época que eu morei aqui pela primeira vez; coisa de vinte e um anos atrás.
Disse que passou a adolescência em Curitiba e insistiu que o edifício Joelma, que pegou fogo anos atrás, ficava lá e não em São Paulo. Falamos sobre os nomes engraçados dos bairros de lá, como Bacaxeri. Falamos do clima e ele me perguntou se eu gostava de praia; sim, a da Solidão. Ele achou que eu morava no Bosque das Mansões, falou de um prédio bonito e envidraçado que ficava em frente à praça Tiradentes, e que havia um igual a ele em Joinville. Então nos despedimos e ele me estendeu a mão. Cumprimentei-o e disse que tinha sido um prazer conhecê-lo, e realmente foi.
Quando me levantei, começou uma baita briga na esquina, na "cachaçaria". Umas mulheres berravam no meio da rua e eu me afastei, indo em direção à esquina onde antes estavam as minhas novas conhecidas, mas elas haviam ido embora. Voltei pra avenida e a briga só tinha aumentado. Os gritos continuavam. Dois caras enormes e sem camisas estavam descontrolados. Eu parei, longe, pra ver o que estava havendo.
Alguém chamou alguém de macaco. A confusão continuou e continuou. As mulheres gritavam, mas já estavam do outro lado da rua, quando na frente do tal lugar, outras duas começaram a discutir e a se engalfinhar. Juntou-se um monte de gente e um cara foi socado e chutado até cair. Os vizinhos do lugar estavam todos nas janelas e mais de cem pessoas na rua, vendo, correndo pra apartar e acompanhando toda a celeuma.
Nisso, os carros que passavam em frente iam parando pra ver a briga, as motos passavam acelerando motores, fazendo muito barulho e o buzinaço começou. No meio de tudo, a histérica do começo da briga continuava gritando loucamente. Era o caos! Uns dez minutos depois, pela mão única da avenida, ouvi as sirenes de um carro da Polícia Militar. Os carros que estavam na frente subiram na calçada pra que a viatura passasse. Parou mais adiante, mas o tumulto continuou.
Um minuto depois, o que vinha já era um camburão que, acho, era de Operações Táticas, pois era o que estava escrito nele. Esse já veio bem mais agressivo, passando por cima da calçada a mil por hora. Parou rapidamente, e dele desceram três policiais com enormes porretes, armas pesadas que eu não saberia identificar, mas que certamente davam medo, e até com uma arma daquelas que servem pra lançar bombas de gás.
Guerra civil? Hehehe, quase. Logo os machões viraram cordeiros, as pessoas começaram a sair do tal muquifo feito formigas que saem do ninho depois de alguém enfiar uma vareta nele, e a louca lá continuava gritando (!!!).
A paz (?) voltou a reinar neste bairro que eu tanto amo, e eu vim pra minha casinha contar tudo isso a vocês.
Abordei-as com um "oi!" e elas "oi!" pra mim. E a loira virou pra morena e disse: "Ela parece aquela amapô que eu te falei". Daí, então, perguntei seus nomes. A loira, de 29 anos, olhos verdes, esguia, bonita e espevitada se chamava Bruna; a mais alta e mais nova, com 21 anos, era a Talita e a Gabriela estava tentando chegar num cliente quando eu perguntei a idade delas, então não sei quantos anos tinha, mas ela parecia ser a mais velha.
Elas me perguntaram o que eu fazia sozinha na rua àquela hora, e eu disse que estava passeando. Perguntaram onde estava o meu marido (hahaha) e eu disse que não tinha um, daí começaram o discurso da maneira mais engraçada que eu já vi. "Isso aí, não tem marido, não! Homem só serve pra incomodar." "Tem que usar e jogar no lixo, que nem latinha de refrigerante!". Eu ri.
Bruna tomava uma cerveja com canudinho e ficava se esfregando em uma placa, como se estivesse dançando . Adorei ela! A Talita era "casada" e o marido dela ficava do outro lado da rua, meio escondido pra não espantar a freguesia. Eu perguntei se ele não se incomodava dela estar ali, ao que ela me respondeu que não. Óbvio que não se incomodava, né Karla? Se ele se incomodasse, não deixaria ela fazer ponto enquanto ele comprava balinhas de canela pra depois nos oferecer gentilmente.
Gabriela era a mais ocupada de todas, pois cada carro que parava, ela ia ver se conseguia ganhar algum cliente, e olhe que pararam muitos carros! Um carinha passou do outro lado da rua, a pé, e a Bruna gritava, chamando-o, "Oh, tem cu mas também tem pombinha", apontando pra mim. Eu ria e ria mais um pouco! Perguntei a ela se o fato de eu ficar ali não as atrapalhava, e ela disse que não; só se fosse homem, porque segundo ela, se fosse um homem, os clientes não parariam, pensando que seriam roubados.
