segunda-feira, 8 de março de 2021

sobre não ter mais desculpas

quando eu era criança, lá pelos nove anos, eu era bem ativa nas brincadeiras da escola. adorava correr! a gente brincava de pega-pega e tinha até uma modalidade muito peculiar, acho que criada por mim mesma: elegia um colega de sala como Jason - o Vorhees, com a máscara e o facão, dos filmes, sabe? - e a brincadeira consistia em eu sair correndo gritando por socorro porque o Jason queria me matar. corria em círculos em volta da escola, desesperada... ah, a infância, essa época de ouro em nossa vidas! jogava queimada, brincava de cabra-cega, de esconder... até que ali pelos dez anos, tive uma crise de falta de ar na casa da Luiza, isso nunca tinha acontecido antes. Minha mãe me levou no doutor Kleber e fui diagnosticada com asma. nessa época não usava bombinha nem nada, mas fazia nebulizações com berotec que me deixavam com uma tremedeira do cão!

me lembro de uma crise em que precisei ir para o hospital várias vezes no mesmo dia, por conta da falta de ar. de repente, isso virou uma autorização para eu ser uma vadia. não podia correr porque sentia falta de ar. com doze anos, me lembro de uma outra crise feia em que fiquei na cama por uns dias, tamanho o cansaço pra qualquer atividade física. o Felipe, meu irmão, me levava até no banheiro porque eu sentia falta de ar no percurso. pronto. ganhei um atestado eterno para ficar imóvel em todas as aulas de educação física durante todo o resto do meu percurso escolar. na sexta série, ao invés de jogar com meus colegas, eu era dispensada e ia pro cemitério, que ficava do lado da escola, e ficava fazendo brincadeira do compasso em cima das lápides. meu fôlego se mantinha intacto com isso.

e assim foi, da sexta série ao terceiro ano. eventualmente eu fazia alguma coisa, mas nunca era obrigada e achava ótimo. idiota que fui. com dezesseis anos comecei a fumar e aí a merda se instaurou na minha vida. eu nunca mais tive crises tão sérias, mas depois de namorar um asmático, eu, que nunca tinha usado uma bombinha, comecei a usá-la, isso já com vinte e três, vinte e quatro anos. 

depois de tanto tempo sedentária, várias foram as vezes em que me inscrevi na academia, fui alguns dias e depois nunca mais. não sentia nem vergonha de abandonar; sentia um pouco de vergonha de estar ali, gorda e desajeitada no meio da galera fitness que não é lá muito receptiva, ou pelo menos não eram naquele tempo. eu odiava as músicas, as pessoas, o ambiente em si; odiava tudo, mas talvez só estivesse mesmo com ódio de mim mesma e da minha falta de persistência. tá bom, academia não era pra mim. tentei natação, e só faltava colocar os bofes pra fora na piscina. fiz yoga, que gostava muito, mas as pessoas namastê também me incomodavam. fiz pilates e super curtia, mas achava muito caro pra tão poucas vezes na semana. tentei andar de bicicleta, mas três delas foram roubadas... enfim, vejam que eu sempre arranjava uma boa desculpa pra desistir e pra continuar me odiando por isso.

bom, corta pra uns quinze anos depois e cá estamos hoje. Karla, 36 anos, fumante, asmática e sedentária. os três maiores prazeres da vida? dormir, comer e foder, nessa ordem. quem me conhece sabe que dormir é o meu maior talento, no qual sempre fui bem sucedida, mas se eu quiser chegar aos quarenta, que estão logo ali na esquina, com alguma dignidade, preciso me mexer. por essa razão, parti para mais um investimento de peso, depois de uma esteira que virou cabide, depois de um simulador de caminhada; depois de uma enorme plataforma vibratória que virou um elefante branco na despensa, desta vez, meus empreendimentos de sucesso são uma estação de musculação e uma bicicleta ergométrica que comporão minha academia em casa. três andares de casa têm que servir pra alguma coisa afinal de contas.

estou ansiosa e animada e terei até um treino personalizado porque sou uma pessoa séria que tem um personal trainer. quero informar que os tempos de vadiagem acabaram para esta pessoa. tenho objetivo de ser musa fitness? obviamente que não, e por favor, se eu me tornar a pessoa que tira fotos dos momentos de "treino" e que escreve na legenda #tapago, me deem um tiro! mas, a despeito disso, minhas grandes pretensões são de fazer a minha bunda crescer e ficar dura e me tornar uma pessoa forte, porque apesar do tamanho, sou uma franga de fraca. não quero músculos, quero tônus, disposição, mais fôlego e mais movimento para a minha vidinha linda.

o cigarro vou parar eventualmente, calma que é uma coisa de cada vez!


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