a melhor forma de começar é
dizendo que não gosto de trabalhar. não gosto de ser obrigada a cumprir uma
função em troca de ter dinheiro para poder manter a minha vida. não acho que o
trabalho enobrece ou dignifica ninguém; não acho que o trabalho liberta; não
acho que o que me falta é encontrar algo que eu ame fazer para que, então, eu
ame o meu trabalho.
a gente nasce dentro de um
sistema econômico que tomamos de maneira naturalizada e que, junto de preceitos
religiosos, nos fazem acreditar que é normal e esperado que gastemos metade das
nossas vidas trabalhando para poder ter uma existência minimamente digna. veja,
estou falando isso do alto do meu emprego como servidora pública, estável, que
recebe um salário razoável frente a, sei lá, 80% da população brasileira. do
conforto da minha casa, fazendo, às vezes, mais do que três refeições diárias,
tendo acesso à análise e a um plano de saúde, morando a menos de dois
quilômetros do lugar em que trabalho, eu digo que não gosto de trabalhar.
eu vou, faço o que tem de ser
feito, cumpro minhas funções, atendo às minhas demandas, recebo meu salário por
isso e não espero ter nenhum tipo de realização profissional porque eu não
gosto de trabalhar. meu trabalho é apenas o meio pelo qual eu posso manter a
minha vida para fazer as coisas que eu quero fazer, o que inclui pouca coisa,
como dormir, me alienar nas redes sociais, assistir um filme ou uma série ou
fazer absolutamente nada. eu gosto de fazer nada, eu gosto de não ter
compromissos, obrigações, atividades programadas. eu gosto de fazer nada e não
gosto de trabalhar.
e escrevo isso sem nenhum tipo
de vergonha por assumir que não gosto de ser sobrecarregada, que não gosto de
ter mil missões pra cumprir, que não gosto do esquema escroto de produtividade
que o neoliberalismo joga na roda como se o que medisse o seu valor como pessoa
fosse não só o quanto você ganha, mas o quanto você trabalha; se bem que...
opa! não, o que importa realmente é só o quanto você ganha porque se importasse
o quanto você trabalha, qualquer repositor de estoque do mercado e qualquer
uber seriam supervalorizados por todo o trabalho que executam.
podendo soar hipócrita, de cima
da minha cama, no dia do trabalhadoR e não do trabalho, eu digo que é
absolutamente injusto que eu viva da forma que eu vivo enquanto a esmagadora
maioria da população não teve, não tem e não terá a maior parte das
oportunidades que eu tive, a despeito de todas as dificuldades pelas quais eu
possa ter passado. e não acho que se trate de mérito; eu não tenho mais mérito
do que uma mulher que viva em qualquer periferia porque eu me
"esforcei" mais do que ela; a gente simplesmente não saiu do mesmo
lugar pra poder fazer esse tipo de comparação esdrúxula.
eu não acho que eu mereço mais
o que eu tenho do que qualquer outra pessoa que não tenha nada e me entristece
muito saber que a realidade é essa e que a gente não tem como fugir dela. você
só consegue “fugir” do sistema se você, olha só, tiver dinheiro pra criar as
suas próprias regras, mas daí você já está dentro dele. E quando você está
dentro, é muito fácil falar que “quem quer dá um jeito, quem não quer arranja
desculpa”. Pra casa de satanás com esse papo!
no ano passado, me aproximei
das ideias do comunismo e realmente acho que ele seja o mundo ideal. um mundo
em que os meios de produção fossem geridos pela classe trabalhadora e no qual
todas as pessoas tivessem acesso ao mínimo necessário para uma vida digna. Que
todos tivessem casa, comida e trabalho, mas não um trabalho que os consumisse e
os tornasse escravos, um trabalho que fosse apenas o suficiente para manter uma
pequena parcela do "todo social" funcionando, que as pessoas fossem
remuneradas por isso, e que pudessem viver suas vidas em uma plenitude que não
se resumisse a guardar dinheiro e ter mais coisas.
que as pessoas pudessem ser
reconhecidas por seus talentos e habilidades e até mesmo por sua mediocridade,
porque ninguém precisa se provar o tempo todo pra valer alguma coisa; pelo
menos eu acho que não deveria ser assim. vejam, estou tirando todo esse
idealismo diretamente do meu cu e sem nenhum tipo de embasamento teórico, porque
apesar do interesse que manifestei pelas ideias comunistas, eu nada li a
respeito e ainda assim concordo 100% com a ideia de revolução, com a ideia de
expropriação dos meios de produção.