Fui chamada de "visita" por elas e a Talita provocava Bruna porque ela tinha um problema de dicção com os "erres". Curiosa que sou, perguntei quanto custava um programa. Oitenta reais no motel, cinquenta no carro e o boquete variava entre vinte e trinta reais, dependendo da cara do cliente. Disseram que os caras com os carros mais simples são os que pagam melhor, porque os que têm carros mais chiques só andam com cartões de crédito. Disseram que dormiam o dia todo pra aguentar à noite.
Despedi-me daquela esquina com cheiro adocicado dizendo que ia à padaria, mas que voltaria logo.
E foi na padaria que eu conheci o Seu Juca; um senhor negro que usava um terno puído, tinha olhos inocentes e gestos de abstêmio, apesar de nem um cheiro de bebida. Ele estava sentado na calçada e me pediu um real e cinquenta pra tomar um café. Dei-lhe dois reais e sentei ao seu lado. Perguntei o seu nome, disse o meu e começamos a conversar. Ele me perguntou de onde eu era; disse que daqui mesmo. Ele falou que conhecia o Kobrasol desde a época em que o Mc Donalds ainda nem existia, era um campo de futebol, e acho que foi nessa mesma época que eu morei aqui pela primeira vez; coisa de vinte e um anos atrás.
Disse que passou a adolescência em Curitiba e insistiu que o edifício Joelma, que pegou fogo anos atrás, ficava lá e não em São Paulo. Falamos sobre os nomes engraçados dos bairros de lá, como Bacaxeri. Falamos do clima e ele me perguntou se eu gostava de praia; sim, a da Solidão. Ele achou que eu morava no Bosque das Mansões, falou de um prédio bonito e envidraçado que ficava em frente à praça Tiradentes, e que havia um igual a ele em Joinville. Então nos despedimos e ele me estendeu a mão. Cumprimentei-o e disse que tinha sido um prazer conhecê-lo, e realmente foi.
Quando me levantei, começou uma baita briga na esquina, na "cachaçaria". Umas mulheres berravam no meio da rua e eu me afastei, indo em direção à esquina onde antes estavam as minhas novas conhecidas, mas elas haviam ido embora. Voltei pra avenida e a briga só tinha aumentado. Os gritos continuavam. Dois caras enormes e sem camisas estavam descontrolados. Eu parei, longe, pra ver o que estava havendo.
Alguém chamou alguém de macaco. A confusão continuou e continuou. As mulheres gritavam, mas já estavam do outro lado da rua, quando na frente do tal lugar, outras duas começaram a discutir e a se engalfinhar. Juntou-se um monte de gente e um cara foi socado e chutado até cair. Os vizinhos do lugar estavam todos nas janelas e mais de cem pessoas na rua, vendo, correndo pra apartar e acompanhando toda a celeuma.
Nisso, os carros que passavam em frente iam parando pra ver a briga, as motos passavam acelerando motores, fazendo muito barulho e o buzinaço começou. No meio de tudo, a histérica do começo da briga continuava gritando loucamente. Era o caos! Uns dez minutos depois, pela mão única da avenida, ouvi as sirenes de um carro da Polícia Militar. Os carros que estavam na frente subiram na calçada pra que a viatura passasse. Parou mais adiante, mas o tumulto continuou.
Um minuto depois, o que vinha já era um camburão que, acho, era de Operações Táticas, pois era o que estava escrito nele. Esse já veio bem mais agressivo, passando por cima da calçada a mil por hora. Parou rapidamente, e dele desceram três policiais com enormes porretes, armas pesadas que eu não saberia identificar, mas que certamente davam medo, e até com uma arma daquelas que servem pra lançar bombas de gás.
Guerra civil? Hehehe, quase. Logo os machões viraram cordeiros, as pessoas começaram a sair do tal muquifo feito formigas que saem do ninho depois de alguém enfiar uma vareta nele, e a louca lá continuava gritando (!!!).
A paz (?) voltou a reinar neste bairro que eu tanto amo, e eu vim pra minha casinha contar tudo isso a vocês.
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
Gracias!
Foram 134 acessos. Este humilde blog nunca tinha visto tanta gente num único dia.
Triste foi que, só para variar um pouco, quase ninguém comentou. Algumas pessoas deixaram comentários aqui e outras no Facebook.
Os pedidos não foram muitos, mas o que ganhou com a maioria esmagadora de dois (!!!!) votos foi A Besta.
E pra ele, eu já fiz um vídeo, mas a bateria da câmera acabou e está carregando agora... vai levar um tempinho então.
Os outros pedidos foram Eu Quero, Como Foi pra Mim, A Punheta de Todo Dia (não poderia faltar) e ... .
Esses eu vou colocando ao longo dos dias.
Adorei os comentários e por eles terem sido tão afetivos, continuarei escrevendo até que os meus dedos caiam. =P
Triste foi que, só para variar um pouco, quase ninguém comentou. Algumas pessoas deixaram comentários aqui e outras no Facebook.
Os pedidos não foram muitos, mas o que ganhou com a maioria esmagadora de dois (!!!!) votos foi A Besta.
E pra ele, eu já fiz um vídeo, mas a bateria da câmera acabou e está carregando agora... vai levar um tempinho então.
