As noites não são mais as mesmas. Sinto todo o tipo de agonia. Se me cubro, sinto calor; se me descubro, sinto frio. Reviro-me pelos sonhos macabros. Sonho muito, sonhos variados. Havia falta de água ou excesso dela numa escola. Andava pela rua, passava em uma farmácia e comprava incontáveis produtos, não sei ao certo o que eram, mas me eram muito agradáveis às vistas. Quando saía, à esquina, via um amontoado de gente que estava parada, mas não com o mesmo espanto que eu.
O meu espanto era de ver um camelo, sem os membros nem a cabeça, apodrecendo na calçada. O cheiro de carniça era insuportável, e perto dali havia uma caçamba de entulhos, na qual estavam a cabeça e os membros dele. Eu chegava perto com muita curiosidade; a cabeça estava toda estourada, com um enorme buraco onde deveria estar seu cérebro. Eu a pegava, olhava-a por dentro e então percebia duas ou três larvas verdadeiramente grandes naquele vazio sujo. Soltava-a com nojo, e não entendia por que aquelas pessoas estavam ali, como que apreciando os efeitos de um espetáculo de esquartejamento.
Mas eu também estava ali, eu também me encantei por toda a sujeira. A quem eu estava julgando? Aos outros ou a mim mesma por não aceitar o que via com naturalidade?
Era uma casca, uma casca com cor de caramelo, estufada. Era a morte na rua, com plateia e divertimento. Eu também queria me divertir. Se já está morto, que apreciemos então a beleza disso; a curiosidade pelo que ainda seremos, todos.
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