Eu já havia ido a alguns psiquiatras, uns três ou quatro, e todos eles me receitavam alguma medicação; eu comprava os remédios e não tomava por mais do que quinze dias. Na verdade, não queria tomar remédios, achava que um remédio só iria mascarar meus sintomas, não queria ficar dependente de nada. Ainda acreditava que eu poderia sair disso sozinha.
Então procurei muitas coisas: terapia, análise, apometria quântica, florais, hipnose, ayahuasca, fumei sálvia, comi cogumelos, tudo procurando tentar me entender, tentar chegar lá no fundo e descobrir a razão de eu ser assim; achava que se eu descobrisse, que se conseguisse chegar na raiz de tudo, que talvez eu superasse e conseguisse ficar bem.
Acontece, meus amigos, que tudo isso só serviu pra me mostrar que às vezes a gente não tem como fugir do que está entranhado na gente, não tem como fugir do que nos compõe. Eu tenho genes "tristes", "defeituosos". Meu pai tinha transtorno de humor bipolar e minha mãe também tem transtornos de humor. Se juntarmos os dois e somarmos com todo o resto e como tudo me afetou, na minha infância, na minha adolescência, na minha vida adulta, só podia dar merda.
Diante de tanto levar a vida com a barriga e de sentir que me distanciava muito do que eu gostaria de ser, percebi finalmente que precisaria de uma ajuda que me fizesse sentir melhor, que fosse capaz de fazer o meu cérebro produzir substâncias que eu não consigo fazê-lo produzir só pela minha vontade. Porque por mais que meu desejo consciente seja o de estar bem, na prática, eu não conseguia produzir nenhum movimento que me levasse a isso. Tudo é muito custoso, cansativo, irritante. A cabeça fala: vai! - só que o corpo fala: não, fica aqui, vamos dormir, vamos comer, tá ficando tudo cagado, mas não vamos pensar nisso...
Daí, depois de tanta negação, de tanta hesitação, de tanta prostração, decidi procurar novamente por um psiquiatra. Faz um mês que estou tomando uma medicação e acho que ela já começou a produzir algum efeito. Ela tem me acalmado e minha postura está lentamente mudando. Começo a produzir o movimento, começo a sentir que estou saindo do buraco em que estava, em que ainda estou. Não é uma beleza e nem é instantâneo; ainda tenho uns dias punks, em que me arrasto pela casa e fico deitada, sem grandes vontades, mas voltei a ouvir músicas e a cantar; não é muito, mas estou aqui também, escrevendo, me expondo, porque hoje, mais do que nunca, acho que é importante pra mim assumir que tenho uma condição que não me incapacita, mas que debilita a minha vida e não quero viver assim pra sempre.
As pessoas têm problemas em falar a respeito da depressão, têm problemas em falar que sofrem, que não são felizes o tempo todo, que não têm um prazer enorme em viver. Elas têm problemas em falar sobre qualquer coisa que envolva o seu mental, porque ter uma doença mental leva o senso comum logo pra loucura. Não se trata de loucura, trata-se de sofrimento psíquico, dor que não é aparente, mas que machuca, cutuca a gente diariamente e nem com a melhor das boas vontades, nem com o melhor dos conselhos, não se cura.
Busquei ajuda porque não quero ficar na sombra, me consumindo, me diminuindo, achando que o problema sou eu como um todo. Não, o problema está em uma deficiência do meu cérebro, mas não sou eu. Eu, quando pequena, sempre achei que teria uma "missão" especial, achava que estava aqui pra fazer a diferença, pra tocar as pessoas, mas depois que cresci, depois de como passei a me sentir, não conseguia mais alcançar aquela menina, nem fazer nada de especial.
Agora, quero muito reencontrá-la e dizer a ela que sim, podemos fazer o que quisermos.
quinta-feira, 30 de junho de 2016
quarta-feira, 29 de junho de 2016
Sobre ter depressão
Já falei aqui sobre depressão e dessa vez, dessa vez é muito sério o que vou escrever. Não é nada fácil você admitir que tem uma transtorno de humor. Não é nada fácil você admitir que tem um problema e que não consegue, sozinho, resolvê-lo. Só que para além disso, você tem que perceber que a depressão nem sempre se mostra do jeito que a gente pensava... Como tristeza profunda. Ela pode aparecer como uma irritação sem razão, como explosões de raiva, como uma vontade de comer demais, como uma vontade de dormir demais, como uma vontade de fazer de menos... Como a vida passando e você deixando ela ir de qualquer jeito.
