enquanto cago, escrevo. espera, deixa eu reformular: enquanto escrevo, produzo um conteúdo. "produzir conteúdo" foi como comecei a me referir às minhas idas ao banheiro. meu pai trabalhava em um escritório cheio de pessoas e quando eu ligava pra lá e pedia pra falar com ele, às vezes me respondiam: "seu Cacai tá fazendo um pacote, não pode atender"; isso era a maneira burocrática de dizerem que ele estava cagando. o banheiro era um brinco. a época era da naftalina pelos cantos das paredes e o papel higiênico era aquele cor-de-rosa, que não só limpava, como esfoliava o cu. ele fazia pacotes; eu produzo conteúdos.
não é isso o que a internet entrega hoje? as pessoas produzem "conteúdos". basicamente, qualquer merda pode ser considerada um conteúdo, então estou produzindo o meu enquanto, literalmente, faço merda.
um breve resumo: fiquei mais de um mês sem o instagram, mas bastou eu voltar praquela bosta que já voltei a ficar completamente alienada da vida. fico vidrada no telefone. meu punho direito estala e dói; acho que está inflamado, meu cotovelo direito também. essa porra de telefone está acabando até com meus ossos. quase não consigo evitar o tanto de tempo que perco segurando o telefone enquanto deixo de viver as singelezas da vida.
sabe aquelas coisinhas bobas como lavar roupa, passar pano, ser escrava das tarefas domésticas como qualquer adulto funcional deveria? sabe aquela coisa de ler um livro e dormir cedo? pois é, eu também não sei. li dois livros enquanto me mantive afastada. me sentia menos agitada. minha cozinha está virada de cabeça pra baixo, mas pelo menos me alimentei direito hoje. falta eu dar a sopa dos gatos. sim, é quase uma sopa; no começo, eles achavam aguada, mas hoje bebem toda a água que eu misturo com o sachê e o sachê em si fica lá nos potes, porque os buchinhos ficam cheios de água. chaninhos todos muito hidratados. a vagabunda da Francisco já está tão acostumada que faz o terrorismo diário com o papel higiênico como uma forma de chamar minha atenção, mas perá lá, porra! tô cagando!
tô contando minha divertidíssima rotina pra quem não me perguntou nada!
abre-se um parêntese porque enquanto eu escrevia tudo isso aí em cima, diga-se de passagem lá pelas 20h30, vi que meu analista havia me mandado um áudio; estranhei, ouvi. ele dizia que a gatinha dele estava doente e precisando de uma transfusão de sangue. perguntou se eu conhecia alguém que tinha um gato com as especificações necessárias para a doação, ou se um dos meus gatos poderia ser o doador. eu logo pensei na Francisco. idade boa, peso dentro do requerido, saudável etc.; onde vocês estão? na clínica x. beleza, estamos indo.
jamais poderia me negar. a Marta já foi salva por uma transfusão de sangue. quem é mãe de pet sabe que a gente faz de tudo por esses arrombadinhos. lá fomos nós duas. Francisco e eu; ela embrulhada numa manta, no meu colo dentro do carro enquanto eu dirigia. a bichinha não deu um pio; não fez uma menção de rebeldia. parecia que sabia que estava em missão especial.
chegamos lá e a veterinária disse que ela precisaria ser sedada para a coleta de sangue; aí o coração de mãe se apertou porque ela já tinha tido uma reação alérgica à anestesia quando foi para a castração. apesar de umas picadas para exames preliminares, achamos melhor que ela não passasse por isso. pensei imediatamente no Presto; gato grande, forte, saudável e que já foi doador antes. ligo pra mãe nova dele; ela liga pro ex-marido que tá na Grécia? Cracóvia? Turcomenistão? tá por aí turistando antes que o mundo acabe; o ex-marido me liga com voz de madrugada pra saber exatamente do que se trata, pede que não tirem muito sangue do filhinho dele, permite a boa ação. todo esse movimento em sei lá, dez minutos, e logo eu tô voltando pra casa com a Chico tão comportada quanto na ida, mas agora com as almofadinhas das patas molhadas de nervoso. despacho a gatinha em casa, jogo uns petiscos no chão e ela rapidamente se esquece do perrengue pelo qual acabara de passar.
mando mensagem pra nova mãe; aviso que estou chegando. subo. cria-se uma pequena situação para colocarmos o gatão dentro da caixinha de transporte; ele não é nada otário e não quer entrar de jeito nenhum. entrou de ré até fácil, depois de umas tentativas frustradas de outras maneiras. gritou o caminho todo, imagino que me xingando ou pensando o que tinha feito para merecer ser arrancado de casa já tarde. eu explicava que ele estava indo ajudar uma amiguinha, que era um herói e esse papo que não funciona nem com criança pequena, imagina então com gato? a gente humaniza os bichos porque admitir que eles não nos entendem é muito frustrante pro nosso ego.
chegamos! logo a veterinária leva o chano lá pra dentro pra fazer os primeiros exames; daí vem lá do consultório pedindo ajuda para segurar a jaguatirica. éramos três mulheres segurando uma bola de pelo de seis quilos e pouco que parecia ter a força de, ai, nem sei qual bicho usar. acho que jaguatirica já tá de bom tamanho. fosse uma onça tinha acabado com a nossa raça rapidinho.
resumindo a história porque meus suvacos estão chorando e preciso tomar banho (tudo isso aconteceu ontem; hoje já é hoje, dia dos namorados e eu quero me embonecar pra ficar fedendo a tempero frito com o jantar pro date que ainda vou começar a fazer): Presto foi o herói do dia. ficou lá, doou seu precioso sanguinho, ajudou a gatinha que já está melhor, apesar de ainda não ter um diagnóstico fechado. meu analista e sua esposa ficam muito agradecidos pela vidinha da filha peluda.
nisso se fecha o resumo do que ninguém me perguntou. a vida aí acontecendo o tempo inteiro sem pausas, para todos os lados, com maiores e menores significados e esse foi um bom dia. daqueles em que demandam da gente solidariedade e a gente retribui sendo solidário porque no fim das contas é o que importa. obrigada (Presto, Chico, Danilo e Maia)!
comecei falando de merda e terminei falando de solidariedade. já assistiram aquele filme "a corrente do bem"? é legal, recomendo. eu sou das pessoas mais pessimistas/realistas que há, mas se houvesse mais gente disposta a ajudar pelo simples prazer de ajudar, esse inferno desse mundo não seria tão desgraçado.