quinta-feira, 15 de março de 2012

K.I.S.S.

Crianças são os seres mais vulneráveis e, ao mesmo tempo, os mais escrotos que existem. Enquanto você é pequeno, pode passar por inúmeras situações de abuso, que veja só, são cometidas por outras crianças e, por isso, não há bem uma punição pelas merdas que podem fazer contra você.

A criança sofre por ser frágil e suscetível justamente pelas mãos de outra, que é igual a ela e que deveria ser tão frágil e suscetível quanto ela.

Quando tinha uns quatro ou cinco anos, imagine todo o discernimento que me habitava – nenhum –, estava eu na frente da escola em que “estudava” na época,

(vamos abrir aqui um gigantesco parêntese; com quatro ou cinco anos eu não estudava bosta nenhuma; a escola era só um depósito de crianças, que mesmo sendo a melhor escola, não passava de um lugar com “tias” rabugentas doidas para matar meia turma de pequenos animais; eu comia cola, via meninos tendo ataques de histeria por serem abandonados ali por suas mães pós-modernas que precisavam trabalhar, me sentia deslocada e feliz só de vez em quando, como sempre)

esperando que alguém fosse me buscar. Ficava lá na calçada, onde eram vendidas guloseimas por tiozinhos com ares de pedófilos; havia algo que eu achava muito interessante, mas que agora não tenho certeza se já comi ou não: puxa-puxa. Era um doce à base de calda de açúcar, que era bem grudento e quando você dava uma dentada, ele esticava, daí o nome; uma beleza para os dentes das crianças.

Além desse doce, havia, claro, pipoca. Acho que eu gostava de pipoca. Pipoca é bom. Talvez naquele dia eu estivesse com muita vontade de comer pipoca, porque umas crianças maiores estavam comendo a dita cuja por ali e um belo punhado caiu no chão, como sempre acontece quando alguém come milho estourado e eu, que era uma menininha, estava com vontade de comer, então não vi nada de errado em juntar do chão da calçada, colocar na boca, mastigar e, delícia (!), estava comendo o que queria.

Acontece que quem me viu fazer isso – a escola toda –, não encarou meu ato como eu e fizeram com que me sentisse a criatura mais imunda da face da terra por ter comido algo do chão. Riram de mim, me chamaram de suja e porca. Senti-me absolutamente humilhada, envergonhada, acuada. Uma tristeza só para uma menina tão pequena. Era só pipoca, eu era só uma criança, era só um chão sujo de calçada. Eu certamente não iria morrer por ter comido aquilo, visto que a pessoa “grandota” que aqui vos fala é bastante saudável – leia-se acima do peso.

É claro que hoje em dia não cato nenhuma comida que tenha caído no chão, a não ser que seja o chão da minha casa ou de algum lugar conhecido; é, certos hábitos não se perdem e com isso eu sempre aumento a imunidade do meu corpinho.

Mas pergunte se isso me marcou.

- Isso te marcou, Karla?

- Ô. Não é à toa que eu tenho 27 anos e ainda me lembro disso. Foi uma coisa de crianças que viram motivo para avacalhar com uma outra, igual a todas elas. Foi algo que aconteceu de um jeito despretensioso por parte delas talvez, mas que me deixou uma marca muito profunda porque eu não merecia aquilo, eu não tinha noção do que o que estava fazendo era errado e que por isso eu deveria ser alertada, não achincalhada, mas quem chamou a minha atenção foram mini-pessoas que também não sabiam que a forma que usaram para me abordar me causaria tanto mal.

Hoje tenho o entendimento de que carreguei essa história por ter sido ignorante e por ter sido vítima de outros ignorantes. Éramos todos crianças e escrever sobre isso me deixa mais leve por ver que consigo expressar esse incômodo de maneira saudável.

Agora, alguém me pergunte se eu metralharia cada um dos filhos da puta, caso os visse pela rua? Absolutamente. ;)

segunda-feira, 12 de março de 2012

Peidei, e agora?

O amor é lindo... Mas de que amor costumamos falar quando dizemos essa frase? Do amor que abre a porta do carro? que leva flores? que leva pra jantar? Esse é bem lindo, bem formal e cada dia mais raro de encontrar.

Tem também aquele bonito, que é o que dorme com você duas ou três vezes por semana, que às vezes leva uma cafezinho na cama, que manda mensagenzinhas em uma hora inesperada.

Tem aquele bem charmoso, que divide as contas com você, que prepara o almoço, que esquenta o seu pé no meio da noite.

Tem aquele sensual, que te faz sexo oral, pega você de jeito e te deixa boba só de ficar olhando.

Tudo é lindo, não é? Tudo é amor, então por que, por que, por que diabos as pessoas não admitem que suas relações avancem um passo a mais na intimidade através do compartilhamento de atitudes singelas e comuns a todos?

Para mim, não existe um relacionamento de verdade se meu namorado/marido não tem conhecimento de que eu peido, arroto, cago e mijo de porta aberta! E sim, é com essas denominações mesmo!

Ai, sempre a mesma história furada de "bons modos", "ninguém precisa saber o que eu faço no banheiro", "isso é porquice", "mulher não faz isso", "acaba com o encanto da relação" e blá blá blá.

Gente, vamos encarar os fatos:

Eu fui muito bem educada pela minha mãe, apesar de ter presenciado todos os tipos de necessidades fisiológicas dela. Vejam bem, ela me ensinou as regras e é importante você saber as regras, claro.