Quando olho pra trás, não consigo identificar exatamente quando foi que ela surgiu, o dia exato em que eu deixei de ser quem eu pensava que era. A vida da gente vai trabalhando, as coisas vão acontecendo e você acha que lida direito, que resolve as coisas, mas lá dentro, a forma como os fatos são processados na gente, a gente só vai perceber depois.
Cheguei em um ponto em que achava que eu era assim: meio rabugenta, taciturna, irônica e pavio curto. Escrachada, grosseira, preguiçosa e sem determinação pra nada; vadia, como a minha mãe costumava me chamar. Durante muito tempo a vida não foi fácil pra mim. Tive que lidar com muitas coisas e é claro que todo mundo tem problemas, sofre e tudo mais, mas só posso falar de mim, do que eu vivi e de como as minhas vivências criaram feridas mal curadas em mim. Os meus textos sempre falaram sobre mim e sobre a minha perspectiva, porque é o que tenho.
Só queria ser feliz; por que era tão difícil ficar numa boa (?), mesmo depois, quando tudo parecia mais encaminhado, quando a vida adulta "dentro da caixinha" da normalidade estava okay: casa, filha, marido e emprego. Mesmo com tudo "perfeito" ainda persistia a falta de tesão. Fazia as coisas no automático. Tá tudo bem, nada errado, mas aí, briga com marido por besteira, briga com a filha por besteira, vai pro trabalho, faz as coisas, não faz as coisas. Paga conta, dorme, come, come, come, dorme, se sente horrorosa, gorda, feia, burra, incapaz, briga com o marido, dorme, dorme, dorme, trabalha, briga com a filha, briga com a mãe, faz terapia, se sente triste, se arrasta pela casa, faz barraco na fila do banco, compra o que não precisa, dorme, dorme, dorme, fuma demais, briga por qualquer coisa, se estressa por qualquer coisa, aumenta o tom por qualquer coisa. Todo mundo contra mim, aí me fecho numa conchinha e o looping vai longe. Vida de merda, eu pensava.
Pensava: você tem que se esforçar mais, tem que fazer direito, tem que ter controle, tem que ficar acordada, tem que fazer dieta, tem que se exercitar, tem que estudar, tem que sair com os amigos, tem que alimentar os gatos, tem que limpar a casa, tem que, tem que, tem que, daí eu dormia... Vou dormir só um pouquinho, quando acordar, eu faço o que tenho que fazer. Toca o alarme depois de meia hora: só mais um pouco. Dez minutos depois: só mais um pouco. Dez minutos depois: só mais um pouco. Quatro horas depois eu acordava, com humor do cão, me sentindo uma filha da puta porque dormi demais e ainda estava cansada, e ainda não tinha vontade de qualquer coisa.
Vou comer. Salada? Uma refeição equilibrada? Porra nenhuma! Vamos meter pra dentro um calzone, um pastel e, pra fechar, uma fatia de bolo! Faz isso todo dia o dia todo. No trabalho, umas tranqueiras gordas e mais um chocolate quente, porque tá frio. O corpo já está aquela massa amorfa, gelatinosa. Se olha no espelho e só sente pena de si e fome, mais fome; por favor, desça toda a comida gordurosa do mundo que eu tenho um buraco aqui que não se fecha nem com concreto armado!
Aquela ansiedade pelas contas, pelo mestrado que não fiz, pelas coisas que eu disse e pelas coisas que deveria ter dito; pela louça na pia, pelo chão sujo, pelas roupas pra lavar, pelo excesso de cigarros, por pintar os cabelos brancos, pelas brigas e desentendimentos. Pelo medo de morrer e pelo medo de continuar viva e inerte, pelo estado de estupor que só some na frente da internet, das séries e do sono. Pela comida que vem, se come, se enche o bucho, e se passa o dia todo pensando no que vai comer depois e se consumindo pelo que se come depois e depois e depois.
Aí, um dia você acorda numa boa, de repente, se fecha do nada, fica ranzinza, puta sem qualquer motivo, irritada com a sombra, com a existência, com a frustração. O que foi? Nada. Mas o que houve? Nada. Então, por que você está assim? Não sei. Repete o refrão. Daí briga, chora, soluça, entope o nariz e alivia um tanto. Daqui a pouco, fica do mesmo jeito.
Nem sempre é assim: quando você é convidado para alguma coisa, no fim das contas acaba se divertindo, mas daqui a pouco, fica do mesmo jeito. Fica sempre do mesmo jeito. Do mesmo jeito.
Não é legal viver assim, sendo uma sombra, sendo refém de si mesmo, sem controle, sem vontade, sem prazer.
