sábado, 12 de julho de 2025

sobre as coisas que não sabemos que sabemos

semanas atrás tive um sonho do qual não me esqueci. sonho quase todas as noites; me lembro com frequência do que sonho e gosto de pensar nos meus sonhos. ainda assim, deixo que eles evanesçam do consciente com uma rapidez que me incomoda porque a bem da verdade não é que eu deixe, é que eles se vão sem meu consentimento e acho que aceito porque, por mais que eles pareçam ter desaparecido para sempre, sei que ainda estão em algum canto do meu cérebro, perdidos em alguma dobra da massa encefálica. não é engraçado pensar que um sonho, algo tão infinitamente possível e grande e sem bordas ou limites imaginativos é criado por uma massa mole que lembra um flan? 

não é curioso pensar que qualquer possibilidade de abstração só é possível porque existe um peça física que permite isso?

no sonho de semanas atrás, o cenário era este: uma espécie de sala de reuniões com uma atmosfera setentista, com vários homens (uns seis ou sete) sentados em torno de um mesa na qual conversavam. eles falavam sobre assuntos diversos mas que eram totalmente impalpáveis para mim, na minha realidade acordada. eu não me lembro quais eram os temas dos debates, mas era algo como física nuclear ou filosofia kantiana. coisas que eu sequer acredito ter capacidade cognitiva para entender e, ali dentro do sonho, eu continuava não entendendo, mas eles sabiam exatamente do que estavam falando.

ocorre que eu só me dava conta de que eles faziam parte do meu sonho quando eu parei de vê-los como se os tivesse assistindo por uma televisão, e de repente me vejo levantando uma pesada cortina vermelha de veludo e os descortino para mim mesma, como se os assistisse então ao vivo.

quando os vejo frente a mim, percebo que estou sonhando, percebo que eles fazem parte do meu sonho, percebo que esse homens incrivelmente inteligentes na verdade sou eu. eles estão dentro da minha cabeça e o que eles estão falando e discutindo são assuntos que estão dentro da minha cabeça, ou seja, eu sei exatamente do que eles estão falando porque eles sou eu.

eles estão dentro de mim e então percebo que sei de coisas que nunca imaginei que poderia saber. me dou conta de que sou capaz de compreender para além do que imaginava, me surpreendo ao descobrir que não sabia de algo que sempre soube, pois mesmo quando acreditava não saber, apenas ignorava o que sempre esteve ali. bem, não sempre porque sempre é tempo demais, mas ignorava um conhecimento que sequer imaginava possível de fazer parte do meu repertório, mesmo que ele já estivesse ali desde não sei quando.

esse sonho me deu uma sensação de vigor, de tesão por mim mesma que não sentia há tempos. me lembrou de todo o infinito que carrego comigo e que pouco acesso, mas que aqui está, escondido entre os espaços das palavras que escrevo e das palavras que fogem de mim enquanto os dedos teclam as teclas do teclado fazendo tlec tlec tlec. o que tem no meio de tudo isso? o que me escondo de mim mesma e só me permito ver se for fantasiado de algo que não sou eu?, quando tudo o que penso e que escondo sou eu e não sou. do que falo só se revela o que é pequeníssima parte do todo que é muito mais, mas que é indizível, fortuito, indescritível, mas sonhável.

vou dormir.