quando era criança, e durante a adolescência também, sempre que eu tinha uma dessas crises de riso entre amigos, pela razão que fosse, se minha mãe estivesse por perto, ela dizia: "quem ri muito num dia, chora no outro". introjetei a frase em mim de tal forma que mesmo quando não havia a presença dela, eu sentia um pouco de medo e até de culpa por rir, por me divertir, por me sentir feliz. achava que o evento infeliz que me faria chorar seria na mesma proporção da felicidade. pensava lá no fundinho que não poderia ser muito feliz porque a dor viria logo em seguida.
digo agora que é muito ruim pensar desse jeito, é muito limitante acreditar por qualquer motivo que não somos dignos de alegria porque a tristeza vai tomar o seu lugar em algum ponto. é muito injusto sentir remorso porque a vida equilibra o caminho com um pouco de cada emoção. eu sou experiente com a dor, com o vazio, com a apatia, com a raiva. eu sou muito familiarizada com grandes mergulhos em mim mesma, nos quais perco a perspectiva e me afundo em tristeza e falta de sentido. sendo hoje um momento distinto, enxergo as palavras que escrevo pensando: mas já doeu tanto assim? olhando pelo vidro que agora é translúcido, talvez eu veja que não havia razões pra ter doído tanto, ainda assim, foi como me senti e não vou invalidar meu sofrimento.
fato é que sempre me entreguei mais ao que me combalia do que ao que me enternecia. criei casca, couraça, camadinhas de acidez e azedume. deixei de lado o otimismo pueril e as gargalhadas nonsense pra me tornar uma criatura de olhar niilista e conformada com as objeções que eu achava que a vida fazia a minha pessoa. ser feliz, assim, como algo perene, foi se mostrando como um cenário cada vez mais distante pra mim. ninguém é feliz o tempo todo; temos momentos de felicidade intercalados com o mecanicismo da vida, com as funções, demandas, tarefas. a gente bebe no final de semana e faz de conta que está tudo bem pra aguentar a próxima semana e assim a vida segue até acabar um dia, eu pensava.
não era absolutamente ranzinza e tenebrosa o tempo todo, desde que não tomassem como primeira impressão a minha cara que, por natureza, é mais fechada. pareço emburrada, séria, mas por debaixo de toda essa capa, das máscaras todas que tive de aprender a usar, ainda havia - e há - a menina, aquela da infância a quem abraço de vez em quando, aquela que coloco em meu colo e a quem digo que amo e que está tudo bem, que vai ficar tudo bem. às vezes, consigo enxergar em mim também a adolescente, aquela com grandes sonhos e prospecções, excitada com as promessas da vida. elas continuam todas aqui dentro, junto com muitas outras a quem já dei ouvidos em circunstâncias diferentes de todo o meu percurso.
aqui, onde me encontro agora, e isso é só mais um momento, tenho me percebido feliz, feliz, muito feliz! tenho vontade de correr pela rua gritando, arrebatada por tudo o que estou sentindo. isso vem da minha capacidade de amar, de trocar, de compartilhar, de me permitir; todas habilidades que estavam acumulando pó dentro do coração vazio e inquieto. isso tudo sou eu, mas como nunca estamos sozinhos - apesar de que, sim, estamos sozinhos o tempo todo -, as nossas potencialidades se mostram e se expandem quando estamos em relações, quando nos colocamos em relação a alguém/alguéns. eu disse aqui que estava aberta a ser fodida pela vida, desde que fosse com amor e, bom, ela tem sido muito generosa comigo. o final do verão me desabrochou pra sentir novamente. desencantei do impossível, do inalcançável.
atraquei meu barquinho em um porto-seguro muito diferente de todos os portos pelos quais já passei. é muito difícil, pra mim, elaborar em palavras, mas eu sinto. é um caldeirão com sopa densa, perfumada e parece que nele estão contidas todas as emoções e os sentimentos mais bonitos que já provei. as coisas sempre aconteceram assim comigo: quando eu menos esperava, ou quando já não esperava por mais nada, a vida vinha e me trazia presentes. eu os abria com grande entusiasmo e achava que seriam meus pra sempre, mas sempre não existe e, quando ela os tirava de mim, eu sofria agarrada às ilusões do controle. então, sem nenhum planejamento, ela me presenteou de novo e é como um ovo de páscoa recheado porque não há só uma surpresa. a delícia vem com mais delícias! a pessoa vem com uma pessoa que, por sua vez, vem com mais uma pessoa e a relação se dilata, cresce. é Bárbara a possibilidade de juntar as nossas malinhas e mochilinhas e colocá-las todas para viajar. tirarmos de dentro delas nossas vivências, nossas impressões, nossos sentimentos e sermos capazes de partilhar, de trocar, de dar e de receber.
é recente, só que não se trata de tempo; trata-se de intensidade, de transparência, de respeito, de abertura. trata-se de carinho, de cumplicidade, de descoberta e de curiosidade pelos outros. trata-se de admiração, de honestidade e também de liberdade. eu não tenho a menor ideia de pra onde toda essa experiência vai nos levar, mas acho que ela resume o que as pessoas querem da vida no final das contas: a gente quer amar e sentir que somos amados, queridos, compreendidos, amparados junto de outras pessoas. as relações afetivas felizes reverberam para os demais âmbitos da vida e isso é fantástico! quanto mais felizes nos sentimos, mais somos capazes de amplificar todo esse amor pra tudo o que está a nossa volta e, daí, a gente se multiplica no outro, daí vale a pena.
e é isso; estou besta, apaixonada, envolvida por tudo o que vem desse presente, da surpresa despretenciosa e do tempo em que a estou vivendo. é leve, é lindo e, pode ser que seja só um momento, mas agora ele é de verdade.