as pessoas ficam juntas quando perguntam uma para a outra como passou o dia, como está a cidade depois de uma inundação. daí a gente fala de política, fala dos bichos de casa, fala dos outros e fala da gente. daí você me diz que tem fome e pergunta se já jantei, se vou comer o que estou preparando; digo que não, que o que estou preparando é para juntar às marmitas já congeladas da semana. você me pergunta brincando se pode pedir um burrito por delivery e eu respondo, brincando, que não.
as pessoas ficam juntas porque enquanto você pede a comida, eu me refresco na pia lavando a louça da noite anterior. continuamos conversando e eu reclamo do calor. as pessoas ficam juntas porque quando chegam os burritos, enquanto eu como sentada no banco, você come de pé, do meu lado e mais rápido do que eu.
as pessoas ficam juntas porque por mais que a recomendação médica seja de se movimentar minimamente depois de uma refeição, o que a gente sempre faz é ficar na horizontal. quando as pessoas que ficam juntas somos nós, é o que fazemos. comemos e deitamos.
as pessoas ficam juntas porque em noites muito quentes de verão, ligo dois ventiladores no quarto e levanto a camiseta sem calcinha pra que a virilha pare de suar. você deita do meu lado e elogia a cor dos meus pentelhos que, à meia luz do quarto, parecem estar mais escuros, parecem cor acaju, você diz enquanto ri. daí rio eu dizendo que estão grisalhos. te abraço, passo a mão nas tuas costas e devagar, com a unha do dedo médio direito, tiro um cravinho safado e fácil. deslizando melhor a mão, sinto que há mais e peço que fiques de bruços.
as pessoas ficam juntas porque subo nas tuas costas, puxo a luminária em direção a elas e começo a inspecionar os poros dilatados e as espremê-los, enquanto te pergunto se tá doendo e você diz que não. a experiência é boa, mas dura pouco, porque tuas costas são muito mais macias do que têm cravos a serem tirados.
as pessoas ficam juntas porque tu me dizes que, se tenho calor, tenho que tirar a camiseta e não só levantá-la. eu tiro, me levanto, fecho a janela, tranco a porta de entrada, apago a luz da cozinha, volto e me deito novamente. tu levantas e tiras toda a roupa que vestias. deita do meu lado pelado e gracejante. nossos pés namoram se roçando demoradamente.
as pessoas ficam juntas porque depois de nos comportarmos como dois primatas que conversam, comem, catam piolhos um do outro, fazem uma macaquice num momento e jogam um encanto em outro, a gente se come e se come até cansar. depois se lava, se beija e dorme.
as pessoas ficam juntas porque quando dormem juntas elas correm alguns riscos. quando é você junto comigo, o risco é de acordar no meio da noite com um som que pode ser um ronco, um peido ou uma risada. eu acordo assustada com meu próprio ronco, com meu próprio peido, e mais recentemente, com a minha própria risada que reverberou pra fora de um sonho engraçado que tive, mas do qual não me lembro.
as pessoas ficam juntas porque a manhã seguinte se mostra pela claridade na janela do banheiro que entra no quarto escuro. o teu despertador toca, mas o meu - a Cora, no dia de hoje - já está tocando há mais tempo, miando na porta. eu me levanto, dou comida a todos eles e volto pra cama. tu me olhas, me namora, depois coloca a cabeça no meu peito e diz: teu coração tá batendo; eu respondo: ainda bem.