Crianças são os seres mais vulneráveis e, ao mesmo tempo, os mais escrotos que existem. Enquanto você é pequeno, pode passar por inúmeras situações de abuso, que veja só, são cometidas por outras crianças e, por isso, não há bem uma punição pelas merdas que podem fazer contra você.
A criança sofre por ser frágil e suscetível justamente pelas mãos de outra, que é igual a ela e que deveria ser tão frágil e suscetível quanto ela.
Quando tinha uns quatro ou cinco anos, imagine todo o discernimento que me habitava – nenhum –, estava eu na frente da escola em que “estudava” na época,
(vamos abrir aqui um gigantesco parêntese; com quatro ou cinco anos eu não estudava bosta nenhuma; a escola era só um depósito de crianças, que mesmo sendo a melhor escola, não passava de um lugar com “tias” rabugentas doidas para matar meia turma de pequenos animais; eu comia cola, via meninos tendo ataques de histeria por serem abandonados ali por suas mães pós-modernas que precisavam trabalhar, me sentia deslocada e feliz só de vez em quando, como sempre)
esperando que alguém fosse me buscar. Ficava lá na calçada, onde eram vendidas guloseimas por tiozinhos com ares de pedófilos; havia algo que eu achava muito interessante, mas que agora não tenho certeza se já comi ou não: puxa-puxa. Era um doce à base de calda de açúcar, que era bem grudento e quando você dava uma dentada, ele esticava, daí o nome; uma beleza para os dentes das crianças.
Além desse doce, havia, claro, pipoca. Acho que eu gostava de pipoca. Pipoca é bom. Talvez naquele dia eu estivesse com muita vontade de comer pipoca, porque umas crianças maiores estavam comendo a dita cuja por ali e um belo punhado caiu no chão, como sempre acontece quando alguém come milho estourado e eu, que era uma menininha, estava com vontade de comer, então não vi nada de errado em juntar do chão da calçada, colocar na boca, mastigar e, delícia (!), estava comendo o que queria.
Acontece que quem me viu fazer isso – a escola toda –, não encarou meu ato como eu e fizeram com que me sentisse a criatura mais imunda da face da terra por ter comido algo do chão. Riram de mim, me chamaram de suja e porca. Senti-me absolutamente humilhada, envergonhada, acuada. Uma tristeza só para uma menina tão pequena. Era só pipoca, eu era só uma criança, era só um chão sujo de calçada. Eu certamente não iria morrer por ter comido aquilo, visto que a pessoa “grandota” que aqui vos fala é bastante saudável – leia-se acima do peso.
É claro que hoje em dia não cato nenhuma comida que tenha caído no chão, a não ser que seja o chão da minha casa ou de algum lugar conhecido; é, certos hábitos não se perdem e com isso eu sempre aumento a imunidade do meu corpinho.
Mas pergunte se isso me marcou.
- Isso te marcou, Karla?
- Ô. Não é à toa que eu tenho 27 anos e ainda me lembro disso. Foi uma coisa de crianças que viram motivo para avacalhar com uma outra, igual a todas elas. Foi algo que aconteceu de um jeito despretensioso por parte delas talvez, mas que me deixou uma marca muito profunda porque eu não merecia aquilo, eu não tinha noção do que o que estava fazendo era errado e que por isso eu deveria ser alertada, não achincalhada, mas quem chamou a minha atenção foram mini-pessoas que também não sabiam que a forma que usaram para me abordar me causaria tanto mal.
Hoje tenho o entendimento de que carreguei essa história por ter sido ignorante e por ter sido vítima de outros ignorantes. Éramos todos crianças e escrever sobre isso me deixa mais leve por ver que consigo expressar esse incômodo de maneira saudável.
Agora, alguém me pergunte se eu metralharia cada um dos filhos da puta, caso os visse pela rua? Absolutamente. ;)