Os outros pedidos foram Eu Quero, Como Foi pra Mim, A Punheta de Todo Dia (não poderia faltar) e ... .
Esses eu vou colocando ao longo dos dias.
Adorei os comentários e por eles terem sido tão afetivos, continuarei escrevendo até que os meus dedos caiam. =P
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
A quem me lê
Queridas pessoas que me lêem,
eu nunca fui muito esperta pra mexer em certas coisas, como neste blog.
Não sabia, por exemplo, que as estatísticas dele eram relativamente confiáveis. Só descobri isso uns poucos meses atrás.
Graças a elas, descobri também que o meu post mais acessado era este, e que as pesquisas por palavras-chave também traziam os punheteiros até aqui. Isso me leva a crer que os meninos não estão muito bons no esporte, o que é triste, pois se buscam informação por punheta, imagino que não saibam nem onde fica uma boceta, mãããs, falar sobre isso não é o objetivo deste post.
Prosseguindo, descobri também que pessoas de várias nações já me visitaram! =] Estados Unidos, Portugal, Alemanha, Angola, Holanda, Polônia, Rússia e Canadá. Só não fico mais feliz porque gente de qualquer parte do mundo bate punheta... =(
O fato é: se você se desprende, de seja lá o que for que estiver fazendo, para vir até aqui e ler o que eu tenho a dizer, então peço que, por favor, diga o que acha!
Há várias opções de elogios e também de ofensas, mas o silêncio é brochante...
Espero grandes colaborações, como:
"Nossa, não sei como você ainda não ganhou um Nobel de literatura."
"Você é tão boa que vou te citar no meu TCC."
"Você me entende como ninguém... casa comigo?"
Mas também aceito as críticas construtivas:
"Quem foi que disse que tem alguém interessado na sua vida de merda?"
"Você escreve pior do que eu."
"Por que ainda mantém essa joça ativa?"
Todas as opiniões são bem-vindas, mas é claro que eu prefiro as que enaltecem o meu talento esplendoroso e toda a minha fluidez textual. De qualquer forma, sintam-se impelidos a me dar um feedback. Ah, eu também adoraria escrever sobre algo sugerido por vocês. Motes me motivam, vejam só.
Com carinho e esperando milhões de comentários,
Cristina FernandeZ
eu nunca fui muito esperta pra mexer em certas coisas, como neste blog.
Não sabia, por exemplo, que as estatísticas dele eram relativamente confiáveis. Só descobri isso uns poucos meses atrás.
Graças a elas, descobri também que o meu post mais acessado era este, e que as pesquisas por palavras-chave também traziam os punheteiros até aqui. Isso me leva a crer que os meninos não estão muito bons no esporte, o que é triste, pois se buscam informação por punheta, imagino que não saibam nem onde fica uma boceta, mãããs, falar sobre isso não é o objetivo deste post.
Prosseguindo, descobri também que pessoas de várias nações já me visitaram! =] Estados Unidos, Portugal, Alemanha, Angola, Holanda, Polônia, Rússia e Canadá. Só não fico mais feliz porque gente de qualquer parte do mundo bate punheta... =(
O fato é: se você se desprende, de seja lá o que for que estiver fazendo, para vir até aqui e ler o que eu tenho a dizer, então peço que, por favor, diga o que acha!
Há várias opções de elogios e também de ofensas, mas o silêncio é brochante...
Espero grandes colaborações, como:
"Nossa, não sei como você ainda não ganhou um Nobel de literatura."
"Você é tão boa que vou te citar no meu TCC."
"Você me entende como ninguém... casa comigo?"
Mas também aceito as críticas construtivas:
"Quem foi que disse que tem alguém interessado na sua vida de merda?"
"Você escreve pior do que eu."
"Por que ainda mantém essa joça ativa?"
Todas as opiniões são bem-vindas, mas é claro que eu prefiro as que enaltecem o meu talento esplendoroso e toda a minha fluidez textual. De qualquer forma, sintam-se impelidos a me dar um feedback. Ah, eu também adoraria escrever sobre algo sugerido por vocês. Motes me motivam, vejam só.
Com carinho e esperando milhões de comentários,
Cristina FernandeZ
terça-feira, 18 de outubro de 2011
Na caçamba, o desejo e a vergonha
As noites não são mais as mesmas. Sinto todo o tipo de agonia. Se me cubro, sinto calor; se me descubro, sinto frio. Reviro-me pelos sonhos macabros. Sonho muito, sonhos variados. Havia falta de água ou excesso dela numa escola. Andava pela rua, passava em uma farmácia e comprava incontáveis produtos, não sei ao certo o que eram, mas me eram muito agradáveis às vistas. Quando saía, à esquina, via um amontoado de gente que estava parada, mas não com o mesmo espanto que eu.
O meu espanto era de ver um camelo, sem os membros nem a cabeça, apodrecendo na calçada. O cheiro de carniça era insuportável, e perto dali havia uma caçamba de entulhos, na qual estavam a cabeça e os membros dele. Eu chegava perto com muita curiosidade; a cabeça estava toda estourada, com um enorme buraco onde deveria estar seu cérebro. Eu a pegava, olhava-a por dentro e então percebia duas ou três larvas verdadeiramente grandes naquele vazio sujo. Soltava-a com nojo, e não entendia por que aquelas pessoas estavam ali, como que apreciando os efeitos de um espetáculo de esquartejamento.