o mundo não precisa de
bilionários arrombados; o mundo precisa de trabalhadores organizados. quanto
mais o capitalismo nos faz acreditar que o bom é ser empreendedor - quando na
verdade você só está abrindo mão de direitos trabalhistas e se submetendo a
cargas de trabalho cada vez mais extenuantes e ganhos cada vez menores -, mais
acreditamos que o bom é trabalhar enquanto os outros dormem e ter crises de
pânico, de ansiedade, sensação de fracasso e por aí vai porque, afinal de
contas, todo mundo conhece o caso do fulano que enriqueceu do zero porque se
esforçou pra caralho, porque teve foco, força e fé e quando você vai ver o cara
era só um filho da puta que criou um esquema de pirâmide e arrancou milhões de
gente que anseia ficar rica sem ter trabalho; e dá pra culpá-las?
acho que elas não gostam de
trabalhar, como eu =), mas não acho que por isso elas devam se foder e ser
roubadas por bandidos que se aproveitam da ingenuidade ou mesmo da burrice
dessas pessoas. o problema não está nelas. o problema está nelas acharem
realmente que um dia ficarão tão ricas que não precisarão mais trabalhar e nem
se preocupar com o futuro. todo mundo que quer ganhar muito dinheiro, quer isso
porque quer poder ter condições de aproveitar a vida porque sabe que ela não
deveria se resumir a trabalhar para não morrer de fome e simplesmente não existir
a opção de não trabalhar; a vida deveria ser uma experiência rica pra todos,
não só pra quem pode pagar por ela.
dito isso, vamos ao básico do
que eu aprendi assistindo a muitos vídeos de camaradas comunistas (já tô me
achando a militante, mesmo sem nunca ter me organizado). quem produz toda a
riqueza que nós vemos por aí é a classe trabalhadora. qual riqueza? - você pode
me perguntar - riqueza não é tipo dinheiro? veja, no caso a riqueza à qual me
refiro é absolutamente tudo que existe ao nosso redor. da casa onde você mora,
à roupa que você veste, passando pela comida que você come e o telefone que
você usa, tudo, absolutamente tudo isso eu chamo de riqueza (que me perdoem os
teóricos porque provavelmente eu esteja usando o conceito de maneira talvez
desvirtuada, mas eu tenho um ponto).
então, essa bagulhada toda é
riqueza e riqueza produzida pela classe trabalhadora. você acha que foi a dona
Mag****ne Luiça que construiu a primeira loja da marca? que projetou, minerou,
produziu, encaixotou, transportou e vendeu o primeiro alfinete da loja dela? e
isso se aplica a qualquer outra mercadoria ou bem durável/não durável. por mais
que a gente escute que "se o Elão Nusk não tivesse tido a genial ideia da
porra do carro elétrico, ele nunca poderia ter sido feito", pois bela
bosta ele ter a ideia, ele poderia ter as ideias mais geniais da face da terra;
ainda assim, ele é só uma alma sebosa no planeta e, sozinho, ele nunca poderia
ter feito o carro elétrico. o carro dele é produzido a partir de uma
longuíssima cadeia de produção, que começa lá na casa do caralho, com
trabalhadores muito especializados e precarizados trabalhando em minas de
ferro, de lítio e essas coisas todas. pensa só em quantas centenas, senão
milhares de pessoas, fazem parte dessa rede até que o carro esteja acabado e
cheiroso na concessionária, pronto pra se dirigir sozinho, bater numa árvore,
explodir, matar seus ocupantes e ouvir do corno do dono da empresa que o
problema eram as pessoas que ocupavam o carro e não o carro em si, apesar de
esses acidentes acontecerem com frequência...
isso é só um exemplo de que o
carro não foi produzido pelo bilionário cuzão; ele foi produzidos por todos
esses trabalhadores que, mesmo consumindo valiosas horas na labuta, deixando de
estar com seus familiares ou coçando o saco simplesmente porque poderiam, estão
ali, sendo mal remunerados e enchendo o cu do dono do tuinter de dinheiro;
dinheiro que ele não daria conta de gastar nem que quisesse porque são muitos
bilhões e que ele sequer trabalhou para acumular - ele “ganhou” esse dinheiro
explorando a mão de obra dessas pessoas.
