estava com os pés molhados, gelados. calçava sandálias em uma dia de chuva que, durante a manhã, não se prenunciava para tão breve. saiu da sala, trancou a porta, e logo sentiu os pelos se eriçarem de frio. desceu as escadas com cigarro, isqueiro e drops em uma mão e o telefone celular na outra.
passou pela rampa, tomou alguns pingos grossos de chuva na cabeça, deu três passos sobre o gramado e sentou-se no banco de concreto. de óculos escuros, o dia parecia ainda mais fechado do que era de fato. olhou o estacionamento minguado de carros; as férias estão chegando.
sentiu a ideia vindo, uma frase solta que poderia chegar a um texto. abriu seu blog no telefone e fez o que não gosta: escrever usando o pequeno teclado. sua única vantagem é o corretor ortográfico. no tempo de três cigarros, escreveu sobre isto:
Tinha incríveis diálogos consigo mesma, nua, em frente ao espelho. Falava com interlocutores imaginários interessantíssimos, ou que o eram de sua perspectiva. Sua mente tagarelava sobre o sentido das coisas, das escolhas e das dores. Cada dor era uma pequena ferida que teimava em sangrar. Sujava os lençóis e secava sobre a pele que já tinha tantas outras cicatrizes. Sentir dor era bom porque assim sentia, da mesma forma que os fugazes momentos de alegria figuravam agora em lembranças soltas, escondidas embaixo do travesseiro com um fio de cabelo perdido.
Olhava para o teto, para a luz branca, fixamente por tempo o bastante para que não enxergasse mais nada, apenas o nada; era como uma meditação. Poderia ficar imóvel por horas, com a cabeça leve e cheia de luz. Mas de repente, revolvia-se na cama, até que ficasse confortável novamente, com o cobertor entre as pernas. Deitada de lado, sentia saudades até dormir.
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