Mas eu também estava ali, eu também me encantei por toda a sujeira. A quem eu estava julgando? Aos outros ou a mim mesma por não aceitar o que via com naturalidade?
Era uma casca, uma casca com cor de caramelo, estufada. Era a morte na rua, com plateia e divertimento. Eu também queria me divertir. Se já está morto, que apreciemos então a beleza disso; a curiosidade pelo que ainda seremos, todos.
O meu espanto era de ver um camelo, sem os membros nem a cabeça, apodrecendo na calçada. O cheiro de carniça era insuportável, e perto dali havia uma caçamba de entulhos, na qual estavam a cabeça e os membros dele. Eu chegava perto com muita curiosidade; a cabeça estava toda estourada, com um enorme buraco onde deveria estar seu cérebro. Eu a pegava, olhava-a por dentro e então percebia duas ou três larvas verdadeiramente grandes naquele vazio sujo. Soltava-a com nojo, e não entendia por que aquelas pessoas estavam ali, como que apreciando os efeitos de um espetáculo de esquartejamento.
Mas eu também estava ali, eu também me encantei por toda a sujeira. A quem eu estava julgando? Aos outros ou a mim mesma por não aceitar o que via com naturalidade?
Era uma casca, uma casca com cor de caramelo, estufada. Era a morte na rua, com plateia e divertimento. Eu também queria me divertir. Se já está morto, que apreciemos então a beleza disso; a curiosidade pelo que ainda seremos, todos.
O dia A
O dedo está melhorando, mas ainda há pus e todo o aspecto nojento. Ele já deveria ter sarado, mas só notei a importância de usar um antisséptico depois de usá-lo. Achei que sararia sozinho, como das outras vezes, mas como essa espetada, especificamente, eu causei esperando grandes dores, foi o que eu tive.
Amanhã é o dia da purificação; tarôs e mapas de previsão me avisaram que ele chegaria, então vou ficar bem.
Amanhã é o dia da purificação; tarôs e mapas de previsão me avisaram que ele chegaria, então vou ficar bem.
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
A besta
Desencravei a unha do dedão do pé direito e agora ele lateja. Não, não desencravei, eu descolei uma lasca de pele rente à unha. Há a inflamação. O pus com a carne viva. A área quente pulsa e dói, muito. Mas quantas vezes já fiz isso? O prazer da dor. Dor e prazer são a mesma coisa, não é? Isso faz dias e ainda dói, parece que está pior; forma-se a ferida, mas ela custa a cicatrizar. Antes que sare, ela incha, deforma.
Há dias eu tenho vontade de gritar, de me exorcizar. Vontade de sair correndo e berrar o mais alto que eu puder. Descobri tanto sobre mim nos últimos tempos e, antes que eu me restabeleça, vou ruir. Não tem mais nada que eu não consiga ver de podre em tudo o que eu sou.
Eu, eu, eu, é tudo sobre mim, o tempo todo. Está em toda parte a minha sujeira, me lembrando quem é que manda.
Se eu me odeio tão profundamente, como posso permitir que alguém me ame? Como posso permitir que alguém me veja de um jeito diferente? A gente é o que é, eu aprendi. E eu, o que sou?
Queria que sentissem pena de mim no fundo, mas eu não sou digna de nada disso. Culpar alguém? Quem, senão a mim mesma? Sabe quem sou eu?
Pensando agora, pode ser que todos já me conheçam, só que nunca tinha me dado conta.
Culpa? Não sinto mais. A gente é o que é, eu aprendi, mas não é o que foi. Ainda assim, carrega a merda toda como se fosse um pedaço da gente.
Eu fui uma putinha, daquelas asquerosas que você comia o quanto quisesse e sempre que precisasse descarregar toda a porra que havia em você, era só me procurar, eu estava sempre de pernas abertas. Puta escrota, vagabunda barata, que fazia cara de poucos amigos, mas estava sempre pronta pra foder.
Que me fodessem de qualquer jeito, era o que eu queria, e depois chorava em casa, sozinha porque ninguém me amava. Depois de adulta, me enchi de recalques, negando todas as putarias que já fizera. Coisa de puta, quase coisa de puta que vira crente.
Eu acreditava em deus, mas agora que me mostraram que ele não existe, por que preciso fingir culpa por ser que eu sou? A gente tem de andar na linha, porque não existe deus, mas existem regras de civilidade, de convivência. Roubei namorados com os meus encantos de rameira, e em algum momento eles acreditaram que eu fosse uma ninfomaníaca; a vagabunda dos sonhos, com cara de mulher decente.
Me mostrava, então, fria, distante, com a libido de uma porta, enfiada dentro de uma concha, na qual mentalmente eu injuriava todos. Eu pedia para ser traída, depois pedia para não ser abandonada para que continuasse sendo traída. Ninguém me amava, não amava ninguém, mas não aceitava perder.
