terça-feira, 15 de maio de 2012

Da independência à proclamação da república

Tudo começou quando meus pais se separaram. Fomos lá para o fim da rua, morar no último prédio que havia. Isso foi no tempo em que eu tinha muitos vizinhos amigos e um hamster suicída; tempo em que eu morria de medo de dormir de frente para a parede e em que a minha mãe preparava bacon frito como aperitivo para mim e meu irmão, e nisso, lá se vão vinte e um anos.

Depois, fomos para a avenida principal, no tempo em que o mercado ficava ali, do lado do prédio em que fomos morar, e lembro até hoje da aventura de ter ido ao mercado para a minha mãe, com a ilustre missão de comprar fósforos. Embaixo desse prédio, havia uma sorveteria, onde tomávamos vacas pretas... Foi morando nesse lugar que sofri meu segundo pior acidente: a porta de vidro temperado da entrada quebrou em cima de mim quando fui abri-la; tenho as cicatrizes até hoje e ainda me lembro da madeira rosa de compensado colocada no lugar da porta até que chegasse uma nova. Lá, minha Barbie era casada com o Jaspion do meu irmão e também ia à guerra com os bonecos dele. Lá, meu irmão teve sua primeira crise de rebeldia, trancando-se no banheiro. Lá, eu tinha medo do Freddie Krueger e assisti pela primeira vez Hellraiser - tudo isso com menos de sete anos de idade!

Foi nesse lugar também que deixamos todas as nossas coisas com vizinhos, em gavetas alheias, e juntamos nossos trapos rumo ao norte. Até os seis anos de idade, tive uma infância feliz em São José, santo, pai de Jesus, carpinteiro... Feliz no Kobrasol.

Quatorze anos: restante da infância, adolescência e começo da idade adulta em terras caboclas - até uma filha índia consegui por lá - e me vejo de volta ao meu lugar. Manezinha da Ilha porque nasci lá, mas sou como meu pai, e não é São José, apesar de ter me acompanhado e ser o Padroeiro da cidade do norte, apesar de lá e aqui haver sua imagem; uma no meio do rio, pequena, tímida, em concreto, pintada de branco, colocando-se sobre as águas quando a maré sobe; a outra, grande, enorme, de metal, imponente no meio da praça que fica à beira-mar. Não é por causa desse pai que tanto amo essa cidade que tem nome de santo; é por causa do pai que me fez mesmo, daquele que nasceu na Colônia Santana e se criou lá, ali, aqui, nesses lados do continente que me alegram muito mais do que qualquer praia bonita do lado da Ilha da Magia. Meu lado bruxa, muito bem herdado de minha mãe, não faz questão de atravessar a ponte, porque ama mesmo é essa terra.

Então, que depois de quatorze anos, graças a meu pai de sangue, me vejo em casa novamente. A moradia que me deixou ficava aqui, nesse irmão Kobrasol que era novo e pequeno como eu, e que cresceu, casou-se e se multiplicou pela vizinhança. Voltei para cá, indo para a tal Dinarte Domingues. Não sei quem foi, não faço ideia. Sei que depois de quase três anos morando nesse desconhecido, tive minha independência emocional, indo para onde eu achava que cabia, na Sete de Setembro. A independência durou quase cinco anos e hoje me vejo indo para a Quinze de Novembro, proclamando minha república! Numa evolução de fatos históricos, que se encaixam em meus endereços, em meus momentos pessoais, na minha evolução.

Hoje é véspera de mudança, e destarte, deixei hoje toda a minha falta de criatividade de lado para manifestar todo o amor que sinto pelo lugar onde moro, digo, onde morei até agora, pois, a partir de amanhã, estarei em outro lugar, mas que fica ao seu lado, sendo o lugar que lhe deu origem, então não sinto que abandono meu irmão, sinto que me junto a seu pai, nosso.

Esta casinha, que apesar de ser uma apartamento, sempre será a minha casinha, tem agora só bagunça, caixas lacradas, sacos pretos, a carcaça de móveis e mais um pedaço da minha história. Hoje é a véspera de um dia cansativo e feliz, mas também triste porque sei que um pedacinho de mim está indo embora e não vai mais voltar.

Encerro com lágrimas nos olhos, um pequeno peso no coração e enormes expectativas pelo que virá.

Amor,

Karla


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