segunda-feira, 10 de março de 2025

sobre a musculação

eu disse que tinha que fazer musculação, né? isso quereria dizer que eu precisaria frequentar uma academia. a questão é que eu era avessa a esse tipo de ambiente. eu abracei tanto a fase da autoaceitação que achava que movimentos que fizessem meu corpo mudar eram uma traição a todo esse trabalho. a academia era o lugar para os superficiais, para as pessoas que só se importavam com o espelho – eu sempre amei olhar para o meu reflexo –, e não percebia que o fato de as pessoas estarem tão ensimesmadas poderia ser um ponto favorável, uma vez que ninguém prestaria atenção em mim. o primeiro passo foi aceitar que eu precisaria educar meu corpo, a mente precisaria colocar o corpo pra trabalhar e isso era uma decisão consciente.

ocorre que a mente é safada e ela sempre acaba inventando desculpas para que qualquer atividade incômoda seja procrastinada, adiada, postergada. se eu me inscrevesse em uma academia na qual eu pudesse ir a qualquer hora, a hora em que eu fosse seria assim: num dia a contragosto, eu iria com cara de cu, faria os exercícios prescritos por quem estivesse lá e iria embora; depois de 24 horas o ácido lático começaria a agir no meu corpo e eu sentiria dores musculares que fariam parecer que eu fui atropelada por um patinete elétrico e eu nunca mais voltaria, apesar de já ter pago o mês inteiro.

para evitar esse tipo de situação, decidi por me inscrever em uma pequena academia que, de tão pequena, não permite que todos os seus inscritos a frequentem quando bem entendem; você vai no horário marcado, em que o professor vai atender você e mais quatro pessoas ao mesmo tempo. como eu não tinha dinheiro para pagar um personal trainer, essa me pareceu uma excelente opção. se eu não fosse no horário combinado, perderia aquele dia. a academia também oferecia pilates, que era algo que eu gostava de já ter feito antes. consegui agendar a musculação três dias por semana – segunda, quarta e sexta-feira – e um dia o pilates, às quintas. decidi começar dia sim, dia não na musculação, para que não tivesse o ímpeto de desistir de cara, caso me aloprasse com exercícios todos os dias, já que essa nunca havia sido a minha realidade.

no primeiro dia, conheci meu professor, que perguntou qual era o meu objetivo. ele anotou lá no caderno dele: ficar dura (gostosa) – já adianto que passado um ano, não fiquei dura, mas gostosa eu continuo. no primeiro dia, cheguei com cara de poucos amigos, meu habitual, e olhava pras pessoas que estavam lá com raiva, num misto de vocês são uns otários com o que que eu tô fazendo aqui?! minha mente vociferava críticas direcionadas a todos que estavam lá. logo eu, que não queria ser julgada por ninguém, tinha dentro da cabeça uma língua que chibatava qualquer um que passasse na minha frente e as pessoas só estavam ali, existindo. alguns tinham o desplante de parecerem estar se divertindo, conversando... como assim? como vocês podem estar aqui sem sofrer? sem achar esse o pior lugar do mundo para se estar? eu projetava naquelas pessoas a minha chateação por ter sido negligente com meu corpo por tanto tempo. não estava com raiva delas, estava era com raiva de mim, por ter demorado a perceber que meu corpo também precisava daquilo, de esforço.

eu queria entrar, fazer o que tinha de ser feito e sair. não ia lá pra fazer amizade, nem pra dar risadinhas, nem pra ficar de conversa, eu chegava pensando em ir embora. a primeira semana doeu; fisicamente. mas eu fui todos os dias. em casa, calçando os tênis, pensava em desistir, pensava que estava com o corpo dolorido, pensava que isso não ia dar em nada, que era uma grande perda de tempo; mas eu me mandava calar a boca e ia. logo percebi que, por mais dolorido que você esteja, quando o corpo começa a se aquecer, a dor passa e você faz os exercícios que precisa sem sentir nada. depois ela volta, e depois de mais uns dias, o corpo se acostuma e você para de sentir.

quando esse desconforto físico não é mais uma desculpa para você não querer ir para a academia, a mente vai tentar inventar outras. durante um bom tempo eu me senti sobrecarregada, como se estivesse fazendo muita coisa, como se cuidar e educar o meu corpo fosse algum tipo de punição que me impedia de aproveitar melhor meu tempo, sendo uma grande vagabunda. pensava puta que pariu, eu vou ter que fazer isso pra sempre?! é isso mesmo?! quando a gente percebe que o processo não termina nunca, a gente consegue parar de olhar pro futuro “resultado”. é dia a dia. é tentar manter o ritmo mesmo que ele saia do compasso às vezes.