Quem mete no cu dos outros, em algum momento também toma, e eu tomei, ah, tomei gostoso...
Precisava do controle, da dominação, da paranoia que me lancinava e me fazia ter palpitações, dormir o dia inteiro, sonhar com coisas boas e ruins, e viver acordada coisas piores e inimagináveis. Eu queria o pacto, a certeza, mas não por amor, por posse, só para que pudesse continuar pisando os outros e comprovando que ninguém era decente, assim como eu não era.
Comprei pessoas também. Umas foram muito baratas. Vendiam-se por qualquer coisa, mas sempre queriam mais, e eu lhes dava o que queriam. Comprei conforto, proteção, companhia. Comprei o que o dinheiro podia comprar. Esperava devoção eterna, mas quem se rende ao dinheiro só funciona diante dele e os negócios sempre foram à parte.
Invejei pessoas, relações, coisas, atributos, inteligência, beleza, poder. Eu fui torpe, podre. Queria amor, ah, quantas vezes eu falei de amor, de comichões, de expectativas, tudo infundado e mentiroso. Nada disso existe, nem pode ser construído. É tudo um jogo de emoções efêmeras e baratas. Puro interesse. Meu e de todo mundo. Sempre se busca a troca, a via de duas mãos.
Quando se tem, acredita-se em amor. Quando não se tem, a culpa é sempre do outro que continua em busca do que não existe, assim como você. Alguns são falsamente preenchidos por essa sensação de amparo. Tudo mentira. Em breve aparecerá alguém melhor do que você jamais será, e adivinhem? O amor tão puro se vai.
Eu tô tão feliz, vou lembrar sempre daquela cara dizendo isso para mim. Você me ama? Amo. Você me ama? Amo. Mas vem cá, você me ama? Amo, caralho! Ah, tá, era só para saber, porque todo aquele papo de que eu te amava, passou. Sabe como é a vida, né? As coisas evanescem ainda mais rápido do que um peido.
Claro, evanescem fácil porque simplesmente não existem. Eu não acredito mais nisso. Sofro ainda. Por amor? Não, também não amava, só queria estar por cima, sempre por cima. Olhando por cima, pisando por cima, cuspindo por cima, gozando por cima.
Sempre o ego, respondendo a tudo. Antes de me purificar, preciso me esfacelar. Precisa não sobrar nada de bom, porque tudo é ruim.
Interesseira, dominadora, péssimas relações filiais, deslocamento infinito. Tentei fazer parte, sendo o que nunca fui. Já falei da vontade de sair gritando? Nem isso posso fazer, porque porra, pessoas normais não saem gritando pelas ruas, vomitando seus podres, tendo ataques nervosos, exaltando-se loucamente.
Pessoas normais não surtam, não quebram tudo, não enxergam que fazem parte da mesma escória que eu. Elas acumulam um monte de merda como eu, engolem cada pedacinho grotesco, ruminam, os pedaços descem, sobem, vão para um lado e para outro dentro de você, até que você regurgita tudo, em todo mundo. Até que você começa a fazer isso o tempo todo, com qualquer pessoa.
Até o momento em que qualquer mendigo da rua te olha com pena, por poder ver através de você o quão escroto e miserável você é.
Queria ser tomada de tapas, contida, babando, vociferando sem controle todas as minhas verdades absolutas. Vamos, me escutem! Eu sei do que estou falando! Minhas experiências foram as mais terríveis de todas, não porque foram de fato, mas porque foram as que eu tive a oportunidade de sentir.
A porra do inferno está por toda parte, mas o lugar onde ele mais queima é dentro de mim mesma.
Há dias eu tenho vontade de gritar, de me exorcizar. Vontade de sair correndo e berrar o mais alto que eu puder. Descobri tanto sobre mim nos últimos tempos e, antes que eu me restabeleça, vou ruir. Não tem mais nada que eu não consiga ver de podre em tudo o que eu sou.
Eu, eu, eu, é tudo sobre mim, o tempo todo. Está em toda parte a minha sujeira, me lembrando quem é que manda.
Se eu me odeio tão profundamente, como posso permitir que alguém me ame? Como posso permitir que alguém me veja de um jeito diferente? A gente é o que é, eu aprendi. E eu, o que sou?
Queria que sentissem pena de mim no fundo, mas eu não sou digna de nada disso. Culpar alguém? Quem, senão a mim mesma? Sabe quem sou eu?
Pensando agora, pode ser que todos já me conheçam, só que nunca tinha me dado conta.
Culpa? Não sinto mais. A gente é o que é, eu aprendi, mas não é o que foi. Ainda assim, carrega a merda toda como se fosse um pedaço da gente.
Eu fui uma putinha, daquelas asquerosas que você comia o quanto quisesse e sempre que precisasse descarregar toda a porra que havia em você, era só me procurar, eu estava sempre de pernas abertas. Puta escrota, vagabunda barata, que fazia cara de poucos amigos, mas estava sempre pronta pra foder.
