Dia dois de junho fará um ano que eles surgiram nas nossas vidas, no nosso pequeno apartamento. Queria que a Ana tivesse novamente o prazer da companhia de um bichinho de estimação, então entrei num site de adoção de animais, e foi lá que a vi pela primeira vez. Era rajada, um filhotinho, e chamava-se Fronha. Achei o nome uma graça, e ela tinha aqueles olhos enormes e o jeito serelepe que os pequenos sempre têm. Um mês de idade. Foi o primeiro filhote que vi na página e foi o que de imediato me chamou a atenção.
Mesmo assim, quis olhar os demais. Logo embaixo da sua foto, havia a de outro . Ele era pretinho, pequenino como ela, e chamava-se Espirro. Vendo mais fotos, vi que apareciam juntos. Eram da mesma ninhada, daí pensei que se fossem dois, um haveria de fazer companhia ao outro, e por isso, nunca estariam sozinhos.
Estava decidido. Adotaria os irmãos. Liguei para a moça que os acolhera e ela me contou a história deles. Disse que uma pessoa havia ligado para ela, avisando que se ela não ficasse com a ninhada, mataria todos. Ela apiedou-se dos pequenos e os acolheu.
Me disse todas as coisas que se diz para uma "mãe de primeira viagem", e ficou especialmente preocupada quando eu disse que morava em um apartamento sem redes de proteção. Deu o telefone e o endereço de uma clínica que os castraria por um preço camarada, e me deixou ciente de toda a responsabilidade que envolvia a adoção dos animaizinhos.
Eu consenti com tudo, disse que providenciaria as redes, que os levaria ao veterinário e que cuidaria deles com carinho.
No outro dia, à noite, ela chegou com eles. Vinham dentro de uma cestinha de vime e cheiravam a carro novo, por causa do banho a seco que haviam tomado. Eram tão pequenos que cabiam cada um em uma mão.
Assinei um termo, ouvi suas últimas recomendações, e naquele dia mesmo já tinha me preparado para recebê-los, comprando caixa de areia, areia, ração para filhotes, toca e tudo o mais.
Pronto, agora tínhamos um casal de gatinhos.
Eles eram graciosos, e a Ana caiu de amores pelos dois imediatamente, até o Bruno que não era muito de bichos, gostou deles.
Mostrei a eles a caixa de areia, com a qual tiveram instantânea identificação. Coisa de gato. E a primeira surpresa veio pela manhã. Quando acordamos, havia patinhas de cocô no sofá e em cima do meu notebook. Já batiazaram a casa e a caixa de areia com uma tremenda diarreia, resultado da troca de ração. Mas isso era de se esperar...
Decidido, então, que enquanto seus pequenos intestinos não estivessem acostumados à nova comida, eles domiriam na área de serviço para evitar maiores surpresas pela casa.
No terceiro dia, levamos os pequenos para que fossem esterelizados. Foram dentro de uma sacola de praia, sem grandes protestos. Entregamos as criaturinhas para o veterinário sob o olhar de "oh, eles são tão pequenos!" da secretária. Em menos de meia hora, estavam de volta na sacola, inconscientes, moles e com as linguinhas para fora, para evitar que sufocassem. Disse o veterinário que não deveríamos alimentá-los até o outro dia, e que dentro de algumas horas eles acordariam.
Fomos para casa, e os colocamos dentro da toca. Lá, eles ficaram, até o momento em que, como pequenos gatos zumbis, foram acordando. Arrastavam-se e tombavam. Caídos ficavam, até tentarem se levantar novamente, com enorme dificuldade e muitos tremiliques. Assistimos àquilo num misto de pena - por eles - com muito escárnio. Era muito engraçado vê-los daqueles jeito, como que embriagados. Até vídeos temos, para a posteridade.
No dia seguinte, já pulavam e sassaricavam pela casa, como se não tivessem pontinhos de nylon nos seus corpinhos frágeis.
Logo as redes foram instaladas em todas as janelas, e eles já estavam habituados à nova vida.
Esqueci de dizer que os re-batizamos. Chamavam-se, agora, Marte e Marta.
Como todos os gatos, eles só atendem pelo nome quando lhes convêm, ou seja, quase nunca.
O Marte, na verdade, tinha um nome muito adequado à sua condição - Espirro -, visto que eu acredito que ele seja um gato asmático, com desvio de septo ou algo do gênero! Pois vejam vocês que o animal dorme de língua pra fora, com a boca meio aberta, e volta e meia espirra. Deve ser alergia aos pelos!
Cada um tem suas peculiaridades, e elas já vinham me pedindo que escrevesse a respeito, há algum tempo.