tentando pensar assim, o resultado não é exatamente a bunda dura, o resultado passa a ser a constância. fui uma semana na academia e não senti diferença nenhuma no meu corpo. beleza, o que importa é que você foi uma semana. o corpo vai sentir a diferença quando você tiver ido muitos dias, semanas, meses... aí é que você vai notar alguma coisa. um grande estímulo é saber que eu fui. me sinto dona de mim mesma, mesmo sabendo que há tantas aqui dentro e que algumas delas não gostam nada disso. nunca me arrependo de ter ido. é sempre um alento, me dou uma estrelinha, penso parabéns, você poderia ter sido sedentária o dia inteiro, mas durante uma hora e pouquinho, você fez força, estimulou seu corpo a se mover, foi adulta e fez algo que não gosta, mas que faz bem. eu ainda não gostava de estar lá, mas eu escolhia estar lá. eu não queria ir, mas ia mesmo assim. do mesmo jeito que faço com o trabalho. não é segredo que não gosto de trabalhar, mas preciso do dinheiro que recebo por ele, então eu vou. eu não gostava de ir para a academia, mas já tinha entendido que, com quase 40 anos, a gente faz um monte de coisas que não gosta porque precisa.

durante sete meses eu fui para a academia quase todos os dias em que me propus a ir. faltei apenas duas ou três vezes. nesse ínterim, consegui deixar de ser tão defensiva em relação às pessoas que frequentavam aquele lugar. comecei a gostar de ver que conseguia levantar um pouquinho mais de peso do que na semana passada. comecei eu a esboçar sorrisos e a me sentir mais solta. depois de um tempo, eu já sabia os nomes de muitas daquelas pessoas, comecei a seguir algumas na rede social e conversava animadamente com o meu professor e não tão animadamente quando meus joelhos começaram a doer e eu precisei aliviar os exercícios que os envolviam.

dois meses depois que eu havia começado na academia, procurei por um médico vascular para ver minhas varizes, daí o homem olhou as minhas pernas e disse ah, você tem lipedema. eu fiquei indignada com ele. que porra de lipedema? todo mundo tem essa merda agora? a negação brotou das minhas coxas e panturrilhas na hora, mas depois o diagnóstico fez muito sentido. lipedema e síndrome de hipermobilidade são doenças correlacionadas. não quer dizer que só existam juntas, mas é comum que as duas coincidam. fez sentido pra mim. a região em que mais tenho flacidez no corpo é nos culotes e coxas. a pele é ultra-estirada. o acúmulo de gordura que tenho ali não é como celulite normal, assim como o acúmulo de gordura sobre os joelhos e na própria panturrilha. tenho essa merda em algum grau nos braços também.

foi frustrante saber disso no começo. fui vendo que por mais que eu fizesse força na academia, aquela gordura se mantinha ali, assim como tem se mantido. foi frustrante, mas foi também um belo ah que se foda, tô fazendo o que dá e é isso aí. não tive antes, não terei vergonha do meu corpo agora que sei o que é isso. ter começado a academia depois de fazer uma cirurgia plástica foi, por um lado, fácil, porque me sentia mais segura. aquela coisa de achar que só quem já é magro e sarado faz academia, sendo que eu não era nem magra e nem sarada, mas estava mais dentro do padrão do que jamais estivera em toda a minha vida.

ainda assim, tava eu lá, com o tônus de um flan de caramelo e cheia de “celulite”. que se foda, agora minha bunda é grande – antes ela era inexistente. e quando alguma colega fazia algum elogio ao meu corpo, eu falava logo que era plástica, porque assim me sentia menos falsa. eu contava a verdade de que o meu corpo, esse que eu carregava comigo, não era assim naturalmente; havia sido feito, comprado, cortado, retalhado, cicatrizado. sobrei eu, com a bunda grande, o peito pequeno, barriga amarrada, cheia de flacidez incorrigível, lipedema nos membros e sovaco cabeludo.

eu gosto de mostrar minhas pernas peludas, molengas e cheias buracos disformes nos shorts curtos que eu visto quando vou pra academia. eu gosto de mostrar meus sovacos cabeludos cada vez que levanto os braços por lá e por onde eu vou. hoje eu sou mais padrão do que jamais fui, pero no mucho. porque o padrão, aquele de influencer com filtro, ele não existe, mas existo eu, me achando linda e gostosa mesmo que eu cause desconforto nos outros, ou até repulsa porque, sei lá, tem gente que acha que mulher peluda é nojento, porque tem gente que acha que se você tem celulite, você deveria poupar os olhos alheios e só usar calças.

mas eu acho que é importante saber lidar com o incômodo que o outro pode causar na gente e com as diferenças. do mesmo jeito que eu cheguei à academia destilando julgamentos aos outros que só estavam ali, cuidando cada um da sua vida, acho que se alguém me olhava torto porque uso short curto e top em que meus sovacos peludos aparecem, já se acostumou e provavelmente não vai achar nada demais quando vir outras mulheres que tenham características semelhantes às minhas. mas eu sequer posso dizer que percebi alguém me olhando esquisito. eu entrei em um ambiente do qual não fazia parte e até considero que fui bem recebida. quem estava armada era eu.