Que me fodessem de qualquer jeito, era o que eu queria, e depois chorava em casa, sozinha porque ninguém me amava. Depois de adulta, me enchi de recalques, negando todas as putarias que já fizera. Coisa de puta, quase coisa de puta que vira crente.
Eu acreditava em deus, mas agora que me mostraram que ele não existe, por que preciso fingir culpa por ser que eu sou? A gente tem de andar na linha, porque não existe deus, mas existem regras de civilidade, de convivência. Roubei namorados com os meus encantos de rameira, e em algum momento eles acreditaram que eu fosse uma ninfomaníaca; a vagabunda dos sonhos, com cara de mulher decente.
Me mostrava, então, fria, distante, com a libido de uma porta, enfiada dentro de uma concha, na qual mentalmente eu injuriava todos. Eu pedia para ser traída, depois pedia para não ser abandonada para que continuasse sendo traída. Ninguém me amava, não amava ninguém, mas não aceitava perder.
Quem mete no cu dos outros, em algum momento também toma, e eu tomei, ah, tomei gostoso...
Precisava do controle, da dominação, da paranoia que me lancinava e me fazia ter palpitações, dormir o dia inteiro, sonhar com coisas boas e ruins, e viver acordada coisas piores e inimagináveis. Eu queria o pacto, a certeza, mas não por amor, por posse, só para que pudesse continuar pisando os outros e comprovando que ninguém era decente, assim como eu não era.
Comprei pessoas também. Umas foram muito baratas. Vendiam-se por qualquer coisa, mas sempre queriam mais, e eu lhes dava o que queriam. Comprei conforto, proteção, companhia. Comprei o que o dinheiro podia comprar. Esperava devoção eterna, mas quem se rende ao dinheiro só funciona diante dele e os negócios sempre foram à parte.
Invejei pessoas, relações, coisas, atributos, inteligência, beleza, poder. Eu fui torpe, podre. Queria amor, ah, quantas vezes eu falei de amor, de comichões, de expectativas, tudo infundado e mentiroso. Nada disso existe, nem pode ser construído. É tudo um jogo de emoções efêmeras e baratas. Puro interesse. Meu e de todo mundo. Sempre se busca a troca, a via de duas mãos.
Quando se tem, acredita-se em amor. Quando não se tem, a culpa é sempre do outro que continua em busca do que não existe, assim como você. Alguns são falsamente preenchidos por essa sensação de amparo. Tudo mentira. Em breve aparecerá alguém melhor do que você jamais será, e adivinhem? O amor tão puro se vai.
Eu tô tão feliz, vou lembrar sempre daquela cara dizendo isso para mim. Você me ama? Amo. Você me ama? Amo. Mas vem cá, você me ama? Amo, caralho! Ah, tá, era só para saber, porque todo aquele papo de que eu te amava, passou. Sabe como é a vida, né? As coisas evanescem ainda mais rápido do que um peido.
Claro, evanescem fácil porque simplesmente não existem. Eu não acredito mais nisso. Sofro ainda. Por amor? Não, também não amava, só queria estar por cima, sempre por cima. Olhando por cima, pisando por cima, cuspindo por cima, gozando por cima.
Sempre o ego, respondendo a tudo. Antes de me purificar, preciso me esfacelar. Precisa não sobrar nada de bom, porque tudo é ruim.
Interesseira, dominadora, péssimas relações filiais, deslocamento infinito. Tentei fazer parte, sendo o que nunca fui. Já falei da vontade de sair gritando? Nem isso posso fazer, porque porra, pessoas normais não saem gritando pelas ruas, vomitando seus podres, tendo ataques nervosos, exaltando-se loucamente.
Pessoas normais não surtam, não quebram tudo, não enxergam que fazem parte da mesma escória que eu. Elas acumulam um monte de merda como eu, engolem cada pedacinho grotesco, ruminam, os pedaços descem, sobem, vão para um lado e para outro dentro de você, até que você regurgita tudo, em todo mundo. Até que você começa a fazer isso o tempo todo, com qualquer pessoa.
Até o momento em que qualquer mendigo da rua te olha com pena, por poder ver através de você o quão escroto e miserável você é.
Queria ser tomada de tapas, contida, babando, vociferando sem controle todas as minhas verdades absolutas. Vamos, me escutem! Eu sei do que estou falando! Minhas experiências foram as mais terríveis de todas, não porque foram de fato, mas porque foram as que eu tive a oportunidade de sentir.
A porra do inferno está por toda parte, mas o lugar onde ele mais queima é dentro de mim mesma.
sexta-feira, 14 de outubro de 2011
Legião
Tenho medo de dormir. Fico com os olhos arregalados diante da luz do monitor; meu corpo não se aquieta e tenho medo de dormir. Medo porque sei que no meio da madrugada, meu coração vai dar pulos tão fortes que vou ter a sensação de que me salta à boca, e isso me desespera.