(continua)
Quando olho pra trás, não consigo identificar exatamente quando foi que ela surgiu, o dia exato em que eu deixei de ser quem eu pensava que era. A vida da gente vai trabalhando, as coisas vão acontecendo e você acha que lida direito, que resolve as coisas, mas lá dentro, a forma como os fatos são processados na gente, a gente só vai perceber depois.
Cheguei em um ponto em que achava que eu era assim: meio rabugenta, taciturna, irônica e pavio curto. Escrachada, grosseira, preguiçosa e sem determinação pra nada; vadia, como a minha mãe costumava me chamar. Durante muito tempo a vida não foi fácil pra mim. Tive que lidar com muitas coisas e é claro que todo mundo tem problemas, sofre e tudo mais, mas só posso falar de mim, do que eu vivi e de como as minhas vivências criaram feridas mal curadas em mim. Os meus textos sempre falaram sobre mim e sobre a minha perspectiva, porque é o que tenho.
Só queria ser feliz; por que era tão difícil ficar numa boa (?), mesmo depois, quando tudo parecia mais encaminhado, quando a vida adulta "dentro da caixinha" da normalidade estava okay: casa, filha, marido e emprego. Mesmo com tudo "perfeito" ainda persistia a falta de tesão. Fazia as coisas no automático. Tá tudo bem, nada errado, mas aí, briga com marido por besteira, briga com a filha por besteira, vai pro trabalho, faz as coisas, não faz as coisas. Paga conta, dorme, come, come, come, dorme, se sente horrorosa, gorda, feia, burra, incapaz, briga com o marido, dorme, dorme, dorme, trabalha, briga com a filha, briga com a mãe, faz terapia, se sente triste, se arrasta pela casa, faz barraco na fila do banco, compra o que não precisa, dorme, dorme, dorme, fuma demais, briga por qualquer coisa, se estressa por qualquer coisa, aumenta o tom por qualquer coisa. Todo mundo contra mim, aí me fecho numa conchinha e o looping vai longe. Vida de merda, eu pensava.
Pensava: você tem que se esforçar mais, tem que fazer direito, tem que ter controle, tem que ficar acordada, tem que fazer dieta, tem que se exercitar, tem que estudar, tem que sair com os amigos, tem que alimentar os gatos, tem que limpar a casa, tem que, tem que, tem que, daí eu dormia... Vou dormir só um pouquinho, quando acordar, eu faço o que tenho que fazer. Toca o alarme depois de meia hora: só mais um pouco. Dez minutos depois: só mais um pouco. Dez minutos depois: só mais um pouco. Quatro horas depois eu acordava, com humor do cão, me sentindo uma filha da puta porque dormi demais e ainda estava cansada, e ainda não tinha vontade de qualquer coisa.
Vou comer. Salada? Uma refeição equilibrada? Porra nenhuma! Vamos meter pra dentro um calzone, um pastel e, pra fechar, uma fatia de bolo! Faz isso todo dia o dia todo. No trabalho, umas tranqueiras gordas e mais um chocolate quente, porque tá frio. O corpo já está aquela massa amorfa, gelatinosa. Se olha no espelho e só sente pena de si e fome, mais fome; por favor, desça toda a comida gordurosa do mundo que eu tenho um buraco aqui que não se fecha nem com concreto armado!
Aquela ansiedade pelas contas, pelo mestrado que não fiz, pelas coisas que eu disse e pelas coisas que deveria ter dito; pela louça na pia, pelo chão sujo, pelas roupas pra lavar, pelo excesso de cigarros, por pintar os cabelos brancos, pelas brigas e desentendimentos. Pelo medo de morrer e pelo medo de continuar viva e inerte, pelo estado de estupor que só some na frente da internet, das séries e do sono. Pela comida que vem, se come, se enche o bucho, e se passa o dia todo pensando no que vai comer depois e se consumindo pelo que se come depois e depois e depois.
Aí, um dia você acorda numa boa, de repente, se fecha do nada, fica ranzinza, puta sem qualquer motivo, irritada com a sombra, com a existência, com a frustração. O que foi? Nada. Mas o que houve? Nada. Então, por que você está assim? Não sei. Repete o refrão. Daí briga, chora, soluça, entope o nariz e alivia um tanto. Daqui a pouco, fica do mesmo jeito.
Nem sempre é assim: quando você é convidado para alguma coisa, no fim das contas acaba se divertindo, mas daqui a pouco, fica do mesmo jeito. Fica sempre do mesmo jeito. Do mesmo jeito.
Não é legal viver assim, sendo uma sombra, sendo refém de si mesmo, sem controle, sem vontade, sem prazer.
(continua)
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