naturalizar o que é diferente também é um processo. me exercitar era estranho para mim, não era nada natural, mas a constância tornou o que me era anormal, o padrão. virei minha própria norma, sigo a minha regra, criei meu próprio padrão, cujo estandarte sou eu mesma. eu me carrego para onde quero ir e caminho comigo mesma até chegar lá. sei nem onde vai dar o lá, mas sigo caminhando.

nesse decorrer de ano, meus joelhos começaram a me incomodar depois que eu tive a brilhante ideia de dar uma trotada de leve num domingo aí. no outro dia, meus joelhos pareciam inflamados, doloridos. doíam pra sentar, pra andar, pra agachar. de repente, me vi triste porque não conseguia mais fazer os exercícios a que tinha me acostumado. me senti retrocedendo, com medo de voltar a ficar parada. eu virei a pessoa que queria continuar se movimentando! olha só isso! daí fui em médico de joelho, fiz exame caro do inferno e parti pra fisioterapia lá na academia mesmo, o que era uma grande comodidade porque depois de uma sessão, eu já fazia a musculação.

nessa brincadeira aí descobri que meus joelhos sofriam porque os quadris são fracos. a bunda é mole porque esse raio não é uma coisa só, os bonitos dos músculos que formam as nádegas são três e parece que todos os três precisam ser trabalhados, pois vejam! tem que fortalecer a porra toda! dá-lhe fisioterapia pra ensinar a bunda como ela deve trabalhar. até instituímos que as últimas sessões seriam voltadas para me preparar pra correr. não porque tenho ambições maratonistas, mas porque gostaria de ser capaz de “correr” depois dos 40, depois de 21 anos sendo fumante, asmática e sedentária. cheguei a correr um quilômetro na esteira um dia. pode parecer pouco pra você, mas pra mim é uma enorme conquista.

apesar das dores, desde setembro do ano passado, consegui instituir a musculação de segunda a sexta-feira, mais a aula de pilates às quintas, sendo uma aluna muitíssimo aplicada e dando a chance de meu corpo mostrar o que ele é capaz de fazer. durante a tpm, suspeito que ele não possa muito, mas seguimos firmes, mesmo menstruada, mesmo com cólicas. mesmo quando chove ou quando o sol está causticante. para as duas situações, tenho usado meu maravilhoso guarda-chuva/sombrinha. em dias de muita chuva, a vadiagem fala mais alto e vou de carro; o ponto é que o clima – que poderia ser uma grande desculpa para eu não ir –, nunca foi um impeditivo.

frequentar uma academia me trouxe mais rotina, expandiu minha percepção de mim mesma e dos outros. cheguei lá na defensiva, tensa, mas permiti me enxergar com mais compaixão, e daí pude ser mais compassiva e até simpática com os demais. me sinto parte de uma pequena comunidade. conheci mulheres da minha idade e mais velhas do que eu com quem troco figurinhas e falo de amenidades. isso faz meu dia melhor. estar na academia me ajuda a desacelerar a cabeça, que é quase um mingau de tanto rolar o feed do instagram. eu não levo o telefone pra academia porque esse é o único momento em que consigo ficar longe dessa merda e pensar só em mim. levei alguns dias pra tentar ouvir música, mas achei que perco parte da experiência de estar ali, interagindo com as pessoas.

do mesmo jeito que interajo todos os dias com um senhor barbudo – se bem que ele tirou a barba recentemente –, dono do boteco que atende as casas funerárias pelas quais passo no meu trajeto a pé até a academia. uma manhã, ele me deu bom dia e eu respondi bom dia e, desde então, nos cumprimentamos sempre que o botequim está aberto. às vezes ele diz bom dia, meu anjo, e às vezes ele comenta do calor e da minha boa vontade de me exercitar. esse senhor, cujo nome não sei, também faz parte da minha rotina.

fazer o caminho para a academia todos os dias passando pelos fundos das casas funerárias e pela frente do cemitério me faz lembrar da morte, não que eu já não pensasse nela diariamente, mas um dia senti o cheiro de formol saindo de lá de dentro. um dia vi um carro chegando e um corpo sendo desembarcado. um dia vi um carregamento de caixões chegando. fazer o caminho da busca pela saúde, pela beleza, pela vida passando por detrás dali me faz pensar que uma hora serei eu.

e uma hora será, mas enquanto a hora não chega, dedico algum tempo do meu dia para a casa que me leva pra todos os lugares, conseguindo contemplar o trajeto entre lá e aqui. fazendo da academia um espaço de aprendizado para o corpo e para a cabeça também, de exercício, de aperfeiçoamento. é como se o bichinho não tivesse tido a oportunidade de ir à escola quando criança e não tivesse sido alfabetizado. aí ele aceita, perto dos 40 anos, que o movimento é a melhor forma de ele se comunicar, é a língua que ele entende, e ele pula direto pra academia!