Sono até tenho, mas tenho medo de pensar. O Torpe sempre chega mostrando o pior, o mais escroto do que pode haver, e é ele que me faz tremer, que me descontrola. Quando ele já está sentadinho à mesa da cozinha em que fica a minha mente, e começa a me dizer todos os impropérios que uma tia velha, invejosa e frustrada diria, o Razoável sai lá de dentro, dos cafundós emaranhados de mim pra vir ver o que está acontecendo.
Quando o Razoável chega, começa a briga. Torpe e Razoável não se dão muito bem, e por bastante tempo o descontrole do primeiro sapateou no meu palquinho; fez e desfez; mandou mais do que filho escroto de pais quarentões de primeira viagem. Era o caos.
O que controla vivia numa letargia, a base de conformismo, dor de barriga, preguiça e fome. Ele ficava numa cama grande, gordinho, vendo a merda ficar cada dia mais fedida, mas sem se manifestar, porque o básico, afinal, ele tinha.
Mas agora Razoável percebeu que precisava de dieta, que a casa estava uma zona e que a porra do Torpe não poderia mais mandar na bagaça dessa maneira! E ele achou que seria fácil... Ledo engano, pois enquanto ele rolava nos lençóis macios do comodismo, Torpe aprontava sem parar, sem parar, sem parar. Possuído. Dê-me comida, dê-me sexo, dê-me amor. Dê-me. Dê-me mais. Dê-me agora!
Essas coisinhas quando se automatizam são como uma praga. A sorte é que o apaziguador contou com os chacoalhões muito úteis de alguém que nem morava naquela bagunça. Essa pessoa foi quem primeiro brigou feio com o Torpe; deixou-o ensandecido, com os olhos faiscantes de ódio, de contrariedade, de orgulho, soberba e arrogância. E quando essa pessoa fez isso, Torpe se sentiu tão atingido, tão humilhado ao ver que sua vontade de manipular não vingaria diante dele, que gritou muito alto. Chorou, esperneou e não cessava sua raiva. Foi tudo isso que fez Razoável levantar da caminha confortável e ir ver o que rolava naquele muquifo.
Apesar de a pessoa ter brigado com Torpe e tê-lo atingido em cheio, ela não podia entrar naquele domínio tão pessoal que é a mente de cada um, porque cabeças não se abrem literalmente, a menos que uma força muito grande seja exercida sobre elas, mas aí há grandes chances delas estourarem, quebrarem ou amassarem, e o objetivo não é esse.
Razoável ouviu a discussão e só então percebeu que aquilo ali era trabalho dele. Ele agradecia imensamente à pessoa de bom coração e boa cabeça que o tinha despertado, mas dali em diante, a responsabilidade era só dele.
Cabia a ele domar, com toda sua pequenez, aquele enorme monstro que vivia de cabeça erguida, babando maldades e desejando ser satisfeito a qualquer custo.
E assim deve ser. Comigo, que começo agora a ter consciência de quem realmente sou, para que adiante, depois de matar meu Torpe e agradecer pelos serviços de Razoável, tenha a certeza de que sou muito mais do que o conflito de poder e dominação de dois lados dentro de um único corpo. Eu sou todos e ninguém ao mesmo tempo. Sou tudo e nada. Eu já sei disso, mas ainda não sinto.
Orai e vigiai.
Sono até tenho, mas tenho medo de pensar. O Torpe sempre chega mostrando o pior, o mais escroto do que pode haver, e é ele que me faz tremer, que me descontrola. Quando ele já está sentadinho à mesa da cozinha em que fica a minha mente, e começa a me dizer todos os impropérios que uma tia velha, invejosa e frustrada diria, o Razoável sai lá de dentro, dos cafundós emaranhados de mim pra vir ver o que está acontecendo.
Quando o Razoável chega, começa a briga. Torpe e Razoável não se dão muito bem, e por bastante tempo o descontrole do primeiro sapateou no meu palquinho; fez e desfez; mandou mais do que filho escroto de pais quarentões de primeira viagem. Era o caos.
O que controla vivia numa letargia, a base de conformismo, dor de barriga, preguiça e fome. Ele ficava numa cama grande, gordinho, vendo a merda ficar cada dia mais fedida, mas sem se manifestar, porque o básico, afinal, ele tinha.
Mas agora Razoável percebeu que precisava de dieta, que a casa estava uma zona e que a porra do Torpe não poderia mais mandar na bagaça dessa maneira! E ele achou que seria fácil... Ledo engano, pois enquanto ele rolava nos lençóis macios do comodismo, Torpe aprontava sem parar, sem parar, sem parar. Possuído. Dê-me comida, dê-me sexo, dê-me amor. Dê-me. Dê-me mais. Dê-me agora!
Essas coisinhas quando se automatizam são como uma praga. A sorte é que o apaziguador contou com os chacoalhões muito úteis de alguém que nem morava naquela bagunça. Essa pessoa foi quem primeiro brigou feio com o Torpe; deixou-o ensandecido, com os olhos faiscantes de ódio, de contrariedade, de orgulho, soberba e arrogância. E quando essa pessoa fez isso, Torpe se sentiu tão atingido, tão humilhado ao ver que sua vontade de manipular não vingaria diante dele, que gritou muito alto. Chorou, esperneou e não cessava sua raiva. Foi tudo isso que fez Razoável levantar da caminha confortável e ir ver o que rolava naquele muquifo.
