é depois de amanhã. levei três anos pra dizer que é depois de amanhã, e agora que o dia chega não sinto nada além de esgotamento. meus braços já não têm mais veias pros anestésicos que me injeto todos os dias. o sono, a fome, as redes sociais que me sugam para dentro do telefone. a paranoia, os pensamentos acelerados, são o que têm me aplacado e me estancado. gosto muito das singelezas, elas me afetam, mas o espírito de felicidade desmedida e "good vibes only" ainda me dão engulhos.
sinto inveja do que está limpo e fácil porque a sujeira e o acúmulo me tomam. os pimentões abertos na fruteira lá ficaram por muitos dias. murcharam, sua água começou a pingar preta pelo chão, enquanto eles iam se desfazendo com o passar das horas, apodrecendo sob as minhas vistas. por que eu deixo? por que permito que as coisas se consumam, enquanto eu, na minha inércia, apenas permito e vejo a imundície se espalhar? me sinto presa, estática, empedrada e incapaz.
enraizei-me no chão mesmo me movendo, porque a mente diz que não consigo agir. ela me tolhe e fico em estupor. escondo-me sob as cobertas, mergulho nos sonhos que me aprazem; eles são sempre melhores do que estar acordada. os pedidos que fiz ao fogo se dissiparam nas cinzas do papel e volto pro lugar onde já estive tantas vezes, andando em círculos que desgastam meus pés, meus sapatos, o próprio terreno onde piso de novo e de novo e de novo.
eu deveria estar feliz, cheguei ao dia que pensei estar distante demais da minha capacidade, muito além do que imaginei poder e, prestes a vivê-lo, não sei de mais nada. segue a estrada, ela continua, mas não sei como caminhar por ela.
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