no ano passado, me exercitei 195 dias, mais do que em toda a minha vida e este ano será ainda mais ativo. acho que peguei o jeito, agora é só continuar até que um dia seja o meu dia.

sábado, 15 de fevereiro de 2025

sobre o caminho da mudança

 

no dia 16 de fevereiro, mais conhecido como amanhã tomando por base hoje, fará um ano que comecei a frequentar a academia. o lugar da maromba, do “treino”, de pessoas superficiais que só se importam com a aparência. odeio esse lugar! esse foi meu pensamento por uma vida toda. então, como posso ter ido parar lá? virei eu a pessoa superficial que só se importa com a aparência? vamos chegar lá, peraí.

eu fui a criança asmática. tive minha primeira crise com uns nove ou dez anos de idade. pensando agora nos fatores emocionais, talvez fizesse bastante sentido eu perder o ar naquela época e em outras em que eu tinha graves crises que me faziam parar no hospital para fazer umas nebulizações calibradas com berotec, que me deixavam tremilicante, mas com o peitinho respirando aliviado.

o ponto é que a asma foi um grande pretexto para que eu me afastasse de qualquer atividade que fizesse meu coração bater mais forte, que exigisse do meu fôlego, e eu parei de brincar de pega-pega, de queimada e de encenações em que eu era uma vítima do Jason Vorhees e corria em volta do prédio da escola tentando fugir dele, enquanto um amigo, o Robson, interpretava o monstro do filme de terror atrás de mim, querendo me matar. essas brincadeiras eram muito divertidas – juro!

daí, já não participava mais das aulas de educação física. na época, o mais comum era que fôssemos poupados de qualquer esforço, por isso eu era dispensada dessas atividades. o recomendado era natação, mas a modalidade era completamente fora de questão por razões financeiras. eu ficava no banco. gostava de não estar ali onde eu via os outros. pensando agora, não sei se não gostava de qualquer tipo de esporte porque achava que não podia praticá-lo ou por não praticar nada, não pude descobrir que gostava de algum deles... olhando hoje, em retrospecto, acho que não gosto de nenhum mesmo porque não gosto de competir. não gosto de disputas. não gosto de ganhar ou perder. gostava de estar fora.

nos períodos em que eu não fazia as aulas de educação física, arranjava outras coisas para fazer. gostava de ler romances espíritas. gostava de acreditar que eu já tinha vivido vidas diferentes da minha, e que só não me lembrava disso – a puberdade é um tempo bonito da vida da gente. na sexta série, época em que eu lia romances espíritas na escola de freiras em que estudei até setembro de 1996, terminei esse mesmo ano em outro estado, em outra escola, em um contexto completamente diverso. como era dispensada das aulas, eu atravessava a rua e ia para o cemitério que ficava ao lado do colégio. às vezes, passava tardes inteiras lá, passeando pelas lápides, bisbilhotando os mausoléus, lendo os nomes das pessoas nos jazigos – e sendo destemida e imbecil o suficiente para fazer brincadeiras do compasso sobre os túmulos com alguns colegas que se aventuravam comigo na empreitada.

já no ensino médio, eu não participava das aulas e passava a manhã toda transando com carinhas por quem eu era apaixonada, achando que eles me amariam se eu transasse com eles – a adolescência é um período difícil e doloroso de descobertas, das quais só nos damos conta chorando num divã muitos anos depois.

desenhado esse breve cenário, o fato é que cresci sedentária. achava meus genes meio estragados; a parte caçadora-coletora da minha pessoa parece que não havia se desenvolvido. eu não gostava de nenhuma atividade. não gostava de nenhum esporte. depois de adulta, já tinha tentado natação, caminhada, academia, yoga, zumba, jiu-jitsu, pilates e simplesmente odiava qualquer coisa que fizesse meu corpo doer. a academia era paga adiantado só pra que eu pudesse me sentir um lixo de pagar e não frequentar e me envergonhar por não ir e, ainda assim, não conseguir ter uma atitude diferente. yoga era legal, mas as pessoas no estúdio eram um tanto bitoladas e era caro. eu tinha medo de fazer alguns movimentos e me quebrar toda. fui desenvolvendo um receio de me mover. zumba foi só experimental; me senti ridícula demais para estar em uma humilhação pública. no jiu-jitsu não conseguia me imaginar usando aquelas roupas quentes e com cheiro de murrinha. o pilates era ótimo, mas também muito caro para apenas duas vezes por semana. andar de bicicleta sempre foi difícil porque eu mal conseguia me manter sobre ela sem cair. só fui aprender a andar mesmo depois de adulta e morro de medo de ser atropelada porque não me considero uma ciclista que consegue andar na rua em meio aos carros; só em ciclovia e olhe lá! não engrenava em nada por muito tempo. as caminhadas ainda eram mais frequentes, mas o sentimento, ao mesmo tempo que era bom, também era de perda de tempo, de derrota, de pra quê todo esse esforço?