Os dois têm uma tara por Halls, sim, aquele do "alívio refrescante". Eu tenho os pacotinhos sempre comigo, e eles não podem vê-los, que abocanham os ditos e saem brincando com eles pela casa. Várias vezes já acordei e me deparei com vários drops jogados pelo chão da sala. As embalagens estão sempre cheias de furos de dentes. Eles são tão caras de pau que chegam a fuçar a minha bolsa para roubá-los.
Outra coisa curiosa é o fetiche que a Marta tem pela estátua de São Francisco de Assis, de cerâmica, que tenho no hall de entrada do meu apartamento. Sempre que a porta está aberta, ela vai lá, se esfrega generosamente no santo e o lambe. Lambe como se ele fosse feito de peixe, lambe com devoção! Nunca vou entender o porquê disso...
Seu irmão também tem algumas preferências exóticas: adora "comer" cotonetes. Não que eles os coma de fato, nada disso, mas adora arrancar o algodão das pontas da haste e brincar com ela até que a enfie embaixo de algum móvel inacessível. Se ele vê o copinho onde eu guardo os cotonetes, com prazer, vai lá e pega um com a boca e, se pudesse, destroçaria uma caixa inteira deles! A Marta, por sua vez, é uma gata que faz neve com o papel higiênico do banheiro. Sim, neve! Produzida por suas garrinhas afiadas e seus dentinhos pontiagudos. Porta do banheiro aberta é sinônimo de espetáculo natalino aqui em casa!
E eu fico quase louca!
Porque, é claro, além dessas peripécias, eles já aprontaram muitas outras! Louças quebradas, papéis roídos - eles são como cabras -, bolas de pelo pela casa, meu sofá e as quinas das camas, que são box, destruídos! Se tenho vontade de jogá-los pela janela pelo menos três vezes por semana? Oh, sim, tenho muita!
Mas assim como eles são umas pragas, são também extremamente amorosos, e não é só por interesse!
A Marta já enfiou as unhas nas minhas costas a ponto de sangrar feio. O Marte já meteu as unhas no meu seio e pescoço de um jeito que fiquei com as cicatrizes dos pequenos buracos, e a última dele fez com que parecesse que eu era uma viciada em drogas injetáveis, pois ele enfiou a garrinha bem na junção do meu braço com o antebraço. Mas ok, coisas da vida.
A Ana também, volta e meia, é vítima de uma brincadeira selvagem deles, com direito a unhas e dentinhos, mas nada grave.
A compensação para a selvageria dos felinos vem em forma de amor ronronante, de olhares compreensivos de dois gatinhos que se esfregam na gente, deitam sobre o nosso peito, aninham-se na nossa barriga, esfregam suas cabecinhas no nosso rosto incansavelmente; esfregam todo o seu corpinho peludo contra o nosso, e se a gente permitir, esfregam, carinhosamente, até suas "bundinhas peludas" na nossa cara!
Eles são inteligentes, sacanas a adoram aprontar. Quando sabem que fizeram algo errado, saem derrapando de tanto que correm. Sua lutas e brincadeiras são uma atração à parte! Nem preciso dizer que a Marta quase sempre leva a pior e que, às vezes, eu preciso apartá-los. Eles não são muito de miar, mas se comunicam que é uma beleza. Estão quase sempre juntos, e quando não estão, um mia para chamar o outro. Um dá banho no outro, coisa, aliás, que fazem frequentemente. Dormem juntos e comem juntos e, obviamente, quando pode, o Marte rouba a comida da Marta, coisa de gordo.
São abusados e, se eu deixar, viram senhores da minha cama. Mas já andei cortando as asinhas deles...
Esses animais são um espetáculo! Destroem a casa durante a noite, se matam brincando na sala, mas todos os dias, quando eu abro a porta do meu quarto, eles estão ali, esperando... Por comida é claro!
Sempre ficam no banheiro comigo enquanto eu tomo banho. Deitam sobre o tapete em frente ao box, e depois que eu saio, recebo da Marta lambidas nas pernas. Depois disso, eles entram no box, tomam a água quente que vai se esvaindo pelo ralo e procuram atentamente por mosquitinhos, para exercitarem seu lado predador.
Apesar de terem uma pancinha dependurada, em virtude de serem esterelizados, e apesar de o Marte ser um gato obeso com cara de deboche, eles mandam ver nas baratas que de vez em quando aparecem por aqui. A Marta, com seu porte mais delgado, e com a barriga mais cuti cuti que Deus já fez pra um gato, também é uma boa caçadora de insetos.
Aliás, a Martinha é uma gatinha doente. Ela tem leucemia, doença que eu não fazia ideia que poderia acometer felinos até descobrir que ela tinha essa tal coisa. Ficou sem comer, sem tomar água... - me lembrem que eles também têm fetiche pela água da privada, não para beber, mas adoram enfiar as patas lá dentro e sair pela casa fazendo arte molhada! - Achei que fosse perdê-la.
