Eu cozinho. Aprendi com a minha mãe. Antes dela ir trabalhar, escolhia feijão e colocava na panela de pressão; o meu trabalho era cuidar do feijão. Parece fácil, mas nem tanto, ainda mais quando você tem entre oito e dez anos e vive nos anos 90, assistindo ao programa satânico da Xuxa e esquecendo do almoço na frente da TV.
Perdi as contas de quantas vezes eu lembrava do feijão só quando já sentia o cheiro de torrado que vinha da cozinha. Era o maior desespero porque eu tinha que me livrar daquela merda, lavar a panela, escolher mais feijão, botar pra cozinhar de novo e fazer o cheiro de queimado se dissipar. Como eu só me dava conta de que ele estava queimando lá pelas 11h30, e já era quase a hora da minha mãe voltar pra casa, era praticamente certo que eu apanharia.
Acontecia o mesmo com o arroz, de quem eu deveria tomar conta com igual carinho, colocando água e esperando que ele ficasse no ponto.
E foi assim, entre panelas queimadas e chineladas que eu aprendi a cozinhar; na marra.
Tá, daí que não foi assim que eu tomei gosto pela coisa; o gosto pela coisa veio comendo as coisas, porque comida de mãe é sempre boa. Pelo menos a comida das mães de antigamente e, hoje, eu sou uma delas.
Acho uma vergonha gente que não sabe cozinhar. Acho uma vergonha gente que fala com orgulho que só sabe fazer miojo e mal e porcamente frita um ovo. Acho uma vergonha gente que acha bonito ser um zero à esquerda na cozinha. Porra, cozinhar é ser independente no sentido mais digestório da palavra; comer o que você mesmo prepara não figura independência e motivo de orgulho? Ser reconhecido por encher uma pancinha amiga com uma comidinha gostosa é o que há.
Quando fui ficando mais velha, minha mãe passou a me ensinar a cozinhar com mais didatismo; ela não me dava mais porradas, ela só me obrigava porque eu tinha que ajudar no almoço mesmo. De tanto fazer, você aprende; de tanto comer, você toma gosto. Ela me ensinou quase tudo do que eu sei. Não tem nenhum requinte, mas é muito bom. Arroz, feijão, salada de maionese, macarrão, lasanha, bifinho, strogonoff, farofa, madalena, creme de milho e vai embora... Minha cunhada também me ensinou umas coisas gostosas e gordas, que são mais gostosas ainda porque são gordas.
Claro que tudo a gente vai adaptando ao nosso gosto e ao que temos em casa na hora. Às vezes, a comida é de vadio, às vezes é mais ajeitadinha, mas o que importa é o tempero; tem que ter gosto, sabor, tem que encher a barriga e o coração. Tem dias que é foda e a comida fica uma bosta, mas nunca intragável, daí o coração não fica pleno, mas a barriga fica, o que já é alguma coisa.
E toda essa enrolação foi só pra dizer que farei um vídeo super profissional na minha cozinha industrial, dirigido pela minha filha linda e estrelado por esta que vos escreve apenas para ensinar aos leigos e amadores a receita, até então secreta, do maravilhoso creme de milho da D. Márcia.
Mas, subliminarmente, o vídeo é endereçado a minha amiga Thaís, que provavelmente cozinha muito melhor do que eu, mas que me pediu a receita do dito cujo. Já adianto que não uso medidas; é tudo na base do olhômetro e do bom senso.
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