me sentia uma massa amorfa e resignada em relação a atividades físicas. ah, não é pra mim essa merda toda. introjetei o modo aceitação e foi maravilhoso por uns bons anos. exercícios? não, sou contra. faz aí você, eu tô bem sem fazer nada. tô bem na minha posição favorita, a horizontal. na minha cabeça eu tava bem mesmo. achava que poderia viver assim pra sempre.

mas como tudo na vida, a atividade física não impacta simplesmente no aspecto de ser ativo ou não. impacta também no nosso corpo. e o meu corpo foi durante muitos anos reflexo também dessa falta de movimento, reflexo dessa indulgência desmedida. eu faço só o que tenho vontade. não tenho vontade de me mexer, fico aqui. eu como só o que tenho vontade. uma pizza inteira? claro que eu quero! eu mereço. a vida é uma merda, deixa eu me recompensar pelo dia difícil. eu vivi assim por muito tempo e aquilo funcionava pra mim. foi bom. a gente tem períodos e fases em que se cobra muito, em que se pune muito, outros em que se aceita como está, em que abraça a realidade do jeito que ela está se apresentando porque é o que dá pra fazer no momento.

e por mais que a gente pense que não muda, que não quer ou que não consegue; por mais que a gente se veja preso numa engrenagem de repetição, quando a gente consegue se olhar com o mínimo de distanciamento, consegue perceber pequenas mudanças na repetição; pequenos desconfortos. sabe quando você está calçando um tênis muito confortável, mas tem uma pedrinha muito inha na palmilha, em contato com seu pé? ela é ridiculamente diminuta e ainda assim, ela deixa seu andar incômodo. a gente vai andando meio chacoalhando o pé pra ver se ela se acomoda em algum canto que não perturbe e às vezes ela até se move, mas daí vai parar lá na ponta do dedinho, puta que pariu! em algum momento a gente tem que tirar o tênis. a inquietação é tão grande que você tem que tirar a porra do tênis!

depois de fases desconfortáveis com meu corpo, vivi momentos de muito amor e aceitação comigo mesma, me sentindo gostosa e linda como eu estava no momento. até estava satisfeita, feliz do modo que estava. mas isso era a minha cabeça em relação ao meu corpo, só que o corpo, aquele que é parte de mim, mas não sou eu toda, assim como a minha mente, estava bastante descontente com a minha postura com ele. o bichinho estava somatizando as coisas que estavam resolvidas na minha cabeça, sendo que ele não foi consultado sobre nada disso. tava ali, no modo máquina que faz o que a cabeça manda e quer. acontece que ele mandava sinais para mim, sinais que eu não relacionava uns com os outros.

achei que era só meu jeitinho vagabunda de ser. achava que era só porque eu era uma vadia que não gostava de se mexer. um dia, li alguém falando sobre frouxidão ligamentar e pensei: tenho esse negócio! quando fui pesquisar a respeito, parecia fazer bastante sentido. marquei uma consulta com uma fisioterapeuta especializada e com um reumatologista. fiz exames que descartassem qualquer doença autoimune e tive o diagnóstico de síndrome de hipermobilidade articular generalizada. a princípio pode parecer qualquer coisa como ah, você é bastante flexível, que legal! mas não é nada legal. tem pessoas que só são flexíveis mesmo, mas eu tenho facilidade pra me luxar, deslocar. as articulações são muito móveis, daí que meus joelhos, por exemplo, têm condropatia grau 3 porque vivem em hiperextensão. meu colágeno não é bem sintetizado e isso se reflete em todo o meu corpo, uma vez que o colágeno está na superfície de todos os nossos órgãos e não só na pele.

pessoas com hipermobilidade podem ter resistência à atividade física porque o esforço que o nosso corpo faz é maior do que um corpo que não tem essa merda. e isso corrobora a minha tendência de anos de não fazer nada para além de ser uma vagabunda simplesmente. a gente sente muito cansaço, quase uma fadiga crônica, dores nas articulações, além de sentir tonturas quando a gente faz movimentos muito bruscos, especialmente se levantando rápido. a pele é elástica, mas é também flácida. é uma grande bosta ter isso resumindo.

a fisioterapeuta disse que apesar de tudo, meu problema era muito mais no âmbito do desconforto do que da gravidade; se meu caso fosse grave, eu teria a síndrome de Ehlers Danlos, que é uma parada muito mais tensa, envolvendo até mesmo a paralisia de órgãos internos dada a severidade da condição, que se divide em vários subtipos. mas foi o que ela me disse depois que me moveu em todos os aspectos da minha vida: essa síndrome não tem cura, mas a “cura” dela está no movimento.