Em dois dias, ela estava anêmica. Foi internada, fez transfusão de sangue e tudo! Exames, comida especial. Chegou na clínica totalmente caidinha. Depois de ter um sanguinho novo no corpo, estava histérica! Quando viu a mim e à Ana, miava pedindo para que lhe tirassem daquele lugar.
Depois de dois dias fora de casa, depois de eu ter ficado mais de 700 reais mais pobre, depois de ter ido chorando para o trabalho, e de ver minha filha chorando compulsivamente, achando que a gatinha mais amiga dela, aquela que tanto a amava e demonstrava todo esse amor repousando calmamente sobre ela todas as vezes que ela assim queria, depois de achar que a criaturinha não resistiria, ela se recuperou. É certo que não sabemos por quanto tempo ela se manterá bem, mas faz quase três meses que ela está serelepe quebrando tudo por aqui com seu irmão meliante e dentuço.
Ia me esquecendo de contar que o Marte tem um fraco por bebidas alcoólicas. Ele toma cerveja, e eu não descobri isso oferecendo a ele, não. Foi pura casualidade. Lata aberta numa reunião de amigos por aqui, e lá foi o gato ver o que tinha na dentro. Adorou o líquido que ficava nas bordinhas... Ia atrás de outras para beber mais. Até queria vê-lo bêbado, mas poderia ser letal, então melhor não levá-lo para o mau caminho...
A última dos irmãos foi essa semana. Cedo, a Ana me acorda dizendo que há penas pela sala e cozinha. Abro a porta, vejo penas pretas, pluminhas... Muitas delas... Não tenho nada com penas em casa... Então imagino que tenham "brincado" com um passarinho... Mas não vejo passarinho algum. Temos que sair. Trabalho, escola, compromissos. A casa fica como está. À noite, o Marte dá a deixa, deitando no chão e enfiando a pata o máximo que pode embaixo de um móvel da sala. Quando eu chamo a atenção dele ele, no susto, tira a patinha, e junto com ela vem mais um pluminha, e eu penso: "Puta que pariu, achei o passarinho!". E não deu outra.
Puxei o móvel, e lá estava ele, pequeno, duro, meio depenado... Mistério resolvido. Embaixo do móvel também estavam umas quatro ou cinco embalagens de Halls... A brincadeira acaba para eles quando enfiam os "brinquedos" em lugares que suas patinhas não alcançam...
Olha eu aqui traveiz!
ResponderExcluirCostumo ouvir pessoas próximas dizerem que gatos são infiéis, que não ligam para os donos, que são todos iguais e extremamente individualistas. Coincidentemente, todo mundo que diz isso nunca teve gato.
Eu não queria ter gatos, minha esposa adorava gatos.
Um dia, voltando da festa de um amigo, eu mais bêbado do que o teu gato se tu permitisse, falei, Vamos comprar um gato!
Fui a pet shop, perguntei o preço, a mocinha falou, R$600,00.
Vai te foder! respondi com minha delicadeza alcoolica.
Ela deu o telefone de um cara que tinha gatos para doar, fomos até lá. De uma ninhada de seis, sobraram dois, o amarelo tigradinho ninguém queria por que tinha o capeta no corpo, a toda branquinha ninguém queria por que tinha o rabinho cotoco, quebrado.
Adotamos os dois. Bentinho, se chama ele, Capitu, se chama ela.
Se amam e se lambem com uma paixão de dar inveja na mais melosa das novelas mexicanas. Não foram castrados simultaneamente, primeiro as damas. Na noite que ela dormiu fora de casa para se reuperar da cirurgia, ele entrou em desespero. Pânico de dar pena e raiva, de tanto que gritava.
Meses depois, voltando de um jogo do Figueirense, passei no supermercado para comprar ração e, no prédio em frente ao meu, ouvi um miadinho sofrido, cheguei perto, fiz psiu, psiu (aquele ruidinho que se faz quando se quer chamar um gato), e ela veio, vestindo o mesmo alvinegro elegante do meu time do coração. Abri o pacote de ração, coloquei um pouquinho no chão, e ela devorou com a fome de um etíope vendo o arroz ser jogado do helicóptero da ONU.
Não pensei duas vezes, enfiei a magrela embaixo do braço e levei pra casa. Dia seguinte levei-a ao veterinário, banho, vacinas e castração, e hoje os três mandam no meu apartamento, mas, generosamente, ainda me permitem morar nele.
Pilar, se chama a alvinegrinha, homenagem a senhora Saramago, uma vez que ela foi adotada na semana em que o meu ídolo literário maior morreu.
Bentinho se dá bem com as duas, mulherengo incorrigível. Pilar e Capitu se odeiam, mas cada uma sabe até onde vai o seu território dentro do apartamento.
E nós vivemos felizes para sempre.