Naquela cidade, havia muitas coisas diferentes pra uma menininha que morava antes em um ilha bonita.
Das praias de água azul, foi conhecer o rio, enorme, tão largo que quase não se via a outra margem. Aquele rio de águas escuras e ao mesmo tempo doces escondia toda a história daquele povo, daquele lugar onde ela foi morar.
Lá, as meninas andavam só de calcinhas pelas ruas sem asfalto. As casas eram de madeira e na cidade não havia prédios. A escola em que estudava também era de madeira, e ela não tinha muitos amigos, nenhum, na verdade, porque era vista como diferente da maioria. As pessoas de lá tinham traços caboclos, indígenas e a menina branca, de nariz fino, dentes separados e comportamento introvertido não era das mais agradáveis.
Naquela cidade, que era banhada pelo maior rio que existe, havia um lugar que chamavam de Beira-Rio, e ela era acostumada com a Beira-Mar. De salgada pra doce, de mar azul pra rio marrom. Lá na frente da cidade havia inúmeras carrocinhas com enorme panelas de óleo fumegante, onde os donos desses carrinhos fritavam batatas, e as batatas eram colocadas em copinhos descartáveis e vendidas com um pouco de queijo ralado e um palito. Ela as espetava e via o rio. Era a programação de todos da cidade nos fins de semana. Na época em que só os refrigerantes em garrafinhas de vidro eram populares, esses mesmos vendedores de batatas-fritas, viravam a garrafa de Coca-Cola em um pequeno saco plástico transparente, davam um nó e colocavam nele um canudinho. Era estranho. Bebidas em sacos, comidas em copos, mas era divertido.
Naquela cidade as pessoas também gostavam muito de redes, redes eram mais comuns do que camas e a menina gostava de se embalar nelas. Eram grandes e divertidos balanços quando ela estava acordada, e quando queria dormir, eram como o aconchego confortável de um colo de mãe.
Mas aquela cidade, tão no meio da floresta, também tinha muitos animais rastejantes, e qual foi a surpresa, então, quando um dia, enquanto a menina dormia na rede, uma cobra restejou em direção a ela, colocando-se bem embaixo de onde a pequena estava. Mal pior não aconteceu, porque um vizinho destemido e já acostumado com tais visitas, veio com um terçado dar fim ao animal.
Viveu ela em inúmeras casas com quintal e esgoto a céu aberto. Quando chegava da escola, gostava de parar em frente a sua casa para ver, por debaixo da camada verde de limo sujo, pequenos vermes e girinos que ali se criavam. Eram pequenas vidas asquerosas que se moviam aleatoriamente, como se se debatessem querendo sair dali.
Em um terreno baldio do lado de sua casa, havia também um enorme formigueiro marrom, onde moravam centenas de milhares de formigas de fogo. A menina gostava de perturbá-las. Pegava um pequeno graveto e desmoronava toda a cidade das pequenas raivosas. Várias vezes saíra de lá correndo, por ter sido mordida por várias delas nos pés, mas ela sempre voltava pra desarmonizar o micromundo.
Crescia assim, mudando de casa, de escola. E já não podia mais andar só de calcinhas pela rua, apesar do calor desumano daquela terra.
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