e eu descobri isso beirando os quarenta. pensando: tô precisando cuidar melhor da minha casa. tô aqui, cheia de dor, sedentária, comendo feito um animal enjaulado, me sentindo cada vez mais cansada, indisposta. como eu vou estar daqui a dez anos nesse ritmo? pela caralhonésima vez, decidi tentar me mexer, mas não como uma obrigação, como um gesto de carinho comigo mesma, como uma garantia de que o movimento faria eu me sentir melhor. e eu recomecei. fazia exercícios em casa, assistindo vídeos no YouTube e pensando em como eu me sentia descondicionada, fraca, dolorida, encurtada. depois, comecei a pagar uma plataforma de exercícios em casa que tinha uma grande variedade de atividades e cada dia eu inventava de fazer algum. não conseguia acompanhar tudo, não tinha fôlego; meus joelhos gritavam. eu parava, ficava uns dias sem fazer ou fazia outra coisa que não exigisse tanto deles.

a parte boa disso tudo é que eu me namorava. fazia os exercícios na frente de espelhos e, com a mesma voracidade que eu me recriminava em frente a eles, tirava fotos, fazia vídeos e me desejava. me amava e me odiava com a mesma violência. ficava eu ali, de caso comigo mesma, me fazendo promessas e me xingando quando as descumpria. foi um período intenso em que me permiti saber que eu conseguiria fazer o que quisesse, dentro dos meus limites, que fui descobrindo aos poucos.

depois que aceitei o movimento como um passo fundamental para a melhoria dos meus sintomas, retomei o desejo de modificar meu corpo e isso foi um tabu para mim mesma durante a fase de aceitação em que estive. veja, eu era obesa. veja, eu me sentia bem na minha pele. eu já escrevi sobre isso aqui sobre o corpo , porque esse texto é sempre uma oportunidade de eu me mostrar pelada porque eu me acho bonita. me achava naquela época e continuo me achando agora. eu não sentia vergonha do meu corpo porque nunca achei que tivesse uma razão pra me envergonhar dele e eu estava óquei com isso.

acontece que quando eu vi que me mexer estava, mesmo que muito lentamente, começando a mudar as minhas formas, eu pensei que poderia finalmente fazer uma cirurgia plástica. “A” cirurgia. a “minha” cirurgia. a cirurgia que eu pensava em fazer desde o dia em que, grávida, apareceu a primeira estria na minha barriga. falei sobre isso nos textos sobre parir, nascer e morrer para nascer de novo e em sobre o leite, o peito e a barriga também. minha filha tinha quase vinte anos e esse foi o tempo pelo qual pensei em fazer uma cirurgia plástica. cheguei a marcar a data uns 14 anos atrás, mas desisti porque a vida me chamou e era urgente. daí meio que larguei a ideia; adormeceu a vontade dentro de mim, soterrada por questionamentos: e se eu quiser mais filhos? – a melhor decisão foi de não ter mais nenhum –, e se eu morrer? é claro que uma gracinha dessas de fazer cirurgia por vaidade pode resultar em morte. certamente eu morreria ou, no mínimo, ficaria sequelada pela escolha estúpida de querer ser quem eu não era. e se ficar uma merda? e se eu não gostar? e se a cicatriz ficar feia? e se?

e se eu permanecesse exatamente do jeito que estava porque já era familiarizada com ele e só aceitasse que era isso mesmo? bom, foi assim durante um tempo, mas daí eu percebi que era possível mudar e que a agente de mudança era eu mesma! a sedentária imutável! não é que essa árvore de raízes bem fincadas no chão começou a se mover pelos recônditos da terra fofa sem que a superfície se apercebesse disso?

mas aconteceu comigo. eu tava lá! juro que foi assim que se deu! eu entendi que conseguia mudar e, então, eu quis ser capaz de mudar um pouco mais. claro que a velocidade da minha mudança era como eu, meio marcha lenta, mas resolvi procurar um médico que não só fazia a cirurgia, como usava um tipo de equipamento que era uma tecnologia muito eficiente para a retração de pele e eu pensei: bom, minha pele é toda cagada, já sei que, se fizer, o resultado não vai ser lá grandes coisas, mas se é o que tem de mais moderno, quero tentar, alguma melhoria há de haver.

e lá fui eu. ele ouviu minhas demandas e disse: aham, a gente consegue melhorar bastante as tuas formas, mas pra fazer a cirurgia você precisa emagrecer 15 quilos. eu olhava pra cara dele e pensava: mas que audácia desse filho da puta! emagrecer 15 quilos pra me operar? pra quê? não é sustentável, vou engordar tudo de novo depois. isso é ridículo! nunca mais volto nesse lugar! enquanto eu praguejava ele mentalmente e mostrava os dentes meio rindo, meio rosnando, ele me dizia que eu precisaria fazer duas cirurgias em vez de uma só. isso por questões de tempo de anestesia, segurança, bem como essa coisa de emagrecer seria mais uma garantia para evitar qualquer tipo de intercorrência nos procedimentos. hahahaah. esse cara quer eu emagreça 15 quilos e ainda não vai me operar de uma vez só?! que palhaçada!

