Depois do parto, percebi que a vida seria cada vez mais ambivalente. Ao mesmo tempo em que me sentia felicíssima por ver minha filha se desenvolvendo bem, via a mim mesma abandonada; me abandonei por resignação de perceber que nunca mais seria a mesma, por falta de tempo até para lavar os cabelos. Me deixei porque a dedicação tinha que ser a ela; eu tinha medo de ir ao banheiro e de voltar e ela ter morrido, caído, quebrado. Cortei meus cabelos para ter mais tempo. Em mim, só notava os absorventes de seios encharcados e o cheiro de leite azedo. Amamentando, eu logo perdi os quase vinte quilos que havia engordado na gravidez.
Parei de amamentar a Ana quando ela tinha um ano e meio. Aos
seis meses houve a introdução alimentar e, depois disso, ao longo do tempo a
alimentação foi substituindo meu leite. Meu peito era feito de chupeta, usado na
hora da manha, assim como foi usado como cala-boca de neném inúmeras vezes em
qualquer lugar que estivéssemos. Bebê começa a chorar, mete o peito na boca.
Era o calmante, já que ela não usou chupeta de plástico. Eu era a chupeta dela.
Quando pequena, sempre dormíamos juntas, eu dando o peito a ela até que caísse
no sono, isso quando eu não desfalecia junto. Para mim, amamentar foi um grande
prazer, mas os seios que antes precisavam ser intercalados para que um não
ficasse mais cheio e dolorido do que o outro, começaram a não se encher mais de
leite como antes. Estavam sendo deixados de lado aos poucos.
Então, conheci meu primeiro namorado pós-maternidade e
queria poder restituir algo de mim que não tivesse a ver com ser mãe, com ser a
mãe que usa sutiã de amamentação e que tem sempre uma golfada de vômito seco na
roupa. Fui ao médico e disse que queria parar de amamentar, já era hora. Tomei
um remédio que secou o restante de leite que eu produzia. Naquela época, as
minhas condições financeiras começaram a ficar melhores e eu comecei a usar um
carro como meio de transporte. Minha locomoção antes se dava a pé ou de ônibus.
Não sei se em função dessa mudança, que tornou minha vida ainda mais sedentária
– já que eu não praticava nenhum tipo de atividade física e que isso nunca
havia sido um hábito em minha vida – paulatinamente, comecei a ganhar peso.
Quando a Ana tinha cerca de quatro ou cinco anos, eu estava
pesando mais ou menos o quanto pesei no final da minha gestação. Algum tempo
depois, o peso ultrapassava o final da gravidez, ou seja, não havia mais um
bebê dentro de mim; eu não estava grávida, mas estava ainda maior do que quando
havia. Esse ganho de peso não foi prontamente notado porque eu ainda estava
abandonada por mim. Durante o transcorrer dos anos, fui me acostumando, a
contragosto, ao que tinha se tornado meu corpo, sem perceber que ele estava
crescendo. O fato de conseguir me relacionar afetivamente de novo fez com que
isso passasse batido. Sabe o casal que quando se conhece está magro e depois
engordam juntos? Foi isso que aconteceu comigo.
A relação mascarou o fato de que todas as vezes que eu
olhava para o meu ventre mole, flácido e cheio de estrias, pensava estar “arruinada
para sempre”; tinha vontade de chorar, sentia uma tristeza profunda, mas
tentava dizer a mim mesma: “sua barriga foi a casa da Ana, sua filha que você
tanto ama”. Sim, mas eu também amava a minha barriga de antes e o fato dela ter
sido casa da minha filha, não diminuía o sentimento de “puta que pariu, nunca
mais serei a mesma” que eu sentia todas as vezes que me via no espelho.
Ainda assim, ter um namorado após a maternidade foi
importante para me validar novamente como mulher porque eu, com vinte e um anos,
era uma menina com um bebê de quase dois e uma barriga feia. Quem seria o cara
de mesma idade que namoraria uma mãe e que ainda tivesse a minha barriga
horrenda? – sim, eu pensava isso, então, quando surgiu uma pessoa que conseguia
me ver inteiramente, para além do meu corpo e do meu segundo eu, pude me sentir
desejada e foi quando, pela primeira vez, depois de tanto tempo, voltei a me
sentir bonita.
(continua...)
Quantas identificações
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