terça-feira, 8 de novembro de 2011

Não sei por que, mas 10 x 7

Quando eu era pequena, às vezes tinha uma sensação que me incomodava muito; em alguns momentos, parecia que tudo à minha volta acelerava, tudo acontecia muito rápido, as pessoas, os movimentos, as coisas, tudo se mexia em uma velocidade maior e aquilo me dava uma enorme agonia, porque era como se eu estivesse devagar diante de tudo.

Outra coisa que me deixava desconfortável, mas que acontecia nos meus sonhos, é que, com certa frequência, sonhava com uma claridade tão forte que eu não conseguia abrir meus olhos; eles ardiam e a minha cabeça doía, e nos sonhos, eu ficava impaciente, porque dentro deles se passava considerável tempo, e eu era obrigada a andar com os olhos cerrados, me sentindo importunada pelo clarão.

Mas o ponto não é esse, o ponto é que hoje, andando pela rua, de repente senti como se todas as coisas tivessem um destaque maior dentro do ambiente, tudo. Duas vezes senti o cheiro da minha infância. Primeiro, senti o cheiro do meu pai, depois senti o cheiro de um chiclete paraguaio que mascava quando era menor. É incrível como a rua me leva a lugares que estavam guardados há muito tempo. Cruzei duas vezes, em dois pontos diferentes do bairro, com a mesma garota que usava tênis cor de violeta. Passei em frente a um salão de beleza e vi uma senhorinha que, apesar de toda a decrepitude estampada em si, tinha os cabelos emplastados de tinta, na tentativa de esconder todos os anos que já tinha vivido. Vi uma menina, parada, atrás de uma linha branca, feita no chão de uma das pracinhas daqui. Ela olhava pro nada e esperava o momento de cruzar aquela linha, quando sua mãe séria, veio e a levou. Ouvi o barulho ritmado de marteladas, e vi a água que escorria pela sarjeta. Tudo muito vivo, muito singular.

Ontem, depois de piscar, abri os olhos e não podia parar de rir; eu ria, ria, ria e não havia nada de engraçado, mas eu ri tanto que babei; ri descontrolada; ri e não conseguia falar. Do meu lado direito, tudo girava, e eu ria. Depois, fechei os olhos e um enorme leque de plástico transparente amarelo se colocou sobre o céu, ele cobria tudo, dava ares de verão, de calor ameno; eu mexia minha mão para um lado, e era pra lá que o leque cobria o céu; eu fazia isso para o outro lado, e o leque seguia minha mão. Eram as minhas mãos que controlavam o céu, e eu sentia toda a minha parte frontal formigar; me via em sonho. Então eles apareceram, meu pai e minha mãe, vieram em minha direção e falaram comigo carinhosamente, como se eu fosse uma criança, cada um deles tomava uma de minhas mãos e me levavam pra algum lugar que eles diziam ser bom. Por trás da parte que formigava, lá estava a minha consciência, me segurando, me impedindo de ser, dizendo que era tudo mentira. E, assim, acabou.

Ontem também, descobri que tenho uma prima que me lê, do lado paterno. Ela me procurou, disse que gostava do que eu escrevia, disse que se dava muito com meu pai, e que ele falava muito em mim. Em algum momento, antes de se perder em si mesmo, ele deve ter falado de mim, acho. Ela disse que ele ficaria orgulhoso, mas acho que não. Certamente ele ficaria chocado. Enfim, disse ela que se orgulhava de ser minha prima. Fiquei feliz por saber que uma pessoa, que eu sequer sabia que existia até ontem, se orgulha de mim. Tenho função no mundo?

Depois disso, recebi um e-mail com o convite para participar de uma constelação familiar, e no fim de semana conversamos sobre isso, não é? A primeira pessoa que me falou a respeito do assunto tem o mesmo nome da segunda pessoa que falou comigo sobre; uma é família, a outra é amiga. Isso é destino, coincidência ou conspiração? A gente, então, decidiu que vai se aventurar, se expor, e expurgar o que for possível.

E hoje, ah, hoje foi bonito. Hoje, vieram tantas coisas que as mãos dela ficaram quentes, fiz ela suar com o tanto de energia que entrou em mim. Ela viu nas minhas costas um lobo muito bonito e um delicado veadinho também. Li algo a respeito, e gostei dos significados. O lobo representa amor, relacionamentos saudáveis, fidelidade, generosidade e ensinamento. O veado denota delicadeza, sensitividade, graça, alerta, adaptabilidade, coração/espírito, gentileza. Oh sim, existe o bem em mim. E lembrei da cadela do vídeo, Mishca, linda, uivando, e lembrei do cachorro mais lindo que tivemos, nosso lobo, Zowie, querido devorador de gatos. Lobos são leais...


Mas nem tudo foi bom. Vi nitidamente uma briga. Nós dois em frente a um espelho. Me dava de dedo na cara, irado com a minha falta de compreensão, porque era inadmissível. Em frente a um espelho oval, apoiado em uma penteadeira, a mesma que vi no sonho em que eu era baleada no pescoço. O que se reflete nisso tudo? O que estamos projetando?


Ela me disse que há omissão, foi essa a palavra que ela ouviu de alguém. Há mais de uma pessoa dentro do corpo, e uma delas eu não conheço, porque ela se esconde, não se aceita, não se admite pra ninguém. Mas disse também que eu perceberei certas coisas nessa pessoa, e que os véus serão tirados dos meus olhos, e então, eu verei que não existe mais nada a agregar, e conseguirei me libertar do que me faz sofrer hoje.


Bolha de luz azul, bolha de luz violeta.


Ontem conheci alguém que me deixou feliz, porque pude conversar e dar um pouco do que tenho sido ensinada. Por isso agradeço, mas ainda acho que preciso de um gravador.

Nenhum comentário:

Postar um comentário