segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

sobre mim, você e os universos

A noite estava quente, mas perto da praia, a brisa quase gélida se revezava com algumas rajadas de vento morno. O céu não estava totalmente limpo, havia algumas nuvens que não chegavam a impedir a visão das estrelas; lindas, grandes e miúdas, cintilavam com força no entorno da lua que minguava amarela, enquanto ainda mais baixa no céu. Na medida em que subia, ia ficando menor e mais distante; prateada, refletia-se no mar cujas ondas pareciam feitas de mercúrio brilhante. O pano sobre o qual estava, assim como minha pele, iam aos poucos ficando molhados pelo sereno da noite. Deitada com as mãos atrás da cabeça, pensei: como podemos achar que temos alguma importância diante de todo o universo? Ele que é tão vasto, infinito, o que pode dizer sobre nós?

Então me lembrei da analogia que já tinha feito antes. Se colocarmos nossas cabeças lado a lado, bem coladinhas, mesmo que quiséssemos, não conseguiríamos penetrar os pensamentos do outro; e esse outro que pode pensar todas e quaisquer coisas, ele é um universo. Eu sou um universo; somos todos. Aqui, infinitos dentro de nós mesmos. Em cada corpo, um universo, e como eu jamais poderei acessar o seu, acredito que o meu é o mais importante, por isso também acredito que todos os outros universos estão à minha volta, como se me orbitassem. O pequeno acesso que temos ao universo alheio se dá pela comunicação, pela linguagem e, ainda assim, mesmo que tentemos expressar o que ocorre nos compartimentos mais íntimos do nosso ser, isso não é o suficiente para manifestar o que sentimos às vezes. A linguagem é limitada, mas não o nosso pensamento. Isso é bom e ruim, não sei por que ao certo.

Porque somos universos com senso de autoimportância, acredito que o ego seja a força motriz da nossa existência. Corta para a situação: pessoa por quem fui muito apaixonada na adolescência me manda uma mensagem aleatória como pretexto para logo depois me pedir desculpas por ter me rejeitado, pela forma como se deu, como me tratou na época. Não sei, mas acredito que deva ter pensado nisso por muito tempo, pois pedir desculpas dezoito anos depois, apesar do atraso, acho que quer dizer que houve um incômodo interno. Um sofrimento tardio por ter feito sofrer. Aceito as desculpas; éramos adolescentes. Passou. O que me espanta é que ele carregou isso por tanto tempo, e o meu sentimento ficou lá atrás, passou também. Virou ferida, se curou e hoje, por mais que haja a reparação, ela não faz mais diferença para mim porque não existe mais sofrimento, não existe mais sentimento e a pessoa por quem eu nutri tanto, se perdeu pelo caminho. Triste é notar um arrependimento pelo que não foi, pelo que poderia ter sido, pelo que não houve porque as possibilidades, assim como nós, são infinitas. Pena é ver que, às vezes, se leva tanto tempo para perceber isso. Como o mundo não para de girar, vamos mudando com as suas voltas, levando bordoadas que vão nos mostrando o caminho.

Como me sinto hoje com a minha vida? Tentei ao máximo, muitas vezes, me conectar com outros universos. Vi de muitos o que consegui identificar - não sem dor - como uma ponte quebrada, por onde eu jamais conseguiria passar; em alguns desses universos, identifiquei e senti amor e todas as outras coisas que vêm com ele; em outro, achei que vi uma ponte com uma porta, ao final, entreaberta, pela qual caminhei até que, ao chegar mais perto dela, vi que a porta fora batida. Não posso entrar, ela só abre por dentro. Fico sem entender. Havia uma ponte entre nós, achei que... achei que... achei que nada. Achei, na grandeza do meu universo, que o outro se abriria para mim, mas me esqueci que isso não acontece. Mesmo que me desnude em palavras, mesmo que me abra em carne viva, ainda sou só eu. Não nos acessamos. Mas, na pior das hipóteses, ainda usei de todos os artifícios possíveis para que a ponte se estabelecesse, para que a porta se abrisse, para que eu pudesse ver lá dentro o que as palavras não eram capazes de exteriorizar. A linguagem lacônica, por sua vez, parece denotar medo; medo de falar demais, medo de ser preciso, medo de demonstrar, de abrir a porta, de escolher, de abrir mão, de ter uma posição e é aí que voltamos ao parágrafo anterior. Entende? O tempo certo é o tempo em que sentimos, nenhum outro.

Conheço um carneiro que ficou por anos tentando reabrir a porta de uma conexão. Estava ele sempre ali, forçando a maçaneta, sem perceber que o tempo daquilo já tinha passado. Anos... Meu tempo passa mais depressa - mas não sem lamento -, e já está quase no fim, se tudo der certo. Queria ter podido compartilhar isso lado a lado, vendo as estrelas ficando coloridas como luzes de natal, mas vejo que é chegada a hora de fechar a minha porta também. O que não é correspondido, mingua com o tempo. Passa a dor e depois não sobra nada, assim como a lua minguante. Depois, surge, então, a lua nova, discreta, preparando o palco para a chegada da lua crescente, que emerge com as escolhas, até que fique cheia, prenhe de luz, clareando as noites em que poderíamos estar juntos, dois universos, cabeça com cabeça, sobre um pano na praia olhando para o céu.


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