Apesar de a pessoa ter brigado com Torpe e tê-lo atingido em cheio, ela não podia entrar naquele domínio tão pessoal que é a mente de cada um, porque cabeças não se abrem literalmente, a menos que uma força muito grande seja exercida sobre elas, mas aí há grandes chances delas estourarem, quebrarem ou amassarem, e o objetivo não é esse.
Razoável ouviu a discussão e só então percebeu que aquilo ali era trabalho dele. Ele agradecia imensamente à pessoa de bom coração e boa cabeça que o tinha despertado, mas dali em diante, a responsabilidade era só dele.
Cabia a ele domar, com toda sua pequenez, aquele enorme monstro que vivia de cabeça erguida, babando maldades e desejando ser satisfeito a qualquer custo.
E assim deve ser. Comigo, que começo agora a ter consciência de quem realmente sou, para que adiante, depois de matar meu Torpe e agradecer pelos serviços de Razoável, tenha a certeza de que sou muito mais do que o conflito de poder e dominação de dois lados dentro de um único corpo. Eu sou todos e ninguém ao mesmo tempo. Sou tudo e nada. Eu já sei disso, mas ainda não sinto.
Orai e vigiai.
Parei
Parei de fumar ontem e lembro dos cigarros constantemente. Joguei um maço deles, fechado, no lixo da cozinha, que já está cheio, e quando me bate uma fissura, penso em resgatá-lo pra poder dar uma tragada. Isso é burrice, sim ou claro?
Fumei durante onze anos, variando as quantidades e os malefícios. Sendo eu asmática, e sedentária até o último fio de cabelo, o que me restou foi sonhar com longas corridas, nas quais eu nunca me cansava e conseguia dar passadas enormes, pulos, quase uma decolagem em busca de um prazer tão simples quanto o de correr.
Eu não corria, eu morria subindo escadas e, graças a um ex-namorado hipocondríaco, hoje não consigo me ver sem uma bombinha de Aerolin e, com o tempo, a coisa só piorou; a casa fedia, meu carro fedia, eu nunca tinha dinheiro trocado, eu tinha tosses que duravam semanas e que me faziam parecer com o Mutley; eu tinha as pontas dos dedos manchadas, o hálito comprometido, as roupas defumadas, a cobrança da filha, as propagandas negativas, os olhares condenadores, a falta de ar, o pigarro...
Acontece que eu não dava a mínima pra nada disso. Fumar era um gozo. Uma gozada boa e demorada no meio da chuva de ansiedade, preguiça, ira e alienação.
Fumar é bom pra caralho. Nunca vou negar isso. O ato é de reflexão, simbólico. Eu viajava no barulho do atrito que a pedrinha do isqueiro fazia para que a chama surgisse; eu contemplava a fumaça que serpenteava o ar; eu admirava as brasas que iam comendo o papel e o fumo com seu calor. Era um tesão.
Quem fuma sabe que uma boa conversa ou uma boa discussão exigem um cigarro antes que tudo comece, depois que tudo termine. Quando se acorda, depois que se come e depois que se é comida. Às vezes, cagando, mas sempre sempre sempre nos momentos de angústia, preocupação e sofrimento. Fumar é dramático.
O que não foi um tesão foi ir ao médico essa semana e descobrir que, depois de fazer um teste de capacidade pulmonar, a capacidade dos meus pulmões já está comprometida e que, para alguém da minha idade, o teste deveria ter um aproveitamento de cem por cento, e o meu não tinha. Também não foi nada excitante ouvir dele, enfaticamente, que pessoas que fumam desenvolverão algum tipo de enfermidade em virtude do vício, mas nem todas elas terão alguma doença relacionada aos pulmões; e ele disse, categoricamente, que se eu continuasse fumando teria bronquite crônica, e mais adiante, enfisema.
Não vou encher o saco de quem fuma ou dar lições de moral pra quem quer que seja, porque todos somos livres pra fazermos o que nos satisfaz, mas a pergunta que fica é: o que me satisfaz é realmente o prazer safado das baforadas que me trarão a ruína em algum momento? Será que de fato preciso me destruir de maneira inconsciente para que esse mesmo inconsciente continue fazendo a festa dentro de mim e me dominando?
Meu inconsciente é tão cheio de artimanhas, que me sugeriu que eu fosse até a lixeira e chafurdasse por ali em busca do maço jogado fora, então me imaginei fazendo isso e, obviamente, mandei meu lado torpe ir dormir. É claro que ele não foi, e fica no meu ouvido dizendo que os cigarros ainda estão lá, e que eu ainda estou com vontade fumá-los. Nessa hora, então, mando-o tomar no cu, e bem que ele gostaria disso, mas também não vai.
Fato é que não fui revirar o lixo, e que a única sujeira que estou tentando limpar é a que existe dentro de mim e que, em parte, também era alimentada pelos cigarros.
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