“ah, mas se ele não tivesse
investido, essas pessoas não teriam emprego...”, sim, se ele não tivesse
investido, ele não teria o carro elétrico. Ele não faz um favor ao pagar esses
trabalhadores, pois são esses trabalhadores que propiciam a concretização do
projeto genial desse cara. “ah, mas se você ganha pouco, o capitalismo te dá a
opção de procurar outro emprego”. Claro, é sempre uma opção largar um subemprego,
que às vezes não garante nem o mercado do mês pra conseguir outra “excelente”
vaga, que talvez fique mais uma hora de distância da casa da pessoa, que talvez
exija que ela seja PJ, que não pague horas extras, mas que a pessoa ganhe 200
reais a mais. Vai ter corno aí dizendo que com esse “aumento” já dava até pra
investir em ações, hein!
A gente precisa ter o mínimo de
autocrítica pra saber que o fato de termos uma casa financiada, um jeep
renegade, um iphone 13 e meia dúzia de idas à Disney não tornam ninguém rico.
Se liga, porra! Mesmo que você tenha uma “empresa”, se ache o patrão, me conta
aí, se você parar de trabalhar hoje, por quanto tempo você consegue manter o
padrão de que vida que tem? Já diz o sábio professor Alysson Mascaro (muitíssimo
recomendado), você é só um pobre premium. Mesmo que ganhe 10, 20, 50 mil por
mês; se você recebe salário, então deveria estar na hora de você se mobilizar.
“ah, mas não tem como mudar a
realidade, sempre foi assim, vou cuidar do meu e foda-se o coletivo!” é,
colega, realmente é muito fácil olhar só pro próprio rabo quando o sistema está
a todo momento querendo enfiar uma trolha enorme no nosso cu, mas se você está
lendo isso, são grandes as chances de que você tenha mais do que a maior parte da
população tem e isso é desumano.
Eu sei que o comunismo não tem o
objetivo de fazer justiça social, tem o objetivo de tomar os meios de produção –
que não são a porra do seu carro, nem a sua casa de praia, Enzo, fica
sossegado! – e instituir a ditadura do proletariado, que somos quase todos nós.
Mesmo não sendo o fim a justiça social, acaba que ela se dá quando todas as
pessoas têm casa, comida, educação, saúde, emprego, lazer e tempo de qualidade
sem precisar ser expoliado por um trabalho, sem precisar ser aficcionado pela
ideia de ficar rico e acumular coisas.
Eu sei que pode parecer
impensável uma realidade diferente da que vivemos, mas se toda essa massa de
pessoas se unisse com esse objetivo, não seriam alguns milhares de bilionários
que nos parariam. Eu sei que é difícil acreditar que o capitalismo não existia
até algum tempo atrás, porque haverá gente dizendo que Adão e Ivo já eram
capitalistas e investiam na bolsa do paraíso.
Ainda assim, eu vejo que o
desemprego despencaria se as cargas de trabalho fossem reduzidas, mais ou menos
assim, de acordo com o curso de economia em que me graduei na UNICU. vejam: se
antes, uma vaga era ocupada por uma pessoa que trabalha 8h, ela poderia ser
ocupada por duas pessoas trabalhando 4h e sem redução de salário! "ah, mas
de onde vai sair o dinheiro, Karla?" do lucro da empresa, caralho! as
empresas não deveriam existir pra dar lucro pros donos; elas deveriam existir
para garantir que a sociedade pudesse suprir a sua demanda pelo serviço/produto
que ela oferta, garantindo meios de vida dignos para os seus trabalhadores. Agora
imaginem isso em larga escala...
Imagina poder trabalhar apenas 4h
diárias e ter meios o bastante para prover a sua vida e, olha que absurdo,
ainda poder vivê-la de verdade! Se você quisesse trabalhar mais, você poderia,
mas não seria necessário. Você poderia cuidar do jardim, ficar com a família,
beber com os amigos no bar, ler um livro, tricotar, fazer um passeio, dormir,
fazer a porra que você quisesse fazer sem pensar que está devendo o cartão de
crédito, o financiamento da casa, o tratamento de saúde da sua vó. Sem se
preocupar com o seu trabalho porque ele fica lá no prédio em que você trabalha
e você não precisa carregá-lo para todos os lados; sem precisar pensar em produtividade
porque você viveria uma realidade em que é uma pessoa, com individualidade e
desejos e não uma peça de engrenagem que é totalmente substituível e que só
serve para encher o rabo de uns poucos com dinheiro. Fora toda questão
ambiental, caso não vivêssemos de explorar os recursos naturais indefinidamente
e a qualquer custo.
Pode ser utópico? Pode sim, mas
se isso aqui tiver servido minimamente para que alguém coloque em dúvida uma
crença cristalizada, e se questione sobre qualquer tipo de possibilidade para
além do que está dado, já terá valido.
Trabalhadores do mundo, uni-vos!