e ele continuou. disse que se eu quisesse, poderia fazer um acompanhamento nutricional e com uma endocrinologista da clínica para chegar no peso que ele achava seguro para mim. logo eu, que já tinha me emboletado com remédios para emagrecer, feito a dieta dos pontos, da sopa, da lua, da casa do caralho e que já tinha recebido vários planos alimentares de várias nutricionistas e nunca seguido nenhum?! ele sugeriu que eu fizesse esse acompanhamento.

em anos anteriores, quando sazonalmente despertava em mim a vontade de mudar, eu já havia ido a outros médicos e os valores das cirurgias só iam aumentando. quando fui a esse médico, o valor dessa mudança era ainda maior do que os anteriores. muita grana mesmo, mas eu senti nele uma confiança que não senti com outros. eu tinha como arcar com os custos e fui chamada de doida porque eu poderia gastar esse dinheiro fazendo viagens. acontece que nessa altura, eu já estava decidida, mas ainda não sabia disso. eu poderia ir pra China, e seria legal, mas meu corpo, que está comigo o tempo todo, ainda estaria do mesmo jeito e eu não queria mais ele do jeito que estava. eu queria que ele mudasse. eu poderia fazê-lo mudar sozinha, mas essa mudança só iria até a parte em que a minha barriga murcharia e a pele ficaria pendurada, bem como os meus peitos, que já eram murchos e caídos. eu gostava deles assim, mas queria saber como eles poderiam ser se fossem diferentes.

eu fui feliz com o corpo como estava antes, mas agora não era mais e queria ele diferente. eu entendi que eu fiquei na mesma posição por muito tempo porque eu quis, porque eu precisei, até que eu não quis mais e precisei fazer diferente. achei que querer mudar me tornava uma mulher superficial. como se me preocupar com a minha aparência desvalorizasse tudo em que acredito. mas daí fiquei quieta. aceitei a proposta do médico, aceitei o plano que a nutricionista passou – e que foi diferente de tudo o que eu já tinha feito antes – e só fui indo.

em seis meses, consegui dar prioridade pra alimentação, que era o que me fazia emagrecer de verdade naquele momento. eu me machuquei nas atividades em casa e acabei fazendo fisioterapia pra tentar deixar os joelhos melhores. emagrecer foi um processo muito bacana pra mim. de me sentir no controle, de saber dosar as coisas, de adotar um café da manhã que mantenho há quase dois anos com grande prazer. eu como frutas todos os dias hoje. e eu nunca fui de comer frutas, só com leite condensado, só com algo por cima pra camuflar os sabores. eu era uma cretina! eu era infantil no que se refere à alimentação e não me refiro a paladar infantil porque sei que existem pessoas que sofrem muito com essa questão de seletividade, mas era infantil no sentido de que não me oportunizava novos sabores, queria me manter engessada e agindo como uma criança que só quer prazer e satisfação e toma todo o resto como um grande sacrifício.

eu entendi que se mover, em todos os aspectos, acarreta desconfortos e a gente precisa aprender a lidar com os desconfortos porque viver é desconfortável e não dá pra achar que é possível viver só como a gente quer e acha que é gostoso. viver é uma merda e eu sequer pedi pra chegar aqui, mas já que aqui estamos, vamos rolar a pedra morro acima, cada dia um pouco melhor, vamos?

em seis meses eu emagreci 13 quilos. quando eu emagreci nove quilos, eu voltei a caber em um vestido que não usava havia mais de dez anos. eu me senti tão incrivelmente feliz! me senti feliz porque me senti capaz, porque eu tinha conseguido mudar! porque eu não era a porra do código de Hamurabi, talhado em pedra. eu podia mudar e eu queria mudar e eu tava me esforçando pra mudar e eu tava vendo que era tangível.

também me senti frustrada em alguns momentos em que empaquei na perda de peso, porque eu queria continuar mudando, mas o corpo também vai brecando a gente. hei, calma lá, gatinha, que a gente já mudou muito. segura o tcham aí. ele também tem o tempo dele. fato é que eu consegui fazer as duas cirurgias sem morrer – vide este texto escrito por mim mesma viva –, mas as recuperações foram bem escrotas pra mim. senti muitas dores e passado pouco mais de um ano das duas, não sinto que meu corpo é como antes – porque, afinal de contas, não é mesmo –, mas me refiro às sensações do corpo, sabe? partes dele estão dormentes ainda, formigando ainda. sinto minha barriga amarrada, ainda me sinto limitada nos meus movimentos e tive todo um trabalho para me re-conhecer e aceitar novamente quem me tornei por enquanto.