Mas é importante também que saibamos que uma coisa é a relação que temos com o outro que é o outro; aquele com quem não temos intimidade, com quem não temos convivência afetiva ou que não vive com o seu rabinho dentro da nossa casa.

Outra coisa totalmente diferente é a convivência que você tem com seu cônjuge. Uma pessoa com quem você decidiu compartilhar os melhores e os piores momentos da sua vida, sendo que mijar/cagar/peidar e outras coisas semelhantes sequer podem ser encaixadas como piores momentos, pois são apenas parte do dia a dia de qualquer ser que respire na face da terra.

Sua mãezinha, por exemplo, que deus a abençoe, limpou muito a sua bunda; aliás, tão incontáveis vezes que se duvidar, até hoje, quando você sente uma dor de barriga, pensa em ligar para ela. E é assim mesmo. As pessoas com quem você pode contar quando está na merda literalmente, geralmente são as pessoas com quem você vai poder contar para o resto da vida.

Não se trata de sentir cheiros; trata-se de intimidade, no seu estado mais "tcham" de ser. Não se trata de você fazer cara feia e ficar pensando "puta que pariu, ele/ela tá podre! morreu, mas ainda não foi enterrado!"; trata-se de você ter a liberdade para sentar no chão do banheiro enquanto o outro está cagando, e conseguir trocar altas ideias sobre um assunto qualquer, abstraindo o mau cheiro, porque não é disso que se trata a vida; de falar sobre o quanto a merda alheia fede. Afinal, acho que só valeria a pena discutir sobre isso no dia em que o cheiros exalados por mim forem de flores silvestres dos bosques longínquos que ficam além do arco-íris.

De que adianta você ter a relação mais "foda" do mundo, se quando você tem uma dor de barriga daquelas, em que as tripas se reviram, você empalidece e acha que vai ficar no trono pra sempre, você tem que manter o sorriso, correr para o banheiro, ligar a torneira e ficar cantando Macarena bem alto para que o seu digníssimo namorado não seja surpreendido por algum barulho de "peido metralhadora" e assim, descubra subitamente que o anjo de candura, delicadeza, educação e sensualidade que ele namora também peida, e pior, peida muito, e pior ainda, caga??? Diarreia??? Oh, meu deus!!! Pensei que mulheres direitas não fizessem isso! Cagar é coisa de puta!

Eu imagino que seja um choque muito grande mesmo, para qualquer relação, você descobrir que a pessoa que você ama, quando toma uma Coca-Cola bem gelada tenha vontade de arrotar e, veja você, às vezes arrota?! Um absurdo, não é mesmo? Quem faz isso? Vamos guardar esse tipo de reação absolutamente normal do nosso organismo dentro de nós mesmos, afinal, colocar pra fora é o cúmulo do que a civilidade rejeita.

São essas mesmas pessoas que vão a um banheiro público e ficam intimidadas de dar uma bela mijadinha porque outras pessoas, que também entraram lá para isso, podem ouvir o som do xixi caindo na privada. Não é ridículo imaginar que tem gente que se ressente de mijar numa porra de um banheiro público, que por acaso foi feito para que as pessoas mijem e mijem e mijem de novo e também para que caguem lá quantas vezes sentirem vontade porque têm vergonha de que outras pessoas as ouçam fazendo isso, sendo que é algo que todo mundo faz nessa porra dessa vida várias vezes em um único dia???

Fico puta com toda essa hipocrisia! Espero que vocês tenham lido o parágrafo anterior não como se tivesse sido dito, mas sim gritado, ok?

As coisas que saem dos nossos corpinhos não são limpas, é verdade, por isso são excretadas, mas o fato de  fazê-las não nos torna sujos ou sujeitos diminutos diante de ninguém. Ir ao banheiro não torna ninguém mais porco do que ninguém e o fato de você ter um relacionamento em que isso não é encarado como algo maior do que é, ao menos para mim, é fator de aproximação, no qual o outro sabe que eu o entendo e o respeito no que existe de mais básico em um ser humano, que é o seu aspecto fisiológico, que nem em um milhão de anos poderá ser mudado.

Se eu posso trocar fraldas, olhar pra cinco diferentes tipos de merda todos os dias e fazer isso ainda com um sorriso no rosto por saber que ela sai de dentro de um serzinho gracioso feito por mim; se faço isso pelos animais de estimação que tenho em casa, catando cocôs, por que não posso aceitar que a pessoa que amo e que escolhi para ficar comigo vai ao banheiro de porta aberta?

Falta de boas maneiras é não parar na faixa de pedestres, não dar bom dia, ter filhos que parecem o capeta em um restaurante ou não deixar que um idoso se sente no ônibus. Percebem a diferença entre intimidade e frescura?

Sim, porque para mim, isso não passa de uma frescura das brabas. Todo o romantismo e a magia do amor foram construídos ao longo de muitos anos, é verdade, mas isso não quer dizer que certos pontos de vista devam ser mantidos a qualquer custo. Pelo menos a minha visão sobre o amor é bem mais realista e portanto, acredito que mais romântica e menos superficial/iludida e por isso, devo dizer que me sinto bem feliz.

Quem estiver comigo, pode saber que conta com o meu apoio mesmo nos momentos cotidianamente malcheirosos da vida. Amar é aceitar e sublimar o que nos incomoda no outro para que o outro assim o faça conosco.