para mim, este ano começou comigo acordando num sofá, cheia de areia. passara o dia anterior bebendo, fumando maconha e transando com alguns intervalos de tempo ao longo daquele dia. estava quente como hoje. eu estava feliz. fomos à praia para ver os fogos, já cambaleantes. antes de chegar lá, já era meia-noite. ouvíamos os estampidos de comemoração. tiramos a espumante da minha mochila e voltamos a beber despejando-a em uma caneca de acrílico. em frente a um canteiro de lavandas, coloquei algumas no decote do meu vestido. tinha uma flor amarela no cabelo. seguimos. passando pela pequena trilha, vi no breu as dunas. cruzamos com outras pessoas. ali fiquei. deitei sobre a areia e não consegui me mover pelos próximos quarenta minutos (?). - Babe, vamos - ele dizia. minha cabeça só girava e eu me sentia confortável sobre a areia fria.
quando, finalmente, consegui me levantar, fizemos o caminho de volta. eu estava feliz. na descida da rua, resolvi tirar meu vestido e fazer parte do percurso pelada, só porque me deu vontade. ele teve medo de que passasse alguém e me visse. coloquei o vestido de volta. depois disso, só me lembro de acordar com ele no sofá. não sei como chegamos em casa. não sei. mas eu estava feliz, antes de dormir e depois que acordei.
daquele dia tão distante para cá, a vida correu impassível, como sempre. os acontecimentos foram se dando diariamente, de toda a sorte. a vida veio em forma de morte, de espera, de dor. veio também como expectativa, como ansiedade, como frustração. a vida veio me empurrando até este momento, aqui e agora, em que suo no terceiro andar escrevendo. a vida veio se reverberando em separações, em novas vidas (serei tia de gêmeos!). a vida veio se adaptando por detrás de máscaras em público. só podemos nos ver no privado. no privado, em frente ao espelho, refletindo todo o peso de chegar até aqui.
conquistei e me exauri. fechei ciclos com muita dor, porque ainda queria estar no dia 31 de dezembro do ano passado. porque ainda carrego a nostalgia e a saudade do que foi idealizado. tantos véus me coloquei sobre a cabeça... todos eles tive que tirar para poder ver. enxergar que a vida acontece sem controle, enquanto o cigarro queima entre os meus dedos, enquanto durmo afogada nos meus sonhos. a brisa agradável da noite volta a me dar calafrios. os dias azuis e quentes me levam à praia, àquela, que era minha, mas é de todos e também de ninguém.
vê a vida, então, como um truque massivo que não nos deixa perceber que entre um grande acontecimento e outro, tudo parece irritantemente igual, ao passo que na verdade, o tempo nos consome a vida e é tudo diferente. somos constantemente atropelados pelos seus fatos. mesmo que ainda estejamos atrelados a um deles, logo vem outro e outro e outro. como ondas, os segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses e anos vão passando por cima de nós, levando-nos para as profundezas, mesmo quando o mar parece de calmaria. isso não existe. calmaria não existe. a vida está no caos, do qual eu tento escapar mesmo quando sou criadora do meu próprio.
quando a gente já perdeu demais, gosta de se agarrar às coisas, às pessoas ou, ao contrário, solta de vez pra não sentir que perdeu. quando a gente muda demais, gosta de se estabelecer ou, ao contrário, não para de mudar pra não se sentir estagnado. quando a gente ama demais, ama até se consumir no sentimento. a gente, no caso, sou eu. não é porque sou a apaixonada intensa - o que sou -, mas é porque sentir é o que move a gente. a gente sente tudo. eu sinto demais por vezes, e por vezes nada. sentir é melhor e dentre todos os sentimentos, amar é melhor, é sempre melhor.
mas é melhor quando o outro sente também. amar sozinho é um peso sem fim. é um inferno, que diante de todo o tempo de uma vida é pouco, mas enquanto se sente é sofrimento embaixo d'água. das piores coisas que há está a imersão na dor, mas ela serve pra alguma coisa, não serve? diga pra mim que sim, que logo consigo emergir da minha lama cheia de ar nos pulmões, na pulsão de vida de respirar, de continuar.
então continuo, amparada pelos outros tantos amores que uma pessoa pode ter. enquanto alguns laços se desfazem, outros se apertam cada vez mais. um amor que se torna o melhor amigo, uma amiga que transcende a amizade, e o que é a amizade senão o tipo de amor mais genuíno que pode existir? ah, que secamos tanto as lágrimas uma da outra. que atendemos ao primeiro pedido de socorro. que refletimos juntas pensando em todas as possibilidades e impossibilidades da vida. amores assim sempre vale a pena serem vividos e eu os vivo. sigo sendo amada como posso, aberta sempre, mesmo que seja para o arrependimento porque a vida é campo de aprendizado.
escorro como a chuva que bate na janela, me desfaço e me refaço. o que passou vira saudade do que foi e nostalgia do que poderia ter sido. corre o tempo demasiadamente rápido neste ano tão comprido e confuso. parece que faz anos, parece que foi ontem. pelo menos, não choro mais.
para ler ouvindo:
jewel box - Jeff Buckley