sexta-feira, 26 de setembro de 2025

sobre uma palpitação

Uma palpitação. O coração bate de um jeito que quase sobe ao céu da boca e depois desce até o estômago. Ali, ele se encharca com suco gástrico e quando sobe ao céu da boca de novo, deixa no caminho da goela o sabor do vômito que sai num diminuto arroto. Depois que sai o ar azedo, entra o ar queimando o esôfago, uma azia que esquenta o tubo enquanto o peito todo gela. O coração sobe e desce, para cima e para baixo, para dentro e para fora e consigo ver uma mão, minha mão, revirando minhas vísceras mais dentro, dentro, num dentro que não chega nunca no fora. Só mais carne, só mais agonia, só mais angústia revirada, só medo irracional disfarçado de mal-estar, o corpo traduzindo em si o que a cabeça não é capaz de expressar em palavras; ai, aí a gente sente. Uma hora o coração para de subir e descer para cima e para baixo, ele só fica subindo para dentro e para fora, entalado na boca do estômago. O coração fica ali, tum tum, tum tum, tum tum, evitando a passagem de ar, engasgando a massa toda, ocupando lugar que não lhe cabe. Tum tum, tum tum, tum tum e o corpo todo tilinta. Daí sinto que quero morrer. Faz tempo que não digo que quero morrer. Eu acordava todos os dias com uma vontade bem pequenininha de morrer porque viver dói, mas eu tava bem, juro que tava. Eu tava fazendo tudo para que o meu corpo não se sentisse afogado pelo meu coração descompassado, e parecia que a ordem e a repetição me contornavam com sentido, com o sentido que eu podia escolher dar pra minha existência. Acontece que, às vezes, é como se esse sentido fosse um balão muito bonito e cheio e a vida furasse ele com uma agulhinha fininha, ele vai se esvaziando e, quando eu percebo, ele se esvaziou e o sentido foi todo embora, o sentido que eu coloquei lá dentro com o ar dos meus pulmões asmáticos foi-se embora e eu preciso de um novo balão. Preciso enchê-lo com todo o ar e as coisas em que eu acredito.