eu quis muito mudar; e mudar, e ainda assim, continuar sendo a mesma pessoa dá trabalho, mas é bom porque quer dizer que eu, como unidade de pessoa, continuo aqui, ocupando o mesmo espaço no mundo, com a diferença que agora, minha mente e meu corpo já não são como antes. dá pra entender? somos e não somos os mesmos. tudo junto e ao mesmo tempo.

bom, depois de todo esse preâmbulo, fevereiro do ano passado, meu médico me liberou para me exercitar. pensei agora é a hora da verdade. preciso encarar a academia. emagreci, me reformei toda, agora tenho que garantir os músculos. tenho que ser capaz de limpar minha bunda na velhice. tenho que estar apta e a cair e não quebrar a bacia e daí ficar acamada. tenho que conseguir amarrar meus sapatos, carregar sacolas, ser uma velha independente e autônoma. tenho que fazer m-u-s-c-u-l-ação!

(continua...)

sábado, 18 de janeiro de 2025

sobre por que as pessoas ficam juntas

por que as pessoas ficam juntas, te perguntei ontem quando você chegou aqui. as pessoas ficam juntas porque escolhem ficar. você trouxe um drinque que eu gosto, enquanto tomava uma cerveja. a noite estava quente e eu brindei mentalmente a ela quando batemos nossas bebidas uma contra a outra. tomei um gole e mexi a carne que selava na frigideira. as pessoas ficam juntas enquanto uma que não come carne olha a outra preparando a carne que vai comer. você brinca dizendo que parecem camarões, mas estou fazendo carne de porco. 

as pessoas ficam juntas quando perguntam uma para a outra como passou o dia, como está a cidade depois de uma inundação. daí a gente fala de política, fala dos bichos de casa, fala dos outros e fala da gente. daí você me diz que tem fome e pergunta se já jantei, se vou comer o que estou preparando; digo que não, que o que estou preparando é para juntar às marmitas já congeladas da semana. você me pergunta brincando se pode pedir um burrito por delivery e eu respondo, brincando, que não.

as pessoas ficam juntas porque enquanto você pede a comida, eu me refresco na pia lavando a louça da noite anterior. continuamos conversando e eu reclamo do calor. as pessoas ficam juntas porque quando chegam os burritos, enquanto eu como sentada no banco, você come de pé, do meu lado e mais rápido do que eu.

as pessoas ficam juntas porque por mais que a recomendação médica seja de se movimentar minimamente depois de uma refeição, o que a gente sempre faz é ficar na horizontal. quando as pessoas que ficam juntas somos nós, é o que fazemos. comemos e deitamos.

as pessoas ficam juntas porque em noites muito quentes de verão, ligo dois ventiladores no quarto e levanto a camiseta sem calcinha pra que a virilha pare de suar. você deita do meu lado e elogia a cor dos meus pentelhos que, à meia luz do quarto, parecem estar mais escuros, parecem cor acaju, você diz enquanto ri. daí rio eu dizendo que estão grisalhos. te abraço, passo a mão nas tuas costas e devagar, com a unha do dedo médio direito, tiro um cravinho safado e fácil. deslizando melhor a mão, sinto que há mais e peço que fiques de bruços.

as pessoas ficam juntas porque subo nas tuas costas, puxo a luminária em direção a elas e começo a inspecionar os poros dilatados e as espremê-los, enquanto te pergunto se tá doendo e você diz que não. a experiência é boa, mas dura pouco, porque tuas costas são muito mais macias do que têm cravos a serem tirados. 

as pessoas ficam juntas porque tu me dizes que, se tenho calor, tenho que tirar a camiseta e não só levantá-la. eu tiro, me levanto, fecho a janela, tranco a porta de entrada, apago a luz da cozinha, volto e me deito novamente. tu levantas e tiras toda a roupa que vestias. deita do meu lado pelado e gracejante. nossos pés namoram se roçando demoradamente.

as pessoas ficam juntas porque depois de nos comportarmos como dois primatas que conversam, comem, catam piolhos um do outro, fazem uma macaquice num momento e jogam um encanto em outro, a gente se come e se come até cansar. depois se lava, se beija e dorme.

as pessoas ficam juntas porque quando dormem juntas elas correm alguns riscos. quando é você junto comigo, o risco é de acordar no meio da noite com um som que pode ser um ronco, um peido ou uma risada. eu acordo assustada com meu próprio ronco, com meu próprio peido, e mais recentemente, com a minha própria risada que reverberou pra fora de um sonho engraçado que tive, mas do qual não me lembro.  

as pessoas ficam juntas porque a manhã seguinte se mostra pela claridade na janela do banheiro que entra no quarto escuro. o teu despertador toca, mas o meu - a Cora, no dia de hoje - já está tocando há mais tempo, miando na porta. eu me levanto, dou comida a todos eles e volto pra cama. tu me olhas, me namora, depois coloca a cabeça no meu peito e diz: teu coração tá batendo; eu respondo: ainda bem.