Ele estava entre as duas pistas de asfalto, numa larga faixa de terra batida, alaranjada. Havia poças de lama e muito lixo espalhado. Ali estava o cavalo morto - um pobre pangaré, daqueles que trabalham à exaustão puxando uma carroça - caído de lado, teso como se fosse um boneco, um boneco podre. À sua volta, ao longo dos dias, ia se formando um lodo de chorume que se soltava da carne que ia estragando e estragando. O animal inchado como um balão, tinha coberto o corpo de larvas de moscas, que depositavam ali seu pequeno legado de imundície. O pelo marrom já era ralo, e tinha a língua para fora, empretecida. O cheiro de carniça me fazia imaginar como estavam as tripas do bicho naquele instante, se é que ainda havia tripas, se é que o corpo morto não tinha se autodigerido para no fim de todo o processo virar nada. Eu vi sua cara vidrada, os olhos sem brilho, opacos, os dentes amarelados e a gengiva apodrecida. Parecia ter morrido de susto, e qual seria o susto de se ver morrer e jazer na rua? Como indigente a céu aberto, carne podre para ser cuspida, o cheiro da morte vermelha.
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