segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Passeio Noturno

Em uma aula de linguística ou gramática, não lembro ao certo, a professora nos mandou ler dois contos de Rubem Fonseca: Passeio Noturno e Passeio Noturno II. Ambos são ótimos! - para quem gosta de um estilo mais macabro, digamos.
Depois de lidos, deveríamos escrever a nossa versão dos contos, uma espécie de continuação.
E esta é a minha:

Finalmente é sexta-feira, e eu, como bom trabalhador mereço descanso. Mas não aquele descanso em si, falo daquele outro tipo, daquele que me relaxa mais do que uma dose de uísque ou uma massagem nos pés.
Quero relaxar, e lembro que a filial do inferno fica na minha casa. Meus filhos não se lembram da minha existência a menos que precisem de dinheiro - tenho certeza que devem usar drogas ou no mínimo já devem ter participado de alguma orgia -, e minha esposa passa tanto tempo embriagada, dopada com calmantes ou assistindo a novelas irritantes, que creio, não fazemos sexo há pelo menos dois meses, e da última vez, oh céus! Foi como praticar necrofilia, pois a desgraçada está mais frígida do que um bife de vaca em freezer de açougue.
Eu poderia matar toda a minha família, oh sim, eu poderia. Tenho esse direito! Sou o provedor de tudo. Desde as calcinhas rendadas até os remédios de tarja preta que deixam minha mulher como um zumbi. Mas não, como um bom pai, preservando nosso nome e a tradição familiar, somos felizes! Pelo menos é o que acredita quem vê de fora, e o que importa são as aparências.
Mas dizia eu que queria descansar, e chegando em casa, o panorama é o de sempre. Já nem me lembro mais quando foi a última vez em que vi minha mulher com outro traje que não fosse uma camisola. Nem sei mais se meus filhos têm todos os dentes na boca, se não se perderam em alguma briga, ou se minha filha já abortou um filho indesejado, ou se teve uma doença venérea e, por vingança não infectou todos os seus parceiros.
Sou um pai desatualizado da realidade de minhas crianças... crianças... são apenas sanguessugas... algumas pessoas têm cachorros, você tem adoráveis filhos! A felicidade é constante.
Vendo todo aquele ambiente receptivo, a necessidade de relaxar aumenta, e novamente convido minha esposa para dar uma volta de carro, mesmo sabendo que ela não iria comigo nem até a cozinha. Com sua negativa, dou um longo suspiro de alívio, jogo a gravata sobre a cama, troco a roupa usada o dia inteiro por uma bermuda, camiseta e tênis. A noite está agradável, e antes mesmo de sair de casa, já sei para que lado da cidade rumar.
Tiro o carro da garagem, desço para apreciar por um momento o "gatinho' que adorna seu capô, e percebo que há uma pequena mancha de sangue seco da noite anterior. Oh homem! Que descuido! Desse jeito logo seu carro atrairá moscas varejeiras, afoitas por um pedaço de carne pendurado no paralama... realmente um descuido. Apanho dentro do carro uma toalinha, dou-lhe uma cuspidela e esfrego gentilmente sobre a mancha, que logo desaparece e novamente faz a pintura reluzir sob a luz do poste.
Agora sim, pronto para a caçada!
Saio em direção ao sul da cidade, lá as ruas são escuras e ermas. E hoje, estranhamente, apesar de ser véspera de fim de semana, estas ruas estão ainda mais desertas e ainda mais lúgubres, o que a mim só causa excitação, pois quanto maior é a demora em encontrar a presa certa, mais estimulado me sinto a continuar.
Passo por uma, duas, três ruas, até que na quarta surge alguém. Que sorte! Pelo menos era o que parecia, até eu ver a pessoa direito. Como já estava com os faróis apagados, acendo-os e o que vejo me deixa profundamente atordoado. Era uma mulher, andava capenga das duas pernas. Parecia se arrastar constantemente, levava embrulho semelhante ao da mulher que atropelei outro dia, e estava pintada de sangue como ela, depois de ter ido parar no muro. Não! Não! Não! Não pode ser! Eu a matei, não há dúvidas! Consegui até ouvir seus ossos se partindo contra meu carro!
Acelerei, mas não foi em sua direção. Segui reto, acreditando que de lá seguiria para casa e beberia para relaxar, talvez já tivesse ido longe demais, precisava de outras formas de entretenimento. Era isso.
Tentando me controlar - tudo isso é fruto de todo o estresse e pressão que sofro naquela maldita companhia -, vou seguindo até chegar em uma outra região mais movimentada. Lá senti-me mais seguro, não fosse pelo fato de eu olhar para o banco do carona e ver Ângela, isso me fazia crer que logo eu estaria compartilhando os remédios de minha esposa. A maldita piranha estava com a cabeça rachada, sem a mandíbula, braços quebrados como todo o resto do corpo, e ainda por cima pingando sangue no meu banco de couro! Orgulhei-me pela qualidade do serviço, mas também quase urinei nas calças de tanto medo da criatura bizarra, que certamente fora morta por mim ainda ontem!
O pavor aumentou ainda mais quando ela virou-se para mim e com o olho direito quase saindo da órbita, deu uma piscada mórbida e balbuciou que agora era a minha vez. Freei bruscamente no meio da rua, eram 23h27. Desci do carro abruptamente e o ônibus que vinha em direção contrária à pista em que eu estava me levou... Levou-me sem parada para o inferno. O baque foi grande. O torpor tomou conta de mim, mas ainda pude ver que minha cabeça subia e batia no asfalto diversas vezes, pois ficou presa à roda do ônibus, até se esfacelar por completo, e toda minha massa encefálica ficar espalhada pela pista, junto com as minhas vísceras esmagadas e minha pele esticada como um balão estourado em festa de criança.
Parece que amanhã não terei um dia terrível na companhia.


2 comentários:

  1. Muito bom este. Bem "gore" o final. Têm-se que digitalizar o já lendário conto erótico teu.
    =o@@@~

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  2. Legal, Karla, a gente entra na narrativa, vivencia a "viagem". Parabéns!

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