Minha afinidade com crianças sempre foi perto de zero. Achava que elas eram seres que choravam, faziam birra e só serviam pra atazanar a vida dos adultos. Quando eu era criança, adorava brincar de boneca... fazia quartinhos... e era uma “mãe amiga” dessas bonecas. Adorava-as! Pensava: Quando eu tiver meu filho será assim e assado. No começo queria uma menina... e já tinha idéia de nomes que hoje em nada me agradam. Depois pensei que queria um menino, porque eles são mais fáceis de lidar, não têm tantas frescuras quanto uma menina cheia de laços cor-de-rosa... Mais tarde, decidi que não queria filho algum, pois só me atrapalharia e eu não gosto mesmo de crianças... não tenho jeito com elas, e elas também parecem não ir muito com a minha cara. Certo, filhos eu não teria.
Mas quando de um namoro inconstante e irresponsável veio a notícia de que eu estava grávida... ai ai... tudo, tudo mudou! Minha mãe me deu a notícia pelo telefone – ela foi buscar o resultado do exame: Parabéns Karla! Você acaba de estragar a sua vida!
Eu só tinha 18 anos... e de repente, estava grávida! Era algo inimaginável! Não conseguia acreditar, conceber aquilo na minha cabeça era demais! Não me sentia grávida, parecia uma grande mentira, um sonho... e eu queria muito acordar!
Abortar foi a primeira coisa que me passou pela cabeça, pois eu não me sentia mãe, nem preparada para tudo aquilo. Eu tinha acabado de passar no vestibular de enfermagem da universidade federal, meu namorado era um zero à esquerda, só estávamos juntos há três meses, e o principal, nem ele, nem eu tínhamos condições de ter um bebê. Mais tarde eu percebi que só poderia contar comigo, porque com ele... Bom, o fato é que estou aqui pra relatar a experiência de ser mãe.
A minha mãe e o meu irmão foram terminantemente contra o aborto: Você fez, você assume! Certo... a idéia esvaiu-se no primeiro dia, e logo eu tive que me acostumar a ter uma pessoa bem pequenininha dentro de mim.
Então tive de ir ao médico pra fazer o pré-natal e acompanhar tudo. Ele solicitou vários exames para mim, e outros tantos para o bebê. Aí já começaram os primeiros medos, porque mesmo que você não queira um filho, que você não se sinta apta a criar uma criança, mesmo assim você espera que ela seja saudável. Quando fiz exames para saber se o bebê tinha síndrome de Down e uns outros que não me lembro agora, ficava bastante apreensiva com os resultados.
Quando fiz o primeiro ultra-som, acho que aos quatro meses... nossa, quanta emoção!!! Era de verdade, pequeno, como um grãozinho de feijão com perninhas e bracinhos! E já me sentia um pouco mãe... o pequeno serzinho era nutrido por mim... o meu sangue era o seu sangue... eu era a sua casa... o lugar mais acolhedor por onde ele já havia passado...
Os meses iam passando, e eu engordando... minha barriga, minha pobre barriga encheu-se de estrias medonhas, mas é porque o cantinho do bebê precisava crescer. Eu queria que fosse um menino, e chamar-se-ia João, mas para meu engano, no ultra-som feito no quinto mês e cheio de expectativas, descobri que era uma menina que eu acolhia. O pai então escolheu o nome: Ana, mas minha mãe achava Ana um nome muito simples, deveria ser composto. Então ela tornou-se antes de nascer a quarta geração de Cristinas da família. Depois da minha avó Cristina, minha mãe Márcia Cristina, eu Karla Cristina, ela seria Ana Cristina.
E eu pensava nesses meses: será que ela vai gostar de mim? Será que terei leite? Será que saberei cuidá-la? Será que a amarei? Será que ela terá meus olhos ou os olhos do pai? Ah... foram tantas coisas passando... Acostumei-me com seus chutes e mexidas. Ela costumava chutar minhas costelas... Eu conversava com ela e às vezes chorava de medo de não conseguir. Era tudo surreal...
O enxoval foi feito, era tudo simples. Ela acabou sendo um bebê tão esperado quanto se tivesse sido encomendada pela cegonha. E eu já a amava... Enquanto o tempo passava, eu ia me preocupando cada vez mais com o dia do parto... morria de medo! Medo da dor, medo de morrer, medo de que acontecesse alguma coisa a ela.
No dia em que fui para a maternidade para ganhá-la, ao entrar na sala de trabalho de parto, vi duas mulheres gritando por causa das contrações, e agradeci porque faria uma cesárea. Mas é bem constrangedor: tire suas roupas e vista isso – um avental que te deixa com a bunda de fora. Ok, fiz isso, fiquei um tempinho deitada entre as duas grávidas e suas contrações, enquanto preparavam a sala de cirurgia. Quando me levaram à sala, pensei: fim da linha. É hoje que eu vou morrer, porque a sensação é a de que você está indo para o abate. A sala era fria, e a mesa era estreita. Sentei nela, e uma enfermeira veio a disse que me aplicariam a anestesia, e que eu sentiria uma picada nas costas. Na verdade não doeu nada, foi só uma picadinha mesmo, mas talvez tenha doído e eu não tenha sentido por causa dos nervos.
Deitei, os médicos chegaram. Acho que fora eles havia mais duas ou três pessoas na sala, enfermeiros suponho. Havia um rádio ligado, e o grupo falava de coisas aleatórias.
Fiquei com um dos braços esticado no soro, e comecei a passar mal. Parecia que a anestesia não era só da cintura pra baixo, parecia que meus pulmões estavam anestesiados e eu não conseguia puxar o ar. Colocaram-me no oxigênio, e eu não dormi, mas parecia bêbada. Uma hora olhei para as luzes, e elas refletiam minha barriga aberta, e muito sangue! Eu não sentia nada, absolutamente nada, então fiquei olhando para o lado, e esperando que acabasse logo, e acabou. Deve ter durado uma meia hora. Então ela veio, mostraram-me a Ana. Coberta de sebo, sangue, meio roxinha, meio amassada, eu a olhei e tive o desplante de dizer: Nossa, como ela é feia!
Que belo primeiro comentário sobre a filha, hein! Arrependo-me até hoje. Levaram-na, e eu dormi. Lembro-me de estar na sala de recuperação e de depois ser levada para o quarto. Quando acordei, começaram as dores... a anestesia estava passando e tudo formigava. Queria fazer xixi, mas como não podia levantar, colocaram em baixo de mim um daqueles penicos de hospital. A dor era imensa, não conseguia sequer me virar na cama. Então trouxeram-na. Embrulhadinha num cueiro de coelhinhos, com a carinha ainda amassada e arranhada por suas unhas compridas que não deveriam ser cortadas ainda. Ela parecia cansada da viagem que fizera, mas tinha fome. Meus seios estavam bem cheios, mas precisavam ser massageados para que o leite saísse, já que a pequena ainda não tinha a prática de sugar. Logo na primeira tentativa, ela já conseguiu alguma coisa, não o suficiente para satisfazê-la, mas estávamos nos conhecendo.
Logo na primeira noite, ela já ficou comigo no quarto, e dormiu num daqueles bercinhos que mais parecem gaiolas para crianças. Durante toda a noite, a cada duas ou três horas, ela chorava para mamar. E como eu tive leite! Ainda bem! No outro dia, levaram-na para tomar banho, e depois a trouxeram para mamar. Eu estava apaixonada por ela. Ana era linda, tinha olhinhos tão azuis que pareciam cinza. Era incrível acreditar que aquela menina tão linda havia saído de dentro de mim, de mim! Ela é um pedaço de mim, é minha continuação... meu legado... e isso não é nada perto da emoção de saber que ela existe, e que ainda, é minha...
Não existe nada mais complexo que ser mãe. Das dores e das delícias de ocupar esse lugar, só podemos saber depois de experimentar